sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Terça que vem

vou ver o meu querido Parmera no Palestra Itália contra o Colo Colo - primeiro jogo que eu vou no ano e logo um de Libertadores. Enquanto o futebol me distrai e me anima, prossigo minhas reflexões acerca do que se opera no Brasil por esse momento, com a crise já causando desemprego ao passo que a partidarização da cobertura dela já se consubstancia tendo em vista as Eleições Gerais de daqui a menos de dois anos - em mais uma demonstração de desconstrução do discurso jornalístico por parte da própria mídia tradicional, tão engajada, tão militante.

Há quem ache o discurso jornalístico uma mera miragem, fruto da ideologia hegemônica do mundo - que de certa maneira é a mesma, ainda que transformada, das revoluções americana e francesa até os dias atuais -, eu, no entanto, venho e indago: O que não seria produto ideológico na produção cultural humana? jornalismo é sim produto da ideologia dominante, mas é algo bem concreto que parece estar encontrando o seu ocaso - ou,quem sabe, sofrendo uma metamorfose tão brutal que nem parece mudança, mas sim morte.

Quem é o maior responsável pela desconstrução do jornalismo no Brasil - e no mundo - hoje?

Do ponto de vista econômico é a competição da Internet somada aos custos econômicos que implicam em manter um jornal, um canal de TV ou uma estação de rádio.

Do ponto de vista ideológico, é a constatação de que não é mais possível sustentar a ideia da pretensa pureza do discurso jornalístico, cujo ponto basilar é o dualismo fato-descrição, na medida em que há de se reconhecer tão logo - assim como se investigar - a sua dimensão axiológica, jamais olvidando questões como a subjetividade a relatividade - os motes do século que se inicia e que eu não sei se acaba. Isso, claro, é dramático para os profissionais da área porque pode simplesmente pôr abaixo a sacralidade laica, o dogma maior sobre o qual ela se assenta.

Do ponto de vista político, e isso está bem claro na América Latina e no Brasil, é a questão da subversão do discurso jornalístico pelas próprias empresas jornalísticas em detrimento de um discurso político velado. Isso tem uma diferença essencial ao que se viu no passado: As empresas jornalísticas deixam de ser meras apoiadoras de determinados grupos políticos para se tornarem players no jogo do poder. Elas não são mais usadas nem são mais coadjuvantes, mas sim um dos protagonistas do jogo, o que tem custado caro à credibilidade desses meios.

É um debate longo que só está no início, muita coisa ainda virá. Esperemos e ruminemos.

Atualização de 28/02 às 14:52: Luis Henrique Penha e eu estamos debatendo sobre esse assunto em seu excelente blog, o éle.agá.

Atualização 2 de 28/02 às 15:51: Essa eu não podia deixar passar, o blog do Nassif noticia a demissão do colunista Inaldo Sampaio do Jornal do Commercio de Recife. Inaldo, 22 anos de Casa, foi a única voz que se levantou contra a "entrevista" do Senador Jarbas Vasconcelos sobre a "corrupção no PMDB" e por isso sua cabeça rolou. É sobre coisas como essas que eu me refiro quando falo que as próprias empresas jornalísticas estão subvertendo o jornalismo em prol da política - e Nassif, recém-demitido da TV Cultura em mais uma prévia do que será 2010, sabe muito bem disso.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

São Caetano 3x4 Palmeiras

O jogo foi brutalmente eletrizante, em parte por conta do mérito dos ataques, em parte pela deficiência das defesas. O São Caetano que havia sofrido apenas sete gols nas nove rodadas anteriores (o,77 gol/jogo) tomou quatro, o Palmeiras que havia tomado sete em oito jogos (o,87 gol/jogo) tomou três, mas verdade seja dita, eles mereceram - e defesa do verde inciou o ano muito bem, mas degringolou nos últimos três jogos onde acumula oito gols.

O jogo começou com 3/5/2 de um lado, 3/5/2 do outro, mas a correria era total. Logo de cara o São Caetano mostrou mais pegada, marcou bem, desarmou implacavelmente e marcou dois gols em apenas nove minutos. No primeiro gol, recuo doido de Pierre, escorregão de Cleiton Xavier, paralisia da zaga e esperteza de Luan. No segundo, falta besta na meia-direita, cobrança na área, nova paralisia da zaga, péssima saída de Marcos e oportunismo de Marcelo Batatais.

Os dois gols acordaram o Palmeiras que foi com tudo para o ataque, diminuiu em três minutos com Keirrison, e se aproveitou da bola parada - e da competência de Cleiton Xavier nela - para virar com Edmílson e Diego Souza. No fim do primeiro tempo, lançamento aparentemente despretensioso do estreante Marcão para Armero, falha do defensor do azulão, cruzamento para Keirrison e gol.

Jogo definido? O escambau. Os times voltaram iguais no segundo tempo, o Palmeiras teve quatro chances claras de gol - brilhantemente evitadas por Luiz - e, quando o jogo já tomava aqueles contornos de banho-maria, Vadão mexeu bem e num contra-ataque sobre a desprotegida defesa verde, o São Caetano fez mais um aos 33'. Aí foi um deus-nos-acuda, com a pressão do time do ABC durante todo o terço final do segundo tempo.

Para o Palmeiras fica o sinal amarelo para a sua defesa. O time joga, na verdade numa espécie de 3/1-4/2, o que funciona, como funcionou contra o Santos, caso o ataque faça uma implacável blitz - o que não dá para esperar que um time que joga domingo/quarta/domingo faça sempre - e do próprio posicionamento de Edmílson subindo para reforçar a marcação no meio enquanto os alas retraem e viram laterais. Sobre o segundo ponto, isso aparentemente estava claro, mas se tornou inexplicavelmente confuso nos últimos jogos e ontem eu senti o capitão verde bem perdido - assim como Maurício Ramos, sendo que só se salvou mesmo o estreante Marcão.

Pessoalmente, eu gostei mais de uns jogos no início da temporada onde Diego Souza ficava mais atrás e saia jogando - mais ou menos com Hernanes no São Paulo -, mas ultimamente ele tem avançado muito e ontem o Palmeiras teve dois meias (ele e C. Xavier) e apenas um volante (Pierre, brutalmente sobrecarregado); o ataque, por sua vez, funcionou perfeitamente, especialmente Keirrison, que é jogador para a Seleção mesmo.

O São Caetano mostrou qualidade com Luan e Vandinho e Tuta, apesar de não ter ido tão bem, é um jogado que pode ser últil, no entanto, justo a sua defesa, que vinha tão bem, abriu o bico ontem e mostrou que é bastante improvável o time encaixar-se entre os quatro.

Corinthians
Vitória fácil contra o lanterna Noroeste. Mesmo sem um futebol brilhante, o time joga com pegada e quer ganhar esse campeonato. Teremos uma briga interessante lá na frente.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sobre factóides e debates

Em meio à repercussão de toda a celeuma da ditabranda, um fenômeno interessante que já ocorreu recentemente no Brasil tornou a dar as caras: O desfoque sistemático de um grande debate público. Quem acompanhou o caso DD sabe muito bem sobre o que eu me refiro. Naquela ocasião, diante da aberração jurídica cometida pelo presidente do STF, surgiu uma curiosa questão: O Estado policialesco. Se num instante, o debate pesava sobre o Presidente da nossa suprema corte, num segundo momento - e com alguma ajuda de certos setores da mídia - o debate passava a ser sobre a questão dos limites do poder de polícia do Estado e de direitos e garantias individuais, uma questão interessante, mas que no contexto e com a finalidade com a qual foi inserida, tinha finalidades espúrias - em um primeiro momento tirar o peso inicial da opinião pública dos ombros de Gilmar Mendes e num segundo momento desfocar o debate.

Ora, há quem possa exclamar que debater isso estaria em perfeita concordância com o caso DD, no entanto, os fatos apontavam claramente que não, na medida em que os direitos e garantias do então investigado - ora condenado - não foram ameaçados em nenhum momento, portanto, a questão do Estado policialesco não era um fato, mas sim um mero factóide.

No caso atual, não temos a Gazeta de Xapetuba D'Oeste fazendo um editorial favorável ao time local, mas sim o jornal mais vendido do nosso país fazendo um editorial onde suaviza o regime de exceção que vigorou por vinte e um anos por essas terras. Não é pouca coisa. Diante da reação justa e proporcional ao agravo por parte dos leitores, o jornal além de não ter se retratado enfaticamente, ainda lançou ataques pessoais contra dois dos mais ilustres acadêmicos a lhe fazerem críticas; o álibi? Um eventual silêncio que eles manteriam em relação ao sistema cubano. Daí, eu pergunto, o que teria a ver Cuba com o atual debate? Vai aí uma dica: O mesmo que o Tadjiquistão ou, em bom português, porra nenhuma. Enfim, estamos diante de mais um factóide.

A incongruência lógica é violenta. Depois de ter relativizado uma ditadura, qual é a moral que teria a Folha para criticar quem quer seja por eventuais ações ou omissões em relação ao que quer seja? Nenhuma. Indo além, qual seria o sentido de usar justamente Cuba com nesse sentido? Retirar o peso da pressão incial da opinião pública e assumir a ofensiva no debate pegando dois dos críticos como bodes expiatórios para rotular - ou no minímo pôr em suspeição - a massa que se insurgiu como hipócritas ou quem sabe um bando de jacobinos sujos prontos a dar um golpe de Estado a qualquer momento. Em suma, a Folha, para não voltar atrás, assumiu uma ofensiva no estilo do Fla x Flu partidaresco que vemos pelos butecos da vida.

O raciocíno da Folha foi calculado. Ela sabe exatamente o que é Cuba, mas preferiu mexer com a questão do posicionamento ideológico para se safar de uma bola de neve. Fazendo o raciocíno contrário, seria como se Fídel criticasse no Granma alguém que elogiou o sistema de voto brasileiro taxando-o como apologista de péssimos serviços de educação e saúde - e nesse sentido, está sendo travado um interessante debate na caixa de comentários d'O Biscoito Fino. Ir além no debate sobre Cuba, por mais que exponha o tamanho do sofisma que a ditabranda significa, é, no entanto, morder a isca e acidentalmente aceitar a pauta dada, tirarando o debate do foco exatamente como a Folha deseja.

Por fim, há quem considere que pelo fato disso ter sido publicado na página de opinião e não nas de reportagens, o caso se torne menos grave. Eu, pessoalmente, discordo. O editorial exprime o espiríto do jornal e, em sentido contrário, penso que isso torna o caso mais grave. No entanto, sim, também é verdade que opiniões são opiniões, só creio que se a Folha entender que os seus leitores que chamam aquele referido período histórico de ditadura são importantes, ela deveria se retratar, se não, fique como está mesmo. Pelo bem das árvores e do meu tempo livre, já tomei minha decisão sobre jornais há um bom tempo.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Repúdio e Solidariedade

aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória Benevides, claro. Creio que é o minímo que pode ser feito contra o ataque que eles sofreram da Folha no recente e lamentável episódio da "ditabranda". Creio que não calar nesse exato momento é fundamental, admitir esse tipo de coisa será mortífero para a Democracia. Assine aqui.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Folha e a Ditabranda

Como eu já desisti dos jornais há algum tempo, nem me toquei da história do editorial da Folha em que a ditadura militar brasileira foi chamada carinhosamente de "ditabranda" - pra falar a verdade, vi algumas coisas meio en passant pela blogosfera, mas passei batido, só me dei conta do que realmente aconteceu hoje e só agora tive tempo para escrever algo a respeito. De fato, é um assunto da mais alta gravidade e casa com o post anterior.

Tudo começou em um editorial da Folha contra a vitória chavista no recente referendo onde o termo "ditabranda" foi usado ironicamente para definir a nossa ditadura militar em uma pretensa contraposição ao governo Chávez. Em primeiro lugar, como eu coloquei num post por aqui mesmo, o governo Chávez tem seus defeitos assim como tem suas virtudes, mas se ele está sendo tão duradouro, isso se deve a argumentos como esses - por parte da mídia venezuelana e da oposição local -, que de maneira totalmente deseducada, violenta e burra consegue voltar a carga justamente para os avanços do país no período.

Por mais defeitos que tenha Chávez, no entanto, comparar seu governo ao regime militar que tivemos ou os que aconteceram pelo continente é duvidar da inteligência alheia. Dizer que tivemos uma "ditabranda" enquanto lá existe uma terrível ditadura é um hediondo atentado contra a natureza - levando em conta que estamos tratando de uma publicação impressa.

Na Venezuela há liberdade partidária, liberdade de expressão, ninguém é torturado, jornalistas não são suicidados e, pasmem, empresas televisivas que servem de promoters de golpe de Estado continuam no ar rigorosamente até o encerramento de seus contratos de concessão pública. Claro, isso gerou duras e justas reações dos leitores - inclusive de nomes celébres como o Professor Fábio Konder Comparato e a Professora Benevides, agora deem uma olhada na Nota da Redação:


A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua"indignação" é obviamente cínica e mentirosa

Não sei se algum desses meus dois ou três leitores já ouviu falar em Lei de Godwin (não vou explicar ela, leia o que tá no link), mas no Brasil com toda certeza do mundo foi inventada uma variação dela, onde todas as vezes que um direitista perde a razão num debate com um esquerdista, ele cita Cuba totalmente fora de contexto para desviar o foco de suas contradições. Foi o que aconteceu aqui. A Folha relativizou a ditadura e não se retratou. Simples assim.

Qualquer conhecedor mediano da história brasileira sabe o quanto a Folha colaborou com a ditadura, sabe o quanto ele se modificou por puro oportunismo nos anos 80 e sabe o quanto ele despirocou com a saída de cena de Otávio Frias e a consequente ascensão de Otavinho. Isto aqui, no entanto, é um divisor de águas. Não porque signifique uma mudança de rumo da Folha - não é -, mas sim porque significa uma alteração substancial na tática dela; antes o que era velado, de agora em diante vai ser aberto. Se nada for feito, isso tornará o Brasil incrivelmente parecido com a Venezuela, não pela política, mas pela mídia.

A caduquice precoce da imprensa

O modelo atual de imprensa remete ao início da idade contemporânea, onde a materialização dos ideais iluministas se deu por meio das revoluções americana e francesa. Disso, não decorreu apenas a nossa concepção moderna do que é "jornalismo", mas também o que tomamos por conceitos que nos são tão caros como "direito", "política" e "economia". Curiosamente, esses três últimos sofreram modificações consideráveis até o presente momento, enquanto o jornalismo manteve mais ou menos as mesmas linhas mestras dessa época.

Explico; as concepções primeiras do Direito, como as ideias de imparcialidade e objetividade, da exegese, da sacralização do sistema codificado, da primazia do Direito Privado - e a consequente atrofia do Direito Público - ou estão superados ou em vias de sê-lo. Na Economia, conceitos como a fé cega na livre iniciativa e a crença na infalibilidade do mercado já sofreram duros golpes em pleno século 19º - hoje, ideias como a "mão invisível do mercado soam tão críveis que mesmo os países que ainda se posicionam como defensores do liberalismo possuem bancos centrais. Na Política, idéias como voto censitário já são tomadas por ofensa, enquanto a representação das minorias é vista como necessidade, assim como políticas como de inclusão social ou de universalidade da saúde ou da educação são consensos.

No jornalismo não. Mesmo sendo um meio que preza muito por uma imagem de vanguarda, de modernoso e descolado, ele continua a reduzir sua atividade aos dogmas da imparcialidade e da objetividade - como se depois de Marx algo ainda pudesse se afirmar imparcial ou como se depois de Freud algo ainda pudesse ter a pretensão da não-subjetividade. Enfim, os jornalistas, tirando honrosas exceções, partem da premissa que seu produto é "puro" porque é livre de qualquer juízo de valor, posto que ele é apenas uma descrição fidedigna dos fatos, sem se pôr ao lado de nenhum dos lados. No entanto, isso se manifesta como uma óbvia tolice na medida em que o próprio ângulo escolhido para narrar os fatos é fruto de nossas razões e paixões - se fosse diferente, todas as reportagens seriam exatamente iguais, o que não é real.

A idéia de que o jornalista escreve de acordo com os seus valores não implica em sua desonestidade, ao contrário, quando todos nós tentando descrever algo, fazemos exatamente o mesmo, mas isso atenta para um Calcanhar de Aquiles que os jornalistas não gostam que seja observado: Sua obra não é infalível. A desonestidade só se manifesta nisso, quando, alguém, sob a prerrogativa de estar apenas narrando algo, esconde um texto opinativo no interior de uma descrição e se ampara nas muletas da imparcialidade e da objetividade - o que, convenhamos, não é majoritário nesse ofício; majoritário só mesmo a não admissão disso por parte de quem não o pratica, com medo de, ao admitir que um colega usou o texto jornalístico com fins unicamente pessoais, perca a sua própria credibilidade.

No campo das letras jurídicas, por exemplo, figuras que passam ao largo de serem esquerdistas como Carl Schmitt ou, especialmente, Miguel Reale trabalharam bastante com a questão da axiologia jurídica - não olvidando a famosa teoria tridimensional do Direito de Reale, onde os valores são os elementos de ligação entre norma e fato. Aplicando o mesmo raciocínio para o jornalismo, mesmo não podendo falar em "normas" - textos prescritivos -, mas sim em textos descritivos, sua união aos fatos se daria por meio de valores, o que rompe com a ideia de uma pretensa "pureza" do texto jornalístico - por sua vez, reduzir o texto jornalístico à descrição pura dos fatos, seria como se no Direito você fizesse um tour de volta à Escola da Exegese.

A crise atual do jornalismo, mais que uma mera crise física materializada pela superação dos meios que tradicionalmente serviram para a sua difusão, é uma crise de valores que se dá no momento em que os agentes da área insistem em manter a pretensão de infalibilidade de seu produto. O século 21 significará o fim da difusão de informação como nós a conhecemos. Hoje, mais do que nunca, impera a necessidade de um jornalismo menos pretensioso que admita a sua parcialidade e sua subjetividade; em suma, é necessário dizer um grande "tudo que sei, é que nada sei" para se desvencilhar desse peso insuportável e retomar a credibilidade na busca pela verdade - ou, quem sabe, retomar a busca pela própria verdade.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Paulistão 9ª Rodada

São Paulo e Corinthians, sem muito esforço, bateram seus adversários por 3x1. Para quem achava que o Barueri pudesse ameaçar os grandes, ver a maneira como tricolor - com o sinal amarelo ligado - o venceu foi um balde de água fria; mesmo que a virada tenha acontecido no fim do segundo tempo, não há como negar a profunda diferença técnica entre o time da região metropolitana e os bons times da Série A. Sobre Corinthians e Guaratinguetá, fica a imagem de um Corinthians que não joga com brilho, mas que é de longe o clube grande mais compenetrado nesse estadual.

Por sua vez, o clássico de ontem envolvendo Palmeiras e Portuguesa foi muito interessante. Verdade seja dita, a maneira como a diretoria lusa demitiu Estevam Soares logo na primeira rodada foi tosca, mas Mário Sérgio, fazendo o seu melhor trabalho em anos, deu suficiente consistência para o time brigar por uma vaguinha - e ser a única ameaça real para um semi apenas com os quatro grandes.

Sobre o jogo, o ataque do Palmeiras novamente foi bem com a ótima movimentação de Cleiton Xavier, Williams e Keirrison, mas Diego Souza, pra variar foi um peso morto no meio. Do lado luso, Edno e Cristian formam uma ótima dupla de ataque assim como Athirson e César Prates formam ma boa dupla de alas.

O primeiro tempo foi de boa movimentação do Palmeiras com chances desperdiçadas e bons contra-ataques da Portuguesa - numa tarde não muito feliz da zaga palmeirense que deu muitos espaços, forçando Marcos a fazer belas defesas. O resultado foi um emparte em 0x0.

Na segunda etapa, Williams sofre pênallti que Keirrison converteu. Pouco depois, linda enfiada de bola de Cleiton Xavier para Keirrison que aumentou o placar pro verde. O que parecia um jogo decidido, muda de perspectiva quando o Palmeiras diminui o ritmo, deixa de marcar no meio e a Portuguesa não se entrega: Pênalti de Danilo sobre Cristian convertido por Edno. Em seguida, falta na esquerda, cruzamento na área e cabeçada fatal de Cristian. Aí o Palmeiras acorda, Keirrison ainda perde uma chance e a Portuguesa perde outra, inacreditável, com Fellipe Gabriel. Fim de jogo, 2x2.

Para a Portuguesa, fica a certeza de que o time está indo no caminho certo. Para o Palmeiras, é hora de Vanderlei dar um puxão de orelhas generalizado na zaga, que já tomou cinco gols em dois jogos; outro ponto é como Diego Souza some no meio, ontem ele nem ajudou Pierre na marcação, muito menos armou o jogo, é hora de pensar em alguém para ajudar mais Pierre na marcação, ou quem sabe, adiantar mais Edmílson, que ontem, não se sabe por quais cargas d'água, não saiu na zaga.

Hoje, o Santos joga contra o Botafogo-SP, dá pra vencer e é necessário vencer. Nesse momento, o Santos precisa barrar a ascenção da Portuguesa, senão perde a vaga - apesar de ser melhor que a Lusa.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Breves ponderações sobre a natureza do Crime

Uma das questões sociais mais delicadas é definir o que seria um crime ou não. Na visão de um leigo, Crime seria aquilo que vai contra a lei. Não é preciso ir muito longe para perceber que isso é uma definição simplória, afinal, nem tudo que vai contra a lei é necessariamente crime, na medida que isso pode ser uma mera perturbação social - uma contravenção - ou algum tipo de infração menor pertecente ao campo privado - como a inobservância de um direito disponível contido numa cláusula contratual.


À luz da dogmática penal brasileira, prevalece a divisão bipartida, onde as infrações penais - infrações à lei passíveis de pena - se dividem entre delitos e contravenções, diferindo, portanto, de alguns países como França, Alemanha e Bélgica, que usam a divisão tripartida - crime, delito e contravenção. A contravenção, considerada como crime menor, na verdade não poderia ser qualificada como tanto, na medida em que se trata apenas de uma perturbação social passível de punição. Restaria ao delito penal ser a figura que abarca o crime, ainda assim, estamos apenas tateando no escuro: O delito penal é o crime previsto - isto é, tipificado - no código penal, mas o que isso quer dizer?

Em primeiro lugar, quer dizer que a lei prevê uma espécie de conduta genérica considerada como delito e que essa deve ser punida. Como prescreve o artigo 1º do nosso Código Penal, "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem a prévia cominação legal". Em suma, isso tem a função de salvaguardar os direitos e garantias do cidadão - impedindo que alguém seja condenado por um crime inventado aleatoriamente ou seja punido por pena de tal sorte. Tal doutrina é fruto do iluminismo e foi feita para pôr fim aos julgamentos absurdos da Idade Média que ainda persistiam em plena Idade Moderna.

Do ponto de vista da teoria clássica e do juspositivismo, o problema já estaria resolvido por aí, no entanto, como a realidade insiste em ser mais complexa que a teoria e a História insiste em não parar, lembro aqui de um fato que é um verdadeiro pesadelo para os juspositivistas: Os crimes nazistas ao longo dos anos trinta e quarenta. Do ponto de vista clássico e depois juspostivista não poderiam ser crimes, quando na verdade, qualquer pessoa de intelecto limítrofe sabe que aquilo que eles cometeram eram crimes e que a condenação deles era justa mesmo que o fizeram estivesse de acordo com ordenamento jurídico alemão vigente à época, mesmo que o tribunal de Nurembeg tenha sido criado depois após os fatos terem acontecido e, por fim, mesmo que o crime de genocídio tenha sido tipificado depois que ele aconteceu.

É um violento paradoxo: A construção cultural que desde o Século das Luzes visava impedir a barbaríe falhou porque o ideal legalista sobre a qual se assentava serviu para acobertar os mais hediondos crimes da história da humanidade. O erro? A pretensão de pôr a realidade social em função da realidade jurídica, a tentativa insana de separar o Direito da Ética e a iracionalidade que significa tentar tornar o Direito um fim em si mesmo e não meio para se realizar a Justiça.

Os crimes que os Nazistas cometeram estavam lá o tempo inteiro, não precisavam estar em um código ou em uma lei, ignorar isso, seria ir de encontro à Justiça, o que causaria a simples implosão da razão de ser do Direito. Daí, me resta explicar o que seria o Crime afinal de contas, então afirmo: O Crime é um desrespeito, seja por omissão ou por ação, dos princípios minímos éticos fundantes da sociedade e de cuja observância depende a agregação do tecido social. Em suma, o Crime está aprioristicamente no campo da Razão - se contrapondo a ela -, mas especificamente no campo da Ética e só depois no campo do Direito, posto que trata de princípios tão primordiais que sua observância deve ser garantida por meio de sanção.

Isso expõe algo assustador: O mandamento do cumprimento sistemático da Lei é falacioso porque, em determinados momentos, descumpri-la é necessário para não se tornar um criminoso. A lei positiva nada mais é que um discurso normativo resultante do embate político na interior de uma sociedade, não raro, ela atenta contra os próprios princípios éticos que deveria proteger. Com isso não pretendo desconstruir o Direito Positivo como um todo, mas sim lembrar, à luz dos fatos, que ele está submetido à Razão e tem por finalidade a realização da Justiça, em outras palavras, é necessário jamais esquecer de não se dogmatizar a Lei, sempre considerar a questão da axiologia da norma para colocar o Direito Positivo em seu devido - e justo - lugar, minimizando os seus defeitos pelo menos.

Por fim, o que eu escrevi aqui não simplifica as coisas, mas vai aí uma dica: Não será o Direito que salvará o mundo, quem sabe a Filosofia...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A estréia dos brasileiros na Libertadores

Dos cinco brasileiros classificados para a Libertadores, quatro já estreiaram no torneio - restando apenas o Grêmio. De destaque mesmo, a vitória do Sport no Chile por 2x1 sobre o Colo Colo, foi, sem dúvida, o maior. Em um grupo tão equilibrado quant o Grupo 1, vencer um jogo fora de casa pode - e deve - fazer toda a diferença lá frente; vale ressaltar também a partida de Ciro, revelação da Ilha do Retiro que não se abateu em sua estréia em partidas internacionais, fazendo um gol e dando assistência para outro. Do seu adversário, o que dá para dizer, é que tem algum talento na frente, mas falta zaga.

O Palmeiras, companheiro de grupo do Sport e até quarta-feira um dos invictos no futebol brasileiro, sucumbiu à LDU, atual campeã do torneio, na altitude de Quito por 3x2. Ok, não chega a ser nenhum absurdo a derrota nessa condições, no entanto, olhando o que foi o jogo, é preciso dar um puxão de olheras na defesa, na medida em que dois dos três gols foram falhas. A LDU, ao contrário do que se ventilava, manteve uma boa equipe e deve incomodar novamente. Sobre o Palmeiras, a verdade é que essa derrota joga uma pressão imensa para o jogo contra o Colo Colo no Palestra, mas a dificuldade do grupo, como eu já alertava, é imensa e não há nada decidido.

O Cruzeiro bateu o Estudiantes por 3x0 em Minas, na estréia de Kléber que marcou dois gols. Essa vitória afirma a superioridade da raposa em seu grupo - deve se classificar fácil em primeiro se não acontecer nenhum desastre - e mostra que grande negócio foi a vinda de Kléber - e, por conseguinte, que grande mancada do Palmeiras.

O São Paulo, que começou o ano com o freio de mão visivelmente puxado, até que criou frente ao glorioso Independiente de Medellin no Morumbi, mas ficou só no empate em 1x1 - e suado, com direito a gol de Borges no último minuto. Depois do péssimo jogo contra o Corinthians - ainda houve gente que achou um bom jogo, incrível - é hora de ligar o sinal amarelo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Chávez vence referendo

Ontem, o presidente venezuelano Hugo Chávez venceu um novo referendo - que, por sua vez, abriu espaço para a reeleição ilimitada para o cargo de presidente da república naquele país. É uma vitória relevante para Chávez, nem tanto pelo seu tamanho (foi de apenas 54% a 46%), mas sim pela sua recuperação após a derrota no mega-referendo de 2007 - que segundo alguns analistas, seria o início do fim do chavismo. Pois é, não foi.

Tudo isso é uma questão extremamente delicada. Durante o século 19º e parte do 20º, vimos verdadeiras cópias do modelo presidencialista estadunidense pelo continente latino-americano. Elas, no entanto, falhavam num ponto essencial: A criação de freios e contra-pesos para o poder, o que se materializava na incapacidade de se criar formas de Estado descentralizadas assim como judiciários e legislativos independentes para contrapesar o poder.

O resultado disso foi a existência de verdadeiros emaranhados caudilhescos que atendiam pelo nome de "Estado", onde a estrutura de freios e contra-pesos só funcionava no momento de prejudicar os interesses populares. Durante a Guerra Fria, dois modelos vingaram pela AL: As ditaduras militares apoiadas pelos EUA e os acordões do tipo Venezuela e México - esse último modelo se assentava no acordo entre os mandatários locais, bloqueando a perenidade do sistema politico e montando uma espécie de democracia, pero no mucho.

Paralelamente a isso, tínhamos as chamadas políticas econômicas nacional-dependentistas - que entram no lugar do nacional-desenvolvimentismo da primeira metade do século - e, anos mais tarde, após a queda dos regimes militares, a penetração quase generalizada dos dogmas do consenso de Washington pelo continente, o que em poucos anos, diante do fracasso econômico generalizado, leva a mudanças profundas no continente, justamente num momento onde os EUA perdem sua influência no continente.

Um desses países arruinados é a Venezuela de Hugo Rafael Chávez Frias, o jovem tenente-coronel que no início dos anos 90 liderou um movimento militar para desabilitar Carlos Andrés Pérez, presidente à época. Depois de alguns anos no cárcere, Chávez viu sua popularidade crescer a ponto de se eleger presidente, poucos anos mais tarde em 99.

O ideal chavista é um sincretismo curioso, é a montagem de um regime nacional-popular dentro da estrutura de um regime liberal que soma desde políticas pan-latino-americanistas (o bolivarianismo) ao socialismo cubano. Do ponto de vista econômico é a volta do nacional-desenvolvimentismo numa nova roupagem. Do ponto de vista político, é a criação de um presidencialismo plebiscitário, como forma de superar as deficiências da representação política - ou seja, a criação de um lastro de democracia direta no lugar do que poderiam ser novas estruturas de representação.

Some isso ao fato da oposição venezuelana ter despirocado - chegando a promover golpes -, ao apoio dos sucessivos governos brasileiros - tanto FHC quanto Lula apoiaram Chávez em momentos negros de seu governo -, à eleição de Lula - da qual seguiu uma avalanche esquerdista no continente - e, especialmente, o aumento internacional dos preços de petróleo e temos Chávez se usando da situação para promover não apenas um grande crescimento econômico quanto um desenvolvimento social pesado, com a Venezuela ultrapassando o Brasil no ranking de IDH da ONU.

No atual contexto, temos uma crise econômica mundial, a consequente queda no preço do petróleo e uma crise que se avizinha na Venezuela. É nesse plano que aconteceu a vitória de Chávez. Uma vitória que reforça não apenas a sua figura pessoal como o seu próprio sistema, plebiscitário por natureza - e, portanto, perfeitamente capaz de se autodestruir rapidamente.

Chávez está há dez anos no poder e poderá ficar quantos anos mais o povo venezuelano lhe autorizar. O x da questão é o seu personalismo e a maneira como ele não está conseguindo construir estruturas político-partidárias que lhe deem sustentação. É necessário construir bases políticas mais sólidas para o futuro, que escapem ao bonarpatismo chavista típico - que pode ter o mesmo fim do getulismo ou do peronismo, que promoveram grandes avanços, mas por não terem contruídos instituições, permitiram que seus países vivessem duros retrocessos em muito pouco tempo.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

São Paulo 1x1 Corinthians

Para quem viu o agitado clássico entre Palmeiras e Santos na semana passada, esqueça tudo. O clássico entre o São Paulo e Corinthians no Morumbi foi apenas um jogo nervoso, violento e, sobretudo, modorrento - tanto que um empate em zero teria sido mais justo.

Muricy Ramalho pôs em campo o seu mistão. O Corinthians, desfalcado de Alessandro e Chicão, também entrou bastante confuso em campo. De relevante mesmo no primeiro tempo, apenas a expulsão de Túlio do Corinthians após ter dado um soco na barriga de André Dias. Ambas as equipes jogavam no 3/5/2 e os alas não funcionavam; nas meias, se Richarlyson não conseguia armar o São Paulo, o mesmo poderia se dizer de Douglas do outro lado. O ataque corintiano sem uma referência (com Morais e Jorge Henrique) não era abastecido nem levava perigo. O ataque tricolor se movimentava um pouco mais, só que Dagoberto prendia muito a bola e André Lima conseguia furar todas elas.

Na segunda etapa, Muricy saca André Lima para pôr Borges e saca um zagueiro para colocar Hernanes. O São Paulo melhora, ainda que insistindo em jogar pela sua direita em vez de se aproveitar da direita corintiana. Numa jogadinha típica de treino envolvendo Hernanes, Dagoberto e Borges, sai o gol do último.

Wagner Diniz do São Paulo acaba - justamente - expulso e pouco depois Boquita, que havia entrado no lugar de Douglas, acaba enfiando para André Santos concluir e empatar - era a primeira vez que o ala-esquerdo alvinegro fizera algo em campo, isso até ser expulso pouco depois duma entrada dura.

Com nove do lado corintiano e dez do lado são paulino, o jogo caminhou enfadonhamente até o encerramento. A verdade é que até o momento, a única equipe que merece ser vista nesse campeonato é o Palmeiras. Hoje, São Paulo e Corinthians entraram mais preocupados em bater do que jogar e os bisonhos números de amarelos (seis pra cada lado) e de vermelhos (dois para o Corinthians e um para o São Paulo) foi perfeitamente justo. Como o Paulistão tem duas fases e o nível dos demais times é fraco, é bem provável que ambos se classifiquem e que tenham chances de ganhar o campeonato no mata-mata, no entanto, fosse esse campeonato jogado no sistema de pontos corridos, o Palmeiras já estaria bem próximo do título.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Reflexões sobre o Direito Penal no Brasil

O recente caso do banqueiro Daniel Dantas trouxe à baila uma miríade de questões mal resolvidas em nosso país. Poderíamos agrupa-las no núcleo midiático - cobertura da imprensa, "imparcialidade" e como o discurso jornalístico esconde um poderoso discurso político - e no jurídico - debate sobre a realização da justiça, liberdades e garantias individuais, proteção da sociedade, qual a extensão do poder de polícia do Estado e daí por diante. Por ora, vou me concentrar nesse segundo.

À luz dos dias atuais, não resta dúvida que uma das questões mais discutidas no seio de nossa sociedade é aquela que toca a justiça e o sentimento popular em relação a sua não realização - diante de um quadro de criminalidade que, já há muito tempo, se materializa insuportável e mexe com razões e paixões dos mais ricos aos mais pobres, da direita à esquerda, dos mais cultos aos mais ignorantes e assim por diante.

A via de regra, nossa sociedade clama por justiça, mas isso não impede que ecoem de alguns setores um certo clamor de linchamento e de outros um certo clamor de impunidade - e ambos, antes de serem refutados precisam ser entendidos, haja visto que nem sempre eles são fruto de necessária desonestidade intelectual.

Antes de mais nada, é necessário ponderar o que seria o Direito Penal. Esse humilde escrevinhador o definiria como o ramo do Direito Público que se materializa como o conjunto de normas que visam manter a integridade dos princípios minimos éticos fundantes da sociedade, de cuja inobservância resulta seu esgarçamento - ou até desagregação - do tecido social. O fato é que a natureza do Direito Penal é profundamente coercível, logo não há ramo do Direito que traga tantos e tão acalourados debates quanto ele - dele podem decorrer sanções que implicam desde a perda da liberdade por longos períodos até a morte, dependendo do ordenamento em questão.

O Brasil, como sabemos, nunca presou muito por uma tradição democrática. Antes de 1988, ele teve um regime oligárquico até os anos 30, uma ditadura nos quinze anos seguintes - eu classifico a Era Vargas inteira como ditadura -, quase duas décadas de uma democracia um tanto frágil e, claro, vinte e um anos de uma Ditadura Militar onde garantias e direitos individuais foram esmagadas de maneira mais sistemática do que em qualquer outro período - por exemplo, com a democratização da tortura, antes privilégio dos mais pobres e dos negros.

A carta de 1988 foi feita sob o calor do fim de uma ditadura e expressava a necessidade da construção de instituições e bases jurídicas que impedissem a reedição do estado policialesco - logo, era necessário mais do que nunca positivar direitos e garantias individuais. Hoje, há um visível desalento em nossa sociedade diante da Constituição assim como diante dos direitos humanos e há até ecos do tipo "na ditadura isso não acontecia". Como explicar isso?

Em primeiro lugar, uma das reações mais comuns dos setores mais progressistas é o de apontar isso como decorrência da ignorância popular e da cultura reacionária fruto de duas décadas de ditadura militar. Isso é um equívoco muito grave. Olhemos para os índices de violência e pensemos quantas pessoas não perderam parentes e amigos queridos assassinados ou já não foram sequestradas, violentadas ou roubadas.

O enfoque de muitos setores socialistas é, curiosamente, liberal clássico: Busca-se a contenção do poder de polícia do Estado, esquecendo-se da obviedade de que não é apenas o Estado o único ente capaz de ameaçar as garantias e liberdades individuais, como se organizações no interior da sociedade assim como indivíduos não fossem plenamente capazes de fazer isso dependendo de seu poder.

O Estado policialesco é tão capaz de ameaçar as liberdades e garantias individuais quanto o Estado libertino, a diferença é que um o faz por meio da ação e o outro por omissão. No Brasil de hoje, apesar de passarmos ao largo de sermos um Estado policialesco, uma liberdade elementar como a de ir e vir está ameaçada - afinal, não resta dúvida que é no minímo arriscado andarmos em certos locais dependendo da hora do dia, assim como em outros tantos é impossível fazê-lo a qualquer hora.

Agora voltemos ao caso Dantas; Gilmar Mendes, um Ministro de claras inclinações conservadoras, após já ter concedido um habeas corpus, acabou julgando contra a jurisprudência firmada pelo próprio tribunal que preside e, sob a prerrogativa da defesa das liberdades e garantias individuais. Claro, a situação aqui é tosca na medida em que as provas sobre o suborno oferecido para os policiais federais é concreta, mas a alegação de Mendes mexe justamente com essa questão -até pelo motivo de que nos dias que se seguiram, o nobre Ministro se posicionou como guardião das liberdades e garantias individuais, encampando a infundada tese do Estado policialesco ecoada por muitos meios de comunicação, jogando o ônus de inimigos da democracia para cima de seus críticos.

Olhando em perspectiva, vemos que essa é uma das dicotomias falsas que são construídas no Brasil atual; uma delas é essa mesmo, a dos que se apresentam como amantes das liberdades e são favoraveis a um afrouxamento - não raro seletivo - das punições, tratando, ainda por cima, seus opositores como simpatizantes do totalitarismo; a outra, não menos comum, é a dos defensores do Estado policialesco que se apresentam como defensores da ordem e rotulam todos os outros como libertinos. A obviedade é que ambos estão errados, o modelo de Estado que eles estão propondo é um desvirtuado - seja por via ação total ou da omissão total.

O Estado ideal é aquele que busca incondicionalmente a Justiça e enxerga no Direito a ferramenta para se chegar a tanto. A idéia de ainda hoje buscar medidas que afastem o Estado policialesco das nossas vidas é válido e necessário, mas para funcionar deve ter obrigatoriamente um compromisso com a necessidade e punir daqueles que ameaçam a comunidade, do contrário, por meio de uma obsessão anti-ditatorial, pode se cair na libertinagem pura e simples, que é a mesma coisa, só que com sinal trocado - e, não raro, serve a interesses não menos escusos.

Notas rápidas de sábado

O Palmeiras, com seu time reserva, bateu o Paulista de Jundiaí e agora alcança os 21 pontos em 7 jogos - seu jogo a menos é justamente contra o Noroeste que faz uma campanha surpreendentemente ruim e é um dos lanternas do torneio. Creio que só um desastre tira o time verde da segunda fase do Paulistão, nesse que é o seu melhor início de temporada em todos os tempos.

No meio da semana que vem, será sua estréia na Libertadores no Equador contra a LDU, atual campeã do torneio. Não resta dúvida que o Palmeiras caiu no grupo da morte do torneio, hoje, por exemplo, o Sport confirmou o seu ótimo início de temporada com a vitória no clássico sobre o Náutico quando já era campeão antecipado do primeiro turno de seu estadual - fase que fechou com uma ótimo aproveitamento, 10 vitórias e 1 empate. Enfim, o verde não terá moleza.

O pacote de Obama

O Congresso estadunidense aprovou o pacote bilionário anti-crise de Obama. Ele não me pareceu muito criativo, basicamente, é uma tentativa neokeynesiana para reduzir os impactos da crise na economia, em especial, sobre os assalariados. Ele se constitui em incentivos diretos, isenções fiscais e medidas de cunho protecionista.

O que me faz não me animar muito com esse plano, é que elas são medidas laterais, ou seja, elas passam apenas em torno do núcleo dessa crise; É como eu já coloquei aqui, o sistema econômico mundial possui limites e a posição de centralidade que os EUA ocupam nele significa um grande espaço de manobra, mas não um espaço de manobra infinito.

A questão do déficit público é séria, vai trazer problemas graves em alguns anos e sua causa é o gigantesco gasto militar - nem me venham com a história de "keynesianismo de guerra", se inchar gastos militares desse poder para alguém mais do que os envolvidos na indústria bélica, a URSS não teria caído - e o fato do país consumir mais do que produz - que não vai se resolver com simples medidas protecionistas, mas com uma política de avanço tecnológico e uma política macroeconômica mais efetiva.

Pensando a médio prazo, como aumentar os gastos públicos - e os déficits - pode fortalecer a economia dos EUA? É difícil imaginar. Como diminuir os déficits na balança comercial mantendo os atuais padrões de consumo? Só por meio de uma revolução tecnológica que tenha por foco a área energética.

Creio que há tempos aquele poderoso país tenha se tornado refém de seu complexo bélico-industrial, de seu complexo petroquímico, de seu complexo midiático e, especialmente de Wall Street. Sem se livrar deles, o país vai ficar cada vez mais anêmico, derrota-los, no entanto, não é nada fácil do ponto de vista político.

Santos

A demissão do técnico Márcio Fernandes foi uma grande mancada; o cara pegou um verdadeiro rabo de foguete ano passado ao assumir o time na zona de rebaixamento e, à duras penas, o manteve na Série A do Brasileirão - poucos treinadores conseguiriam algo parecido, o mais provável mesmo era que o Peixe tivesse tido uma sorte não muito diferente do Palmeiras de 2002 e do Corinthians de 2007.

Pesou, claro, a derrota no clássico contra o Palmeiras por 4x1, mas eu suspeito que se o alvi-verde conseguisse repetir aquele mesmo futebol contra qualquer time da Série A do nacional, ele dificilmente perderia. Na derrota de quinta para o Marília, um dos lanternas do torneio, o time teve mais volume de jogo que o adversário, teve mais chances, mas esbarrou nas boas defesas do goleiro adversário, Giovani, e perdeu o jogo graça à paralisia física e mental de sua defesa.

Há quem diga que Vagner Mancini possa ser o próximo treinador, mas não sei como isso pode mudar radicalmente os rumos da equipe no torneio; Mancini é um bom profissional, mas é daquele tipo que só rende bem se tiver respaldo e demora um pouco para acertar as equipes que treina, mas quando o faz, vai bem - como no Paulista de Jundiaí e no Vitória, no entanto, não nos esqueçamos de sua passagem pelo Grêmio, onde foi demitido, por isso eu penso que ele acaba sendo um treinador não muito atraente para quem se assenta numa lógica imediatista.

Do elenco peixeiro atual, creio que Fábio Costa, apesar de bom goleiro, não raro enfia os pés pelas mãos por conta do seu gênio intempestivo; na zaga todos vão muito mal; penso que a ausência de um lateral-direito é um problema grave, apesar de existirem duas boas opções na esquerda; no meio, o que atravanca agora mesmo são as más atuações de Lúcio Flávio, mas é bem crível imaginar uma composição com Rodrigo Souto, Germano, Madson e Bolaños (ou Robson); no ataque, é Kléber Pereira e mais um. Enfim, o time não é tão ruim, é razoável para bom, mas a diretoria é precipitada, eis o problema.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sexta-feira treze

Putz, hoje o clima fez jus à data, tivemos uma bela de uma sexta-feira treze bem chuvosa - mas não era qualquer chuva, era daquele tipo que nem é garoa, nem é chuva direito e ainda por cima deixa o tempo cinzento o dia inteiro; não sei por quais cargas d'água me faz ficar alterando de humor.

De coisas novas, nada de relevante, muito pedantismo, essa epocazinha que nós vivemos parece mais o atoleiro da História, sei lá viu...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Recorde verde


Ontem, devido a vitória de 3x2 sobre o Mirassol, o Palmeiras acabou igualando o recorde do seu time de 1920: Oito vitórias nos oito primeiros jogos do ano.
Foi a melhor atuação de Diego Souza na temporada - um gol e duas assistências - e ainda um golzinho de Keirrison que mesmo quando joga mal consegue atanazar o adversário.
Sobre os gols sofridos, a verdade é que o primeiro foi puro azar (a bola passou entre a barreira na falta), mas o segundo foi falha do bom zagueiro Danilo em cima da hora.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Brasil 2x0 Itália

Agora há pouco em Londres, o Brasil bateu a Itália, atual campeã mundial. Dois gols no primeiro tempo e uma boa atuação de Robinho que, no entanto, prossegue sua carreira de altos e baixos no futebol inglês. A Itália, por sua vez, reforça a minha tese que só venceu a última Copa pelo esvaziamento técnico do torneio; é um time mediano para bom e nada mais - muito pouco, no entanto, para uma seleção campeã mundial.

Pra ser sincero, já não sinto muito prazer em ver jogos da Seleção e me pergunto até mesmo se faz sentido falar em futebol de seleções nos dias atuais - e isso se deve em grande parte à Globalização, que "espalha" os jogadores pelo mundo, tirando o caráter nacional do esporte. Enfim, enquanto os melhores do Brasil, da Argentina e da África estão na distante Europa, italianos jogam na Espanha, ingleses jogam na Itália e assim por diante. Ver uma "Seleção Brasileira" de jogadores que sequer atuam no país não faz sentido - em última instância é uma seleção de brasileiros, não uma seleção do Brasil e creio que o mesmo valha para os demais times "nacionais".

No fim das contas, isso pode ter seu lado bom (integração dos povos etc), contudo, se continuar assim por mais tempo, teremos de pensar em organizar Copas do Mundo de clubes e não mais de "seleções nacionais".

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A demissão de Felipão

É um acontecimento que salta aos olhos: Felipão foi demitido do Chelsea. Desde os tempos de Criciúma, ele vinha tendo uma carreira firmemente ascendente, com as exitosas passagens por Grêmio, Palmeiras, Cruzeiro, Brasil e Portugal - essa última sem títulos, mas com resultados impressionantes para aquele país tanto nas Euros de 04 e 08 quanto na Copa de 06.

Encerrado o seu longo trabalho em terras lusas, Felipão migrou para o futebol inglês que já o assediava há tempos, indo, justamente, para um dos clubes com as maiores receitas daquele país, o Chelsea do bilionário russo Roman Abramovich. Na minha visão das coisas, esse foi o grande erro de Felipão; Abramovich, oligarca russo, construiu sua fortuna assim como seus pares: Através de golpes de toda a sorte e natureza e comprou esse clube como se fosse uma criança mimada comprando seu brinquedinho.

O comportamento de criança birrenta próprio de Abramovich se materializou em ingerências e mais ingerências dele no Chelsea - para aqueles que defendem a história do clube-empresa, esse é um belo exemplo de como o céu não é tão perto -, sempre com a cabeça de técnicos rolando ao menor sinal de nuvens negras no horizonte.

Felipão entrou nesse barco e isso, por si só, já foi seu grande erro - talvez seu primeiro grande erro em muitos anos. Não foi um erro muito diferente do de Luxemburgo no Real Madrid, onde o atual técnico palmeirense entrou num projeto que tinha mais a ver com venda de camisas e marketing do que com futebol e se deu mal; Felipão, por sua vez, foi parar num projeto que tinha mais a ver com as vontades e caprichos de um megalomaníaco do que com futebol, entrando pelo ralo também.

Luxemburgo, depois de seu fracasso na Europa voltou para o Brasil, onde teve de tirar leite de pedra no Santos e depois pegou o Palmeiras turbinado financeiramente pela parceira Traffic. Venceu três vezes o Campeonato Paulista desde então, mas não venceu mais o Brasileirão, apesar de ter conseguido classificar seus times para a Libertadores.

Em relação a Felipão, resta saber o que ele fará, mas fica a lição de que nem todo projeto da elite clubística européia é um bom projeto - mesmo que isso envolva muita grana - e que talvez valesse a pena voltar ao Brasil onde é rei - quem sabe pra quebrar o jejum de títulos que já dura seis anos e meio. Sobre o Chelsea, pairam dúvidas sobre o futuro, na medida que a fortuna do senhor Abramovich parece estar encolhendo com a crise econômica mundial.

Palmeiras 4x1 Santos e a sexta rodada do Paulistão

Não é pouca coisa um time recém-montado com jogadores tão jovens ter vencido os seus sete primeiros jogos na temporada. Muito menos que ele enfie uma goleada logo no primeiro clássico do ano. Tampouco que essa goleada tenha sido mais mérito seu do que demérito do rival. Enfim, foi o que aconteceu na chuvosa tarde de ontem no Palestra Itália. Palmeiras 4x1 Santos.

No começo do jogo, Márcio Fernandes escalou o Santos com apenas um atacante, tática padrão para fazer um time que joga no 3/5/2 como Palmeiras bater cabeça defensivamente e perder a briga no meio. Esqueceu o bom técnico santista que o Palmeiras de Luxemburgo tem um ás na manga, mais precisamente um coringa que atende pelo nome de Edmílson, zagueiro que vira volante, volante que vira zagueiro - assim como no Penta com Felipão.

Foi subindo para o meio, como contra a Inglaterra nas quartas-de-final da Copa de 2002, que Edmílson matou o esquema santista e foi com a mesma puxeta da goleada contra a Costa Rica que ele abriu o placar. E era um massacre. O Santos não passava do meio e era bombardeado com Cleiton Xavier e Williams se movimentando por todos os lados, enquanto Keirrison fazia o pivô, atacava, infernizava e destruía a defesa alvi-negra.

Entre gols perdidos aos montes, Keirrison entra na área, Fábio Costa sai pra matar o lance e comete penalti. O jogador que sofreu bate e marca, 2x0. Depois de ter perdido gols suficientes para matar o jogo com Williams, Cleiton Xavier e Diego Souza e ver a entrada de Germano no lugar de Roberto Brum, o Palmeiras é pressionado no fim do primeiro tempo pelo valente time santista, no entanto, aos 43 segundos do segundo tempo, Keirrison apanha o rebote do chute de Williams e mata o jogo.

Mas o Santos não se entrega, o time que até agora só havia perdido um único jogo, numa situação incomum, vai para cima com a entrada de Roni e volta do 4/4/2, fazendo Edmílson voltar a ser zagueiro e com isso pressiona, pressiona e pressiona até fazer o gol com Kléber Pereira. Todavia, já era tarde e a impossibilidade mesmo de um empate faz o peixe arrefecer e assim o Palmeiras cresce até Lenny fazer o seu num belo lance e fechar a contagem: 4x1.

Que não digam que o Santos não é uma boa equipe, muito pelo contrário, o time teve uma temporada de 2008 que foi um ponto fora da curva e vinha se desenvolvendo bem em 2009. Até o jogo de ontem sofrera uma única derrota no folclórico jogo onde enfiou seis bolas na trave do rival, o Ituano, e só jogara mal mesmo contra o Oeste (1x1). Também não digam que Márcio Fernandes é incompetente, coisa que ele não é. A realidade é que os progressos do time santista, infelizmente, podem ser postos em risco pelo fato de ter topado justo agora no início com aquele time que joga o melhor futebol de 2009.

Do Palmeiras, o que se pode dizer, é que eu esperava uma equipe com um sucesso possível apenas para o Brasileirão, ponderando ainda os riscos que representavam os fatos do time ter remontado o elenco inteiramente esse ano e de tê-lo feito com jogadores jovens. O sucesso prematuro dessa equipe impressiona e é, em grande parte, mérito de Luxembrugo, torno a dizer, expiando um pouco dos pecados que cometeu no segundo semestre do ano passado.

Keirrison merce um parágrafo a parte. Veio do Coritiba quase agora e já joga com a mesma autoridade de um veterano que está no clube há anos. É craque mesmo - e olha que para mim, pouca gente merece esse título. Se a crise mundial não acabar com a Europa, creio que a torcida palmeirense deva se preparar para perdê-lo tão logo porque esse daí joga fácil em 90% dos grandes do Velho Mundo.

São Paulo

O tricolor paulista não é pouca coisa. Manteve a base campeã brasileira, trouxe reforços, manteve o técnico e a boa estrutura, só que pelo jeito não está nem um pouco preocupado com o Paulistão, torneio que joga visivelmente com o freio de mão puxado. Ontem venceu o Botafogo de Ribeirão Preto por 2x1, jogando menos do que pode. Claro, isso não vai ser pra sempre, lá na frente certamente o tricolor vai ser o time que vai disputar com Palmeiras os grandes torneios e a hegemonia do futebol paulista tanto no plano nacional quanto internacional.

Corinthians

O timão empatou com a Portuguesa em 1x1 num jogo que poderia e deveria ter sido adiado por conta da tromba d'água que caiu no sábado - e apenas intemrrompeu o jogo. A verdade é que Mário Sérgio, mesmo tendo um time inferior, anulou o Corinthians e a Lusa merecia ter vencido. O Corinthians de Mano Menezes possui o mesmo defeito que o seu antigo Grêmio: É um time cerebral de mais, capaz de ir bem contra times inferiores e crescer espantosamente jogando contra times superiores que jogam no ataque, mas na hora de enfrentar um bom (ou razoável) adversário que joga o ônus da vitória em suas costas, desaba feio. Creio que esse Corinthians possa ir longe, mas precisa corrigir esses defeitos manjados.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A Crise econômica e o FED

Uma das postagens mais recentes do blog de Luís Nassif apresenta uma informação interessante: O mercado está preocupado com os custos do plano de recuperação da economia estadunidense e já começa a pressionar o FED no intuito de que esse cumpra a promessa de recompra de títulos do tesouro. Isso não é pouca coisa, é o sinal de que cai por terra uma das maiores fraudes da história econômica mundial, a pretensa onipotência econômica dos EUA.

A crise econômica mundial foi causada pela evolução tortuosa do capitalismo e pelo modo no mínimo perturbadora que o processo de globalização foi conduzido, no entanto, o gatilho dela está lá no centro do sistema, nos EUA, e ele foi disparado por dois motivos diferentes e ao mesmo tempo conexos: O primeiro foi que o governo Bush acreditou na mentira que era contada desde os tempos de Reagan, que não importa o que os EUA fizessem, o "mundo" sempre financiaria a economia, o segundo dizia respeito ao mito da desregulamentação dos mercados financeiros e suas consequências benéficas.

Não resta dúvida que essas duas narrativas carentes de cientificidade eram carros-chefes da propaganda daquele país, idealizadas por pessoas que sabiam exatamente o que estavam dizendo e difundida por pilhas de idiotas úteis. Nunca saberemos se o próprio Reagan acreditou nisso e algo parecido podemos dizer de Bush pai e Clinton, no entanto, eles não procuraram descobrir se os limites dos EUA eram mesmo infinitos, ainda que tenham feito vista grossa para as questões tangentes à financeirização.

O fato inegável é que de alguma maneira, Bushinho realmente acreditou nisso. Sim, é uma questão que envolveu oportunismo da parte dele ao ter feito uma farra lascada com o dinheiro público ao mesmo tempo que permitia e incentivava uma farra danada em Wall Street, sem imaginar as consequências maléficas disso - muito pelo contrário, esperava arrumar, quem sabe, até alguns bons financiadores de campanha -, mas há muito de credulidade, de incompetência mesmo.

Com o mercado financeiro completamente desregulamentado e as contas nacionais estouradas - via déficits gêmeos -, um desastre era questão de tempo. Bush e seus neocons só conseguiam pensar que os EUA ocupavam a centralidade do sistema econômico mundial, mas esqueceram - ou nunca tiveram consciência - de que esse sistema tem limites e que os EUA não emitem moeda mundial coisa nenhuma, emitem o dólar, que, por ora, é moeda hegemônica.

E a crise econômica se revelou via crise do mercado imobiliário - resultado da desindustrialização do país, concentração de renda e, sobretudo, da debilidade estatal em lidar com isso - que desembocou no intrincado imbróglio envolvendo os CDO's e a consequente falência de gigantescos bancos de investimento, o que era só a ponta do iceberg: Em decorrência da falência dos grandes bancos de investimento, a verdade sobre a "prosperidade" de alguns países foi revelada - países inteiros como a Islândia, estavam construídos sobre o nada.

A crise também revelou que a economia estadunidense tem limites. Quem nunca pôde entender isso na teoria, hoje está entendendo empiricamente. Admita-se ou não, o mercado não olha para os títulos do tesouro daquele país com os mesmo olhos que olhava há um ano. Falta confiança e ele se aproveitará disso para cobrar cada vez mais para financiar esses déficits, o que terá um impacto cada vez mais pesado na vida do nova-iorquino médio ou do texano ranheta.

Não há outra saída para os EUA que não envolva uma política de reequilíbrio nas contas nacionais, insistir em tomar medidas heterodoxas de impacto, tapam o buraco agora, mas lá frente não fazem a menor diferença. O mercado não terá piedade dos EUA, afinal de contas, desde a segunda revolução industrial, a vanguarda do capitalismo não precisa mais dos Estados-nacionais como precisava lá atrás quando a burguesia apenas se formava.

Dos fins da idade média pra cá, rompeu-se o invólucro do Estado-nacional e eles só foram necessários novamente quando da luta contra o comunismo. Hoje, nesse capitalismo pós-industrial que vivemos, os Estados-nação são necessários para a vanguarda do capitalismo apenas enquanto fantoches nos seus jogos, e o único interesse deles em sua existência está em evitar a globalização política, que poria fim aos "pontos cegos" da regulação econômica mundial. Com os EUA não é diferente, são um país muito poderoso, mas não deixam de ser um país.

Portanto, Obama não terá uma vida fácil, medidas que soem populares - ou menos impopulares - agora, podem não ser a solução dos problemas, é preciso cortar na carne, principalmente se levarmos em conta que estamos falando de um país cuja população se acostumou em poder viver além de suas capacidades produtivas - via crédito barato - e além de suas recursos públicos - com o Estado mantendo déficits nos últimos anos. Bush testou os limites dos EUA e não apenas os descobriu como os ultrapassou perigosamente, não somente enfraquecendo o país como fazendo todos perceberem essas fraquezas. Agora, Obama terá a dura missão de fazer a retirada do campo minado e ela não será nada divertida.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

A "Despedida" de Mino Carta

Um dos fatos que repercutiram mais pesadamente na blogosfera brasileira na última semana foi a "despedida" do jornalista Mino Carta, uma das maiores lendas do jornalismo brasileiro, diretor de redação da Carta Capital e criador de boa parte dos semanários que nós conhecemos. Ao contrário das maiores revistas - muitas das quais idealizadas por Mino - e jornais do Brasil, a Carta optou por uma linha de apoio ao governo Lula - e isso não vai em tom de crítica, muito pelo contrário, é uma reles constatação desse humilde escrevinhador que acredita tanto em imparcialidade quanto em duendes e que sabe que muito bem que o discurso jornalístico é, no fim das contas, só uma espécie de discurso político, a Carta, diga-se, nesse sentido sempre foi bastante transparente.

Segundo suas próprias palavras, Mino se aposenta definitivamente do blog e deixará de escrever na Carta temporariamente em virtude de um extremo desalento e uma frustração com o Brasil bem como uma certa decepção com o governo Lula, a quem acusa de ter promovido uma conciliação muito além de suas expectativas. Convenhamos, para alguém que até poucos meses defendia caninamente o governo, ele não parecia estar às vias de romper com ele. Daí ele emenda:

O balanço de seis anos de Lula no poder não é animador, no meu entendimento. A política econômica privilegiou os mais ricos e deu aos mais pobres uma esmola. Há quem diga: já é alguma coisa. Respondo: é pouco, é uma migalha a cair da mesa de um banquete farto além da conta. O desequilíbrio é monstruoso. Na política ambiental abriu a porta aos transgênicos, cuidou mal da Amazônia, dispensou Marina Silva, admirável figura, para entregar o posto a um senhorzinho tão esvoaçante quanto seus coletes.

Aí, ele enfia os pés pelas mãos. Lula nunca foi comunista na vida, nem nunca vendeu isso. Sempre foi um social-democrata e Mino sempre soube disso muito bem. Dentro do campo do capitalismo, no entanto, sua política é exitosa. O Índice de Gini brasileiro em 2008 ficou na casa de 0,50, enquanto no ano 2000 era de 0,56, portanto, o Brasil ficou menos desigual durante o governo Lula. Claro, a desigualdade ainda é grande, mas a dificuldade política em diminui-la também é, por outro lado, como diminui-la dentro da lógica do capitalismo? Talvez com um política social-democrata, onde o residual empregado em capital humano pode ser maior, como está ocorrendo agora, mais que isso, só por meio de uma Revolução - que nem o PCI de Mino fez na Itália como veremos adiante. No entanto, quem lê o texto supõe que houve retrocessos sociais no país, enquanto não houve. Aí ele cola no mesmo parágrafo junto com essa avaliação, um fato concreto: A péssima política ambiental do governo, o que, na prática, visa emprestar credibilidade ao fato questionável, algo manjadíssimo.

Faz mais alguns questionamentos e lembra da eleição de Sarney e de Temer para as casas do Congresso Nacional, o que eu louvo, mas esquece de fazer uma crítica ao sistema eleitoral que é quem em último caso forja parlamentos cada vez mais bizarros e partidos cada vez mais fracos, até que chega no ponto crucial do texto:

Em um ponto houve melhoras sensíveis, na política exterior. E aí vem o caso Battisti.

Muito bem, o texto poderia se resumir a Battisti. É incrível como Mino dá voltas e voltas para chegar no tema Battisti. O bendito conterrâneo de Mino, condenado na Itália por ter supostamente cometido assassinatos agindo por um grupo guerrilheiro nos anos 70 e que se refugiu na França anos 80, onde virou escritor de sucesso até o momento em que, às vias de ser extraditado, fugiu pelo mundo e veio parar no Brasil há alguns anos é, no fim das contas, o motivo da discórdia.

Battisti foi preso pela PF e o governo italiano passou a exigir sua extradição. O fato é que segundo a Constituição Federal (art. 5º, LII) e a jurisprudência firmada pelo STF, o Brasil não pode extraditar pessoas por conta de crimes políticos ou crimes conexos a crimes políticos; enfim, quando o Ministro da Justiça deu status de refugiado político a Battisti, agiu dentro da lei. No entanto, a isso se seguiu uma reação brutal e mal-educada do governo italiano contra a decisão brasileira.

Mino reagiu contra isso de maneira tão incisiva quanto o governo de Berlusconni. Por trás de tudo, estão os eternos anos 70 italianos, quando o PCI capitulou à luta revolucionária de vez e, no chamado Compromisso Histórico, fez um acordo com os Democratas Cristãos. Para selar a paz, entregou-se a cabeça de peixes pequenos da luta armada italiana - que não raro eram manobrados por gente do PCI - com cujo sangue se assinaria o acordo. O Fato é que muitos como Battisti fugiram para a França e foram beneficiados pela doutrina Mitterrand, que dava asilo aos ex-combatentes - que mais tarde foi, digamos, reinterpretada depois de intensos debates no Conselho de Estado francês, o que poderia resultar em sua extradição e gerou a nova fuga de Battisti.

Teria Battisti matado as quatro pessoas ou não? Para a lei brasileira não importa, seriam crimes políticos do mesmo jeito. Mesmo que isso fosse relevante, a maneira como foram conduzidos os processos naquele país, também não ajuda a saber a verdade - Battisti foi condenado no fim das contas por conta de um ex-membro do seu grupo que o "denunciou" num esquema de delação premiada.

Do que Mino está reclamando então? Para alguns italianos como ele, os anos 70 nunca acabaram e Battisti deveria ter sido entregue ao governo italiano para honrar o pacto político que houve na Itália da época - ou seja, põe o debate jurídico de lado. O fato é que ele se sentiu francamente traído pelo governo Lula por conta disso e aí veio o rompimento.

Não, não foi correto da parte dele e soou no mínimo pueril a motivação por trás de sua argumentação, o que é lamentável para uma pessoa com o seu histórico. O fato é que o debate sobre Battisti tem de ser debatido fora da política de uma vez por todas e ir para o campo do jurídico, onde, não resta dúvida, ele tem direito ao asilo.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Quinta Rodada do Paulistão

Na quarta, o São Paulo venceu de virada o Bragantino e o Corinthians venceu o Paulista de Jundiaí - também de virada, depois de um primeiro tempo complicado. Ontem, o Santos bateu o São Caetano quando já estava sendo criticado pela torcida. Com o perdão da infâmia, o Palmeiras só não venceu porque não jogou - pelo menos no Paulista onde ele teve seu jogo contra o Noroeste adiado por conta de sua presença na pré-Libertadores (graças as céus, os dirigentes iluminados da FPF não repetiram a desumanidade da semana passada, quando o Palmeiras jogou na terça contra o Marília e na quinta contra o Potosí).

É isso daí mesmo, não há jogos difíceis para os grandes nesse Paulistão, no máximo, jogos de dificuldade mediana (contra Barueri, São Caetano e algum outro); o São Paulo perdeu pro Santo André porque claramente não está com a cabeça no torneio. O Santos só perdeu para o Ituano por culpa de uma inominável urucubaca: Seis bolas na trave num único jogo. O futebol do interior, por sua vez, prossegue não fazendo frente aos grandes e aos times da região metropolitana (São Caetano, Santo André e Barueri), tanto é que o melhor time dessa região, nesse exato momento é o Mirassol, na estrondosa oitava posição.

PS: Prometo mais adiante fazer uma reflexão mais profunda sobre os estaduais.

Meme Confessional d'O Descurvo

Seguindo a onda que tá rolando pela blogosfera e que arrebatou até mesmo o glorioso Idelber Avelar em seu O Biscoito Fino e a Massa, faço aqui seis confissões:
  1. Quando era pequeno (por volta de uns quatro anos), o primeiro hino de um clube que eu aprendi a cantar foi o do Corinthians e até me achava um pouco corintiano apesar de não entender nada de futebol (talvez por isso eu fosse); passei a torcer pelo Palmeiras quando tinha uns cinco pelo simples fato de que eu comecei a achar a camisa do Palestra mais bonita que a do Corinthians - e, convenhamos, ela é muito mais bonita do que a do Corinthians, Santos e São Paulo juntas, times que por sinal têm uniformes horríveis. Depois comecei a entender mais de futebol e me tornei cada vez mais palestrino.
  2. Já fui de direita. Seguramente até os nove ou dez anos, eu me encontrava numa faixa do espectro político que ficava entre o fascismo e a democracia cristã. Até hoje não lembro se houve algum choque ou trauma que me fez mudar - ou quem sabe ele foi tão terrível que eu apaguei da minha memória, mas é provável que tenha sido só uma efeito natural do fim da infância.
  3. Sou viciado em café e escondo isso das pessoas. Se não beber nem que seja uma xicarazinha de manhã ou passar durante o dia mais de seis horas sem um copinho daqueles pequenininhos, sou acometido por uma crise de abstinência severa-aguda que me faz ficar andando em círculos.
  4. Uma vez na plataforma da estação da Barra Funda, pensei se não seria divertido eu me jogar na frente do trem.
  5. Nunca consegui dizer pra menina por quem eu era apaixonado durante todo o ginásio que eu gostava dela - e me senti muito mal por isso depois, quando ela se mudou.
  6. Não tenho 1,73 como eu declaro e como está marcado na minha reservista. O senhor que trabalha na junta militar tinha um sério problema de visão e deve ter errado por uns três centímetros, mas meu cabelão rebelde e sempre desarrumado ajuda a disfarçar o "pequeno erro" que eu avalizo até hoje.

Bem, é isso.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Uma noite de Libertadores

Real Potosí 0x2 Palmeiras

Ontem, o Palmeiras jogou na inumana altitude de Potosí contra o time local e venceu por 2x0. Nem precisava, após os 5x1 em São Paulo bastava não perder por 4x0 - e se ainda fizesse um gol, obrigaria o adversário a marcar cinco de diferença. Luxemburgo pôs em campo seu time titular com exceção de Marcos que se contundiu no jogo da ida: Bruno; Maurício Ramos, Edmílson, Danilo(Jéci); Fabinho Capixaba, Pierre, Diego Souza (Lenny), Cleiton Xavier, Armero; Williams (Jumar) e Keirrison.

Apesar da pressão inicial do time da casa, o Palmeiras se manteve na defesa, contra-atacando com inteligência, respondendo bola na na trave com bola trave. Danilo salvou um gol certo do Real Potosí em cima da linha e no contra-ataque Armero fez um belo lance, avançou com velocidade, cortou o lateral boliviano e enfiou pra Keirrison, que fez o pivô e deu uma assistência perfeita para Cleiton Xavier, que veio de trás e concluiu com igual perfeição. Por razões óbvias o time da casa sentiu o gol e diminui o ritmo.

No segundo tempo, no entanto, o Potosí, muito mais na vontade do que na técnica, ensaiou nova pressão, aí Vandeco Luxemba sacou Williams - que sentiu bastante a altitude - e colocou Jumar, fazendo o time verde retomar o controle do meio-campo. Por volta da metade do segundo tempo, o jogador do Potosí atrasou mal uma bola, Keirrison - que é craque - roubou ela, cortou a zaga e o goleiro e matou o jogo. Aí foi só administrar.

O melhor em campo foi Keirrison, mas Armero fez o seu melhor jogo com camisa palmeirense depois de uma estréia e jogos discretos. Maurício Ramos jogou muito e ganhou praticamente todos os lances. Cleiton Xavier sentiu um pouco a altitude e não desenvolveu sua velocidade habitual, mas chegou firme para concluir no lance do primeiro gol. Tirando o glorioso Fabinho Capixaba, o restante do time foi bem.

O Palmeiras, entretanto, não vai ter moleza pela frente, caiu no grupo da morte do torneio com Sport (seu carrasco na última temporada e que também está com 100% de aproveitamento em 2009), LDU (atual campeã do torneio) e Colo Colo (atual campeão chileno).

Demais jogos pela pré-Libertadores:

O Estudiantes, mesmo jogando em casa, suou a camisa para eliminar o Sporting Cristal , venceu por 1x0 com um gol no finalzinho, depois de ter perdido o jogo da ida por 2x1. Caiu no grupo do Cruzeiro e deve brigar com a raposa pela ponta dele.

O Universidade de Chile, na bacia das almas eliminou o Pachuca ontem (perdeu por 2x1, mas havia vencido por 1x0 em casa) e cai no grupo do Grêmio, mas não deve assustar.

O Deportivo Cuenca superou o Deportivo Anzoátegui da Venezuela e cai no grupo do Boca - mas não ameaça muito.

O Indepediente de Medellín, após judiar do Peñarol - que tristeza o futebol uruguaio, não? - em casa por 4x0, segurou um empate no zero fora e cai no grupo do São Paulo - que pega outro colombiano, o América de Calí e o Defensor Sporting do Uruguai, onde, numa boa, o tricolor se classifica com tranquilidade.

Hoje ainda tem Nacional-PAR contra El Nacional-EQU, mas como os paraguaios já enfiaram cinco na ida - e fora de casa ainda mais -, creio que tudo já esteja definido.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Gaza

Seguindo a dica do grande Idelber Avelar em seu extraordinário blog O Biscoito Fino e a Massa, vai aí um belo texto do Professor Valdimir Safatle sobre o massacre de Gaza - certamente o melhor que eu li até agora sobre o assunto:

O Verdadeiro Alvo

Por Vladimir Safatle
Afinal de contas, quem exatamente o governo de Israel quer atacar, quando avança sobre a Faixa de Gaza?
O verdadeiro alvo Afinal de contas, quem exatamente o governo de Israel quer atacar, quando avança sobre a Faixa de Gaza? Não há hoje assunto ao mesmo tempo mais urgente e mais bloqueado do que o conflito palestino. Mais urgente, porque ele há muito deixou de ser um problema regional. Seus desdobramentos influenciam de maneira decisiva a relação entre os árabes e o que convencionamos chamar de Ocidente. Esta é uma peça maior, e não apenas da pauta da política externa mundial. Levando em conta que os árabes e os turcos compõem atualmente o conjunto mais expressivo de trabalhadores pobres em países europeus, além de parcela significativa da classe média de países sul-americanos, não é difícil compreender como a "questão árabe" tornou-se ou pode se tornar, em muitos países, um assunto de política interna.
No entanto, a urgência do assunto só não é maior que o seu bloqueio. De fato, encontramos todos os dias artigos e mais artigos sobre o problema. Mas a grande maioria está bloqueada pela profusão infindável de preconceitos toscos, assim como amálgamas intelectualmente desonestos e apressados, produzidos por ambos os lados. Isto, quando não se entra no mais raso psicologismo.
Assim, os palestinos são muitas vezes apresentados como crianças que não sabem escolher (já que votaram no Hamas nas eleições legislativas de 2006 "contra seus próprios interesses"). Os israelenses, por sua vez, seriam arrogantes e egoístas. Não se vai muito longe com análises deste calibre. Muito menos com as que não cansam de repetir o mantra do "terrorismo islâmico" ou do "Estado assassino".

Breves ponderações sobre quadrinhos

Um dos meus hobbies favoritos e mais antigos é a leitura de revistas em quadrinhos. Sinceramente, acho uma das formas de expressão mais interessantes que o homem já inventou. Os quadrinhos não são uma mera união da literatura ao desenho e à pintura (em alguns casos), mas sim a convergência dessas formas de expressão em um único ponto, o que resulta numa coisa nova que excede as possibilidades expressivas e criativas das formas anteriores.

Claro, durante muito tempo, os quadrinhos foram rotulados como "arte menor" - ou nem isso e o pior era que esse rótulo fora aceito pelos próprios artistas da área por um bom tempo - até conseguir seu espaço. Não acho, no entanto, que os quadrinhos atingiram a sua maturidade como forma de arte, tampouco penso que já lhe é dado o devido reconhecimento pela sociedade, mas é óbvio que as coisas melhoraram muito nos últimos anos.

Os europeus foram responsáveis por grande parte desses avanços, em especial as escolas franco-belga e italiana - a primeira em especial pelo reconhecimento dado aos artistas da área -, mas há também de se ressaltar o trabalho dos americanos no sentido de transformar os quadrinhos num fenômeno de massa e industrial, consolidando-os como um entretenimento e fazendo com que muitos dos conceitos quadrinísticos extravasassem os seus limites partindo para outras mídias - como o cinema.

Há também o grande debate sobre se os mangás são mesmo quadrinhos ou se são um gênero diferente, o que na minha modesta opinião é uma grande bobagem; mangás possuem diferenças narrativas porque o sistema de escrita tradicional do Japão é logográfico e não alfabético, mas está tudo lá: A convergência entre desenhos e escrita - ainda que essa última seja fundada em princípios diferentes.

No Brasil, excetuando o exemplo bem-sucedido de Maurício de Sousa, boa parte dos artistas de talento tiveram de migrar para o exterior (pegue como exemplo um Mike Deodato Jr ou um Ivan Reis no mercado americano ou um Leo no mercado europeu) e nunca conseguimos criar uma estilo próprio de quadrinhos, nem no sentido artístico da coisa, muito menos no sentido industrial.

Isso tem a ver com as limitações econômicas do Brasil, afinal, se nem mesmo nos países ricos, a vida de um quadrinista é ou foi simples, aqui então nem se fala - ainda por cima com a concorrência perversa do material vindo de fora e publicado prioritariamente por muitas das editoras nacionais. Também tem a ver com as próprias limitações culturais do país e de preconceitos infantis.

Vivemos hoje um momento paradoxal: A indústria de quadrinhos mundial se vê às voltas com a pirataria via internet, onde o material pode ser baixado gratuitamente. Ao mesmo tempo que a Internet é uma benção, ela pode ser uma praga para indústria do entretenimento. Por outro lado, isso poderia facilitar a vida de artistas iniciantes em difundirem o seu trabalho. O nó górdio para eles, no entanto, é como fazer seu trabalho render dinheiro via internet. Para uma produção que tenha em vista propósitos meramente artísticos, os problemas acabaram, mas para quem visa a indústria do entretenimento, as coisas deram novas voltas e ainda não se resolveu nada, seria isso um indicativo dos novos tempos?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Luta pela Não demolição do São Vito e Mercúrio Reverbera na Câmara dos Deputados

Aqui reproduzo a seguinte informação recebida via Forúm Centro Vivo:

A luta pela não demolição dos edifícios Mercúrio e São Vito reverberou na Câmara dos Deputados, em Brasília. Confira discurso do parlamentar Ivan Valente:

Especulação imobiliária promovida pelo poder público.

O SR. IVAN VALENTE (PSOL-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, subo à Tribuna para denunciar o que ocorre na região central de São Paulo. Trata-se da demolição do edifício, em frente ao Mercado Municipal e próximo à região cerealista da cidade. Nesta semana as últimas famílias serão removidas para dar lugar, pasmem, a um estacionamento e uma praça.

O edifício Mercúrio possui 24 andares e 86 apartamentos, construídos há 52 anos. Ao lado fica outro edifício tradicional, o São Vito, removido durante o governo Marta Suplicy e que permaneceu desocupado durante o governo Serra/Kassab. No São Vito habitavam quase 1300 pessoas distribuídas em 660 apartamentos de 24 andares. Eram famílias trabalhadoras e pobres: 75% com renda de até 3 salários mínimos, com uma quantidade significativa de proprietários (41%) e inquilinos (48%) que pagavam aluguéis entre R$ 50 e R$ 150, conforme pesquisa da própria Prefeitura.

O perfil dessa demanda era de trabalhadores pobres, longe da construção fantasiosa de marginais ou bandidos que faz o poder público e os meios de comunicação, que habitam o centro em função da disponibilidade de empregos e acesso aos serviços.

As famílias do São Vito foram removidas no governo de Marta Suplicy a partir do acordo de sairem dos imóveis, receberem indenizações abaixo do valor de mercado e retornarem após a reforma do edifício, pois os antigos proprietários teriam preferência na compra e poderiam financiar o restante. Nesse ínterim receberiam uma bolsa aluguel.

De lá pra cá o que ocorreu foi uma quebra de contrato entre o governo seguinte de José Serra e as famílias do São Vito. Serra não apenas atrasou seguidamente os recursos da Bolsa Aluguel, como impediu o retorno dos antigos proprietários ao imóvel.

Esse monumento aos interesses da especulação imobiliária e de ódio aos pobres está lá no centro de São Paulo, em frente ao mercadão. O São Vito hoje é uma estrutura de concreto de 26 andares, desocupado há quatro anos, numa cidade com um déficit habitacional de 550 mil moradias, ou seja, quase dois milhões de pessoas sem moradia ou morando nas favelas, cortiços e ocupações da cidade.Esta semana a prefeitura dá os últimos passos e termina de remover as últimas famílias do edifício ao lado, o Mercúrio, para logo após demoli-lo e continuar o projeto de revitalização da região central.

A demolição dos dois edifícios se insere num conjunto de intervenções no centro que compreende ainda a demolição do Viaduto Diário Popular, a Baixada do Glicério e a transformação do Palácio das Indústrias em um museu no entorno, além de outros projetos nos demais bairros da região.

Por que tratamos de uma demolição como um assunto importante?Porque se trata de processo amplo, comandado pela Prefeitura, de remoção dos moradores mais pobres do centro para dar lugar aos interesses da especulação imobiliária. O que Kassab pretende é continuar a faxina social iniciada no primeiro mandato e que visa expulsar os mais pobres, a população de rua, os setores mais vulneráveis da região. Querem expulsar os pobres do centro e premiar obras faraônicas e a especulação imobiliária, como disse o urbanista João Whitaker.

O centro possui aproximadamente 50 mil imóveis vazios, das 420 mil moradias vazias de São Paulo e conta com uma rede de serviços já instalada e que poderia ser disponibilizada para habitação popular. São milhares de famílias sem casa, enquanto há milhares de casas sem famílias. Esse absurdo não pode continuar e medidas como a demolição do Mercúrio mostram até que ponto a especulação imobiliária passou a governar São Paulo.

O defensor público Carlos Henrique Loureiro afirma que o Plano Diretor Estratégico da cidade privilegia a ocupação da região central: é princípio da política habitacional do Município de São Paulo, nos termos do seu Plano Diretor, estimular a moradia nas áreas centrais da cidade pela população de baixa renda para garantir o acesso à infra-estrutura urbana de qualidade já instalada".

Uma região que possui tantos imóveis vazios não pode beneficiar a especulação imobiliária. É preciso fazer do centro um lugar também de moradia popular. É por isso que a demolição do Mercúrio é inoportuna.

Slavoj Zizek no Roda Viva

Ontem o Roda Viva entrevistou o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek. Na verdade, assisti apenas a parte final do programa por conta de uns imprevistos que eu tive - e só o fiz pelo entrevistado, porque o programa, na minha modesta opinião, degringolou feio de uns tempos para cá.

A entrevista, claro, foi gravada na ocasião da visita de Zizek ao Brasil no ano passado. Isso por si só já faz um programa com o formato do Roda Viva ficar um tanto sem sal. Ademais, Alexandre Machado como apresentador do programa realmente não é lá muito animador - ainda que ele seja centenas de vezes melhor do que Lilian Witte Fibe.

Algumas das perguntas feitas, como, por exemplo, "o que você pensa sobre o stalinismo" e depois o mesmo sobre o Brasil são clichês - ou eu estou muito enganado ou sempre que o Roda Viva entrevista algum intelectual de esquerda, eles sempre fazem a primeira pergunta e quando entrevistam um estrangeiro, eles sempre fazem a segunda .

Não achei a bancada à altura do entrevistado, ainda que ele, com sua perspicácia fenomenal e boas tiradas tenha segurado o programa.

A China e os desdobramentos da Crise Mundial

Nos últimos tempos, vimos espantados o gigantesco crescimento econômico chinês. Sem embargo, um dos mais intensos e espetaculares surtos de prosperidade da História, principalmente se levarmos em conta as dimensões do país sobre o qual estamos falando.

Como é de conhecimento comum, a China viveu um período no minímo complicado nos séculos que antecederam a queda de sua monarquia - coroada pela sua capitulação ao colonialismo ocidental no século 19º -, sendo que a República, conquistada em 1911, não significou a resolução de seus problemas na medida que país prosseguia no atoleiro econômico, dividido em breve por uma guerra em suas entranhas entre os inúmeros senhores da guerra regionais ao mesmo tempo que se via às voltas com o imperialismo japonês.

O país que resta ao fim da segunda guerra mundial está arrasado e em 1949 as forças comunistas realizam a Revolução que criou a China moderna inspirada no socialismo soviético, ainda que mais tarde tenha seguido seu caminho próprio. As próximas décadas, sob a liderança do líder revolucionário Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong se preferir), são marcadas por um misto de avanços e retrocessos decorrentes da enorme instabilidade política do país.

Já nos ano início dos anos 70, ocorre a famosa visita de Nixon ao país, fruto de uma reaproximação por meio da qual os americanos esperavam expor e agravar o racha no bloco socialista (a China já não tinha relações com a URSS naquele tempo e se contrapunha ao Vietnã que ainda guerreava com os EUA) para minar mais eficientemente ao poder soviético. Isso é um marco, pois inicia um movimento ainda tímido que, após a morte no Mao no fim da década, cria as condições para a abertura econômica do país e para o surgimento do "Socialismo de Mercado".

O projeto chinês que se inicia ali, capitaneado por Deng Xiaoping, o novo líder do país, altera consideravelmente as bases do que havia sido instituído pela Revolução. Com a abertura da economia, a China passa por um processo que a converte gradualmente num país capitalista selvagem governado por um Partido Comunista, algo um tanto único, convenhamos.

A conversão chinesa e a sua adequação ao sistema mundo ocorre da seguinte maneira: O país cria zonas econômicas especiais onde passa a produzir mercadorias baratas - devido ao uso de mão-de-obra barata e super-explorada - para os países ricos e para o ocidente de um modo geral, o que impacta nos anos seguintes em um grande desenvolvimento industrial voltado para fora. Isso mesmo, a China nos anos 80 e 90 é construída para fora. Isso se expressa até mesmo pela desvalorização de sua moeda no início dos anos 80, o que é válido como arma para exportar seus produtos, posto que o país não possuia - nem possui - dívidas externa relevante.

Apesar dos abalos nos fins dos anos 80, que o país logo supera, os anos seguintes são de prosperidade, ainda que com um pequena desacelerada em meados dos anos 90 para depois ver a economia deslanchar até a presente crise mundial.

No período de prosperidade, milhões de pessoas saem da pobreza, outras tantas são incluídas na sociedade mundial de consumo - cuja proporção hoje seria algo em torno de 15% de sua população -, mas ao mesmo tempo a desigualdade social e regional salta aos olhos; a China desse período, se tornou um país mais forte, mas houve quem vencesse mais que os outros, beneficiados pelos negócios das exportações e de uma produção voltada para fora - cujos excedentes em maior parte iam para duas frentes: Uma delas para investir na modernização e consequente desenvolvimento do capital, outra para comprar títulos do tesouro americano, o que resultava em crédito mais barato nos EUA e consequentemente em mais consumo dos competitivos produtos chineses nesse mercado.

Some estabilidade econômica, câmbio subvalorizado, mão-de-obra barata, ausência de direitos trabalhistas, ausência de legislação ambiental, prática constante de dumping, um Estado gigantesco e autoritário usando sua mão forte tanto para pôr trabalhadores "na linha", quando para deslocar seus melhores burocratas para pensar e executar políticas pró-exportação, política monetária voltada para a exportação e nós temos a maior farra do capitalismo mundial talvez desde o desenvolvimento americano do pós-Guerra Civil.

Isso acaba no momento em que os EUA perdem o controle dos seus déficits ao mesmo tempo que a baixa regulamentação dos últimos ano gera bolhas de oxigênio gigantescas no sistema sanguineo da superpotência. Explode a crise financeira, que vira crise econômica e que se converte em crise social. O porto-seguro dos burgo-burocratas de Pequim e de Shanghai afunda, restando a China com suas enormes reservas, várias indústrias e trabalhadores e um mercado externo que há tanto tempo lhe parecia um céu de brigadeiro, agora tomado por nuvens negras.

As últimas medidas do governo chinês em relação à crise - que já desacelerou o crescimento do país - são em sentido inverso àquilo que o país vinha fazendo nos últimos anos; se o desenvolvimento do mercado interno era secundário e muito mais voltado para arrefecer eventuais tensões internas, agora ele se torna prioritário, estradas de ferro e rodovias são construídas num arroubo de keynesianismo anti-crise à chinesa assim como algo que me chamou verdadeiramente a atenção: A criação de um sistema de saúde universalizado que ficará pronto até 2011, o que não é uma medida de natureza ética-humanitarista de Pequim, mas, sobretudo, de natureza econômica, que pode sem dúvida aumentar a produtividade e o consumo dos trabalhadores rurais e urbanos mediante a ampliação da qualidade de vida, externando uma preocupação com o seu povo que parecia inexistente nos últimos anos.

Até agora o trabalhador chinês esteve inconsciente de seu protagonismo em relação ao milagre econômico que se operou em seu país, tanto é, que se beneficiou apenas lateralmente dele - algo fácil de manter enquanto você tem uma economia voltada para fora. Com a burgo-burocracia pequinesa tendo, pelas circunstâncias, de se voltar para dentro, incia-se um movimento no qual o trabalhador local poderá se tornar destino e fim de sua produção, o que pode operar uma mudança muito grande na China nos próximos anos, algo semelhante com o que vivemos nos anos 30 no Brasil. Acredite, Vai ser divertido.