sexta-feira, 31 de julho de 2009

Balanço de Julho

Finalzinho do mês. O clima em São Paulo prossegue alterado: O frio habitual se soma a estranhas chuvas de granizo - que não chegam a ser incomuns no Verão, mas que agora são um verdadeiro ornitorrinco alado -, num dos meses de Julho mais chuvosos da história de São Paulo. Reflexo óbvio da alteração climática, seja em âmbito global ou no esfera local, onde da superpopulação da Região Metropolitana surgem fenômenos que vão desde a degradação do verde, a destruição de áreas de manancial à poluição severa dos rios, do solo e do ar - sendo essa última modalidade piorada pelo desastre de políticas de transporte público na região, em especial na capital, que exceção feita ao Governo Marta, viu todos os governos municipais de quinze anos pra cá não fazerem nada na área; em relação aos governos estaduais, me nego a comentar.

A situação na política municipal prossegue estranha com o Kassabismo de afirmando; de piloto automático de um Serrismo voraz e ambicioso, Kassab pouco a pouco vai deixando sua marca de administrador; como já disse aqui, ele mistura elementos tucanos pós-covistas com uns tiques malufistas - devido a sua formação política, por certo - mais um ponto que eu me olvidei de maneira imperdoável da
última vez: O Quercismo está ali também - na figura da sua vice, Alda Marco Antônio. Some isso às relações incestuosas entre prefeitura e especulação imobiliária às portas de uma Copa do Mundo no Brasil e os favelados e moradores de rua mal podem se preparar para ser varridos - desta vez, só Deus (ou o Diabo) sabe pra onde.

No âmbito estadual, o Governo Serra segue no piloto automático com o governador enquanto garoto-propaganda de medidas publicitárias, enquanto seus secretários tocam o barco na medida em que não é fácil fazer as articulações necessárias pra ser candidato à Presidência da República, não é mesmo?


Frente a isso, o fragmentado PT pouco se faz notar na política municipal e estadual e se há vinte anos atrás era possível ver uma Luiza Erundina como prefeita de São Paulo, hoje, o candidato mais à esquerda possível que se desenha para o governo do Estado é um inesperado - e inexplicável - Ciro Gomes - várias vezes melhor do que qualquer demo-tucano do momento, mas longe de ser o nome para tirar São Paulo da paralisia mental e moral em o estado se encontra desde que Quércia chutou o balde. Creio que é hora da esquerda do estado acordar.

Pelo Brasil, segue o mais recente - e nauseante - factóide; agora a mídia corporativa descobriu que Sarney é mal e tirou ele pra Cristo; Tudo não passa de um joguinho sujo que envolve uma mídia emporcalhada e um governo que faz cálculos de poder infantis - próprios de quem passou a vida inteira dizendo soyons réalistes, demandons l'impossible e agora faz o movimento pendular tentando simular a prática de uma realpolitik e de um maquiavelismo que lhe é intrisecamente estranho.

A Conferência Nacional de Comunicação (
CONFECOM) que se desenrola é uma possibilidade de, pelo menos, cutucar o Oligopólio, algo impossível de se imaginar há alguns anos.

Isso acontece num momento em que o
desemprego arrefece diante da recuperação da economia. Um pouquinho mais de criatividade e estaríamos até melhor nessa foto, ainda assim frente a uma oposição tucana que teria nos mexicanizado, creio que estamos bem - pelo menos, por ora, ou até quando a República aguentar o tranco dentro dentro desse sistema que funciona com um Legislativo soterrado por medidas provisórias e agora súmulas vinculantes (ou, sabe-se lá, até onde essa capitalismo global nos levar social e ambientalmente).

Lá fora, o sistema dólar prossegue numa crise que eu julgo crônica; para além da metafísica da análise dos cabeças de planilha, há bolhas demais sendo criadas por minuto e creio que a viga mestra e universal de tudo, a exploração intensiva do trabalhador chinês pelo Partido Comunista local, chegou ao seu limite, afinal, o dia não tem vinte cinco horas - assim como a sobrevivência da China depende, nesse momento, de um mudança de rumo nesse externalismo socialmente estéril e que ele se utilize do profundo acúmulo de capital das últimas três décadas para gerar algum bem-estar social e ambiental. Estariam prontos os líderes chineses para cederem os anéis para não perderem os dedos e desmontarem aos poucos a aristocracia que seu país é? Na História, nunca estiveram nem o fizeram, dessa vez dou o benefício da dúvida porque eles seguem uma tradição supostamente ilustrada.

Em Honduras, prossegue esse jogo cínico, onde o Governo Obama bate cabeça nos seus corredores escuros e precedentes perigosos se abrem para a felicidade de grupos ancrônicos ciosos pelo medievo. Pelo resto do mundo, o fantasma do Nazismo volta a ser medida possível - em toda a ambiguidade que isso possa vir a conter -, seja no Velho - e carcomido - Mundo ou nos dizeres de políticos nacionais que sequer têm origem na direita.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sobre a CONFECOM

No Liberdade de Expressão, blog coletivo sobre a Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), você encontra os informes sobre as etapas regionais que antecedem a realização da Conferência assim como uma série de outros pontos e questões sobre a problemática da Comunicação no país. Só para não passar batido, a pré-conferência de comunicação em São Paulo será realizada no dia 1º de Agosto (sábado próximo) no Sindicato dos Engenheiros (Rua Genebra nº 25, Centro de São Paulo - do lado da Câmara Municipal).

terça-feira, 28 de julho de 2009

Reflexões sobre a Política de São Paulo

Pegando o período de 88 para cá, temos um quadro interessante no estado. Paralelamente ao processo de redemocratização - pelo menos no aspecto formal -, São Paulo prossegue no seu ritmo alucinante de transformações econômicas, mas desta vez, o viés é oblíquo na região metropolitana: Se a região se tornou superpopulosa principalmente nos anos do regime militar a desindustrialização dela resulta numa hecatombe social.

Por outro lado, o interior, depois de passar anos vendo sua população emigrar para a Capital, acaba não padecendo dos problemas urbanos dela - ou não na mesma intensidade -, movido pelo crescimento da agroindústria e recebendo muitos investimentos que fogem da Metrópole, ele passa a ser o motor do crescimento do estado, o que, no entanto, não significa muito: Em um período em que o país se encontra no refluxo do modelo desenvolvimentista, com baixas taxas de crescimento e altos índices de inflação, o estado cresce menos do que a média nacional.

Nesse quadro, tivemos a divisão das forças políticas quase de maneira perfeita entre direita, centro e esquerda:

1.Um terço se alinha no campo conservador, saudoso dos tempos da ditadura e ainda crente de que é o modelo industrialista que vá salvar a economia local. Esse grupo se alinha com o Malufismo, corrente demagógica personificada na figura de Paulo Maluf, o herdeiro político da ditadura no estado assim como ACM no nordeste.
2.Polarizando com esse grupo, temos a esquerda, que finalmente sai do campo restrito da Academia com o advento do novo sindicalismo nos fins dos anos 70 - que já refletia a preocupação dos trabalhadores com o fenômeno de desindustrialização. São um grupo heterogêneo que por vezes briga entre si, mas é unido pela repulsa à Ditadura Militar e a preocupação com os direitos sociais. O PT, naquele momento, é o grande catalisador dessas forças.
3.Temos, por fim, o centro. Ele é formado por pessoas que são céticas demais em relação ao que foi a Ditadura, mas que por outro lado, não são socialistas. Nesse momento histórico, o PMDB, histórico representante dessa ala já começa a ser aparelhado pelo Quercismo e o PSDB já se forma, vindo a ser herdeiro dessa tradição nos anos 90.

Enfim, são essas três forças que vão se equilibrar no poder dali em diante: O Malufismo, o Tucanismo (ao centro com o Covismo) e o Petismo. É esse equilíbrio político-partidário tênue conjugado com os ditâmes da desindustrialização da região metropolitana, avanço do interior e favelização urbana que, a via de regra, explica os resultados das eleições de lá pra cá.

Pegando especificamente a capital, temos um vitória inesperada de Luiza Erundina em 88. É o momento em que se afirma o terço esquerdista - e mesmo que o eleitorado de centro ainda não considerasse votar em um candidato de esquerda, a ausência de segundo turno favoreceu a candidata do PT. O governo Erundina é um emaranhado de boas intenções, traz um secretariado de peso (com figuras como Marilena Chauí e Paulo Freire), mas esbarra nas brigas internas dos campos do PT e numa inoperância interna. Os efeitos disso são desastrosos: Maluf é eleito prefeito em 92 e faz sucessor em 00. A decadência econômica da cidade que não é contida pelo Governo Erundina é catalisada pela administração Malufista: A cidade encolhe e empobrece nos anos 90.

Paralelamente a isso, o Quercismo deixa um estado em frangalhos e Mário Covas vence e inicia o aquele que seria o longo período do PSDB no estado. Se elege e reelege em meio a tensão Malufismo x Petismo e em 1998, vence com o apoio providencial de Marta Suplicy que disputou voto a voto com ele a vaga no Segundo Turno contra um ainda poderoso Maluf. Essa aliança se repete em 00 nas eleições municipais na Capital, quando Marta passa pelo candidato tucano Geraldo Alckmin e vai disputar com Maluf o Segundo Turno - do qual sai vitoriosa.

As vitórias de Marta e Covas jogam a direita paulista na maior crise de sua história: Graças a elas, o Malufismo implodiu. Eis que a grande mudança de rumo acontece e muda o panorama: Covas morre e os caciques tucanos manobram o partido para a direita pra abraçar o antigo eleitorado malufista. O vice de Covas, Alckmin, é manobrado pelos oligarcas do interior e o PSDB rapidamente se torna o partido conservador do estado. É nessa condição que ele entra nas eleições de 2002 e que o partido se estabelece desde então - e marca a vitória de Alckmin contra Genoíno no estado. Marta perde em 2004 para um Serra que foi varrido por Lula nesse clima. 2006 é o ano em que Suplicy é o único petista a vencer no estado, frente as derrotas de Mercadante e Lula no estado para Serra (agora como governador) e Alckmin (na presidencial que Lula acaba vencendo). Em 2008, Marta perde para Kassab numa eleição estranha, onde o Serrismo começa a se autonomizar em relação ao Tucanismo.

Teses como as de Chico Oliveira que falam em um certo teto em São Paulo são um engano. A desindustrialização da capital não podem ser o início do fim da esquerda no município, pois esse campo político se afirma politicamente devido a iminência desse fenômeno. Mas ela exige um novo modo agir para os mais variados setores da esquerda, haja vista que estamos uma realidade que não é mais industrial e dificilmente voltará a ser. Eleitoralmente falando, o que hoje é o eleitorado tucano mais raivoso e extremista era justamente aquela ala que votava em Maluf nos anos 90 - e não necessariamente o eleitorado covista clássico -, portanto, a explicação de um conservadorismo crônico do estado que muitas vezes é levantado por alguns petistas, nada mais é que uma cortina de fumaça para campanhas mal-feitas, brigas internas intermináveis e a falta de elaboração de políticas públicas voltadas para o estado - ou uma crítica mais decisiva sobre os (muitos) problemas do estado gerados ou não resolvidos no longo governo tucano. Também é um paradoxo, porque aponta que o eleitorado mais antigo do PSDB é justamente aquele que é mais propenso a votar no PT numa eleição e é o mais volátil - o que também diz muito sobre a fragilidade do partido azul e amarelo.

Por ora, os três campos permanecem emparelhados.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A Questão do Ateísmo

Como a grande maioria dos brasileiros, venho de família católica. Como, ainda por cima, sou pernambucano, a significação que o catolicismo tem dentro da minha família tende a ser maior do que a média do que se vê numa família paulista, por exemplo; a geração dos meus pais, o pessoal que nasceu ali pelo final dos anos 50 e início dos 60, já convivia com uma cultura laica aqui em São Paulo, enquanto em Pernambuco, isso só veio acontecer mais tarde e, ainda assim, a prática da religião católica permanece mais arraigada e profunda lá do que aqui.

Papai sempre teve uma posição mais cética em relação a Igreja do que mamãe, mas ambos se tornaram cada vez mais laicos ao longo do tempo - hoje, raramente vão à missa. Eu, por minha vez, nunca gostei muito de religião quando era pequeno; sou batizado, fiz Primeira Comunhão, mas parei por aí. Meus pais nunca me obrigaram a nada e nunca me condenaram. Sempre fui uma figura inquieta, questionadora e isso não se coaduna com o dogmatismo que se exige de um bom fiel.

Em suma: O que sempre me incomodou foram os dogmas. A doutrinariedade. Por isso sempre fui cético em relação a um certo cientificismo que se vende por aí - e que se ampara também num dogmatismo. Ironia das ironias, fui estudar Direito numa faculdade católica - ainda que o clima que respiremos lá ainda seja laico, o problema mesmo é o caráter dogmático que os teóricos do Direito imprimem em relação ao que produzem e como isso convive com o seu desejo de dar um status científico a esse campo do saber humano (se científico por quê dogmático? se dogmático como científico?).

No que toca a religião e a relação comigo, me mantenho alheio ao discurso religioso; do ponto de vista político, aí sim, as coisas mudam de figura porque a religião é também um fenômeno político e que nem sempre tem uma convivência tranquila com os valores republicanos e democráticos.

Deus existe? Claro, mas a pergunta a ser respondida não é essa, mas sim quem criou quem: Foi o Homem quem criou deus ou foi Deus quem criou o homem? A resposta para isso, obviamente, não pode ser dogmática porque daria numa resposta negativa ou positiva imediata e acrítica. A fé está fora de questão, portanto. A via tem de ser racional e ao mesmo tempo zetética - se é que se pode ser dogmático e racional simultaneamente. Também creio que isso que chamamos de ciência está longe de responder a essa questão. A Filosofia, como sempre, é o melhor caminho. Por ora, não tenho resposta ara essa pergunta, algum dia talvez a tenha, mas seja como for, ela virá ou não por via de uma tentativa racional.

domingo, 26 de julho de 2009

A Despedida de Jorginho

Hoje, o Palmeiras venceu o Corinthians por 3x0 em Presidente Prudente. Era a despedida de Jorginho como técnico e, cá entre nós, foi um vareio de bola do alviverde. Mais do que isso: Jorginho deu um nó tático em Mano Menezes - certamente o pior que o técnico corintiano já levou num clássico e o maior desde a final da Copa do Brasil do ano passado. O Palmeiras matou o Corinthians graças ao seu sistema de marcação no jogo de hoje: Souza, Pierre e Edmílson acabaram com o trio de armadores corintianos Dentinho, Douglas e Jorge Henrique. A bola não chegava em Ronaldo que, num lance em que voltava para buscar a bola no meio, se contundiu ao cair sobre a própria mão. Péssima modificação de Mano Menezes botando Moradei. Belo cruzamento de Pierre para Obina (fazendo falta em Chicão) concluir e abrir o jogo. No segundo tempo, o Corinthians volta mais ofensivo, mas num contra-ataque, Chicão faz penâlti em Cleiton Xavier. Obina bate e faz segundo gol. No fim do jogo, novo contra-ataque, Cleiton Xavier enfia a bola para Obina fazer o terceiro gol dele e do time e jogar a pá de cal. Foi o melhor clássico do Palmeiras desde os 4x1 contra o Santos no comecinho do ano. Uma bela despedida de Jorginho que agora será auxiliar de Muricy Ramalho que assistiu o jogo da Tribuna. Muricy é especialista em pontos corridos e tem uma bela chance de ser tetra - e levar o Palmeiras ao penta-, mas que Jorginho seguraria o tranco, sim, ele seguraria.

P.S.: Cem anos de clássico Sport e Náutico celebrados num 3x3, empolgante, mas que mantém os dois times na parte de baixo da tabela. O Goiás fez outra partida maravilhosa e bateu o líder Galo no Mineirão. O Santos de Vandeco Luxemba perdeu de virada para o Flamengo, em casa e graças a um gol contra - que fase, não?

A Crise Tecnológica Russa

Nos fins dos anos 50, a União Soviética viveu o ápice do seu desenvolvimento tecnológico, seja por ter largado na frente na corrida espacial ou por estar desenvolvendo uma tecnologia bélica de porte - sendo que os dois campos se colaboravam entre si. Era qualquer coisa espetacular em se tratando de um país que se formara há pouco mais de trinta anos em condições terríveis: Sua economia fora arruinada pela guerra, ele estava cercado pelas potências ocidentais e tinha problemas políticos na medida em que a nova organização do Estado permanecia uma incógnita.

Obviamente, a relativa estabilidade dos anos 50 não tinha sido conquistada sem menos sofrimento: Por detrás disso, havia os expurgos dos anos 30 quando Stalin varreu a influência trotskista das fileiras da burocracia e do exército vermelho assim como eliminou boa parte dos intelectuais que não aceitaram ser enquadrados. Sua vitória se consolida com Constituição Soviética de 1936, onde as concepções marxistas do Direito e do Estado elaboradas por um Pachukanis caem por terra em prol do normativismo de um Vynchinsky, um dos maiores responsáveis pelo esboço das bases jurídicas do Stalinismo - cá entre nós, a prostituição intelectual dos juristas e sua relação com os regimes autoritários merecia um livro.

Temos ainda o agravante da Segunda Guerra Mundial e o massacre de 20 milhões de russos. Sem embargo, um russo nascido em 1900 que tenha sobrevivido a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Civil, aos expurgos stalinistas e depois a Segunda Guerra Mundial, certamente viu mais sangue do que um ser humano mereceu ver.

Pois bem, chegamos aos 50, onde os soviéticos produziam armas nucleares, foguetes, satélites artificias e estavam às portas de produzirem naves espaciais. O cidadão soviético médio não tinha muitos bens de consumo e eles tinham qualidade questionável, no entanto, o país era autosuficiente na sua produção - que, ainda assim, crescia em quantidade e em qualidade. Que veio a acontecer então para gerar a estagnação tecnológica do país?

Em primeiro lugar, apontaria a deficiência do sistema político em realizar aquilo que se pretendia - como já tratado aqui -, a tecnologia produzida deveria focar na construção do Comunismo, livrando os homens da escravidão do trabalho - agrícola e industrial -, transformando-os em administradores de um sistema pós-industrial. Lenin, acertadamente, previu que a divisão do trabalho não permitiria que a Rússia superasse o Capitalismo dentro dele mesmo e que era possível, dentro de uma ditadura revolucionária, produzir uma expansão capitalista administrada pelo povo como forma de contornar isso. Lenin estava certo, mas não desenvolveu uma teoria do Estado suficiente para abarcar esse processo e depois de sua morte restou um vácuo que resultou no descalabro stalinista.

Enquanto os americanos dentro da esfera capitalista produziam tecnologia bélica e espacial de ponta, mas repassavam isso para os demais campos da indústria de bens de consumo e de capital numa ação extremamente coordenada, os soviéticos esbarravam na disfuncionalidade da burocracia em realizar esse processo; a URSS não acaba em 91, mas sim quando uma conspiração da burocracia militar derruba Khruchiov por conta de seu bem-intencionado plano de investir pesado na expansão da fronteira agrícola soviética por meio de incremento tecnológico. O ciclo do desenvolvimento não se completava porque a tecnologia bélica e espacial não era reaproveitada pelos outros ramos da economia - ou o era, de maneira incipiente.

Do ponto de vista educacional, a URSS sempre investiu pesado na ciência e tecnologia em detrimento das humanidades. Isso não era ocasional, nem teve impactos pequenos: Partia-se da premissa que a questão da Teoria do Estado e do Direito já estava pronta e acabada, sendo que a questão econômica estava destinada a ser resolvida técnica e matematicamente. A falta de liberdade de expressão também não era um cenário convidativo para a discussão política. Enfim, desconsiderou-se uma premissa óbvia que a necessidade de teorizar a Política é perene - e que o ensino das humanidades é o que vai gerar os teóricos para essa área. Evidentemente, isso decorre do dogmatismo do qual se revestia o Partido Bolchevique - o que sempre é mortal para a esquerda - e depois foi acirrado às últimos consequências pela visão Taylorista do Stalinismo.

Nos quase oitenta anos de duração da União Soviética, o país foi muito pouco pensado politicamente. Dos anos trinta em diante, ele foi, no máximo, debatido nos gabinetes fechados por meia dúzia de burocratas, enquanto a conjuntura política mundial se alterava continuamente assim como as necessidades internas e externas do país. Veja só que os países capitalistas, há muito, aprenderam que é importante investir no ensino de humanidades e que haja certa liberdade nisso, inclusive na Academia; o conhecimento perigoso pode ser fagocitado e o risco fica por conta dos movimentos sociais que ele poder gerar, o que tem de ser neutralizado por outros meios, claro. A relação entre a Academia e o Capitalimo sempre será problemática e contraditória, mas isso também vale em relação a qualquer sistema de organização política e econômica - em menor grau, claro -; os líderes soviéticos, no entanto, não souberam se utilizar disso como a História prova.

Nova cena: Anos 90 e a hecatombe promovida por Yeltsin. Desmonte das redes de proteção social e de emprego, privatizações fraudulentas - mesmo pela perspectiva liberal -, corrupção e criminalidade nas ruas. Saúde e Educação Pública entram em colapso qualitativo, a expectativa de vida desaba. Os ex-burocratas se tornam senhores do novo - e selvagem - capitalismo nascente e disputam o poder numa batalha campal. O país assiste a tudo isso atônito e a ciência e a tecnologia do país se encotram estagnadas. A aliança dos oligarcas de Moscou e de São Petersburgo em prol da salvação nacional gera Putin.

Com o dinheiro do petróleo e o redesenho da administração do país, encabeçada por Putin e a inteligentsia da Faculdade de Direito de São Petersburgo. Recomeça a reconstrução de alguns setores estratégicos do país e a paralisia mental da era Yeltsin é varrida por um impulso progressista. Ainda assim, o que se vê não é suficiente. Vem a Crise Mundial e os defeitos e incongruências vêm à tona. Num post do blog de José Milhazes, encontramos:

"Vladimir Visotski, comandante-chefe da Marinha da Rússia,reconheceu, numa entrevista à agência Ria-Novosti, que os fracassos nos testes do míssil balístico intercontinental 'Bulava' se devem 'à crise no desenvolvimento das tecnologias na Rússia'. Seis dos onze ensaios, nomeadamente os últimos dois, falharam."Realmente, hoje existe uma crise nas áreas tecnológicas. O 'Bulava' é uma prova fundamental que provará se a Rússia irá superar essa crise", acrescentou o almirante."



José Milhazes, para quem não sabe, é um jornalista português que reside na Rússia por volta de três décadas, foi por conta de sua militância comunista - ora, abandonada -, estudou História lá - em Lomonossov - e é correspondente da Agência Lusa naquele país. Pode se criticar negativamente certas posições políticas de Milhazes, as que teve e as que tem hoje, mas não dizer que ele não tem informações ali de dentro. É apenas um ponto de vista possível, mas é um ponto de vista de quem está lá dentro há tempos.

O que temos, é que o modelo que o Estado Russo tem tentado levar adiante desde sua refundação nos anos 90 - seja pelo Consensualismo de Washington de Yeltsin ou pelo desenvolvimentismo putinista - fracassou. Sobe Yeltsin, nem tecerei mais comentários. Sobre Putin/Medvedev, o que temos é a permanente incompetência na reutilização das tecnologias espaciais e bélicas para demais setores do mercado interno e uma certa inocência no que envolve a ideia de que a mera comercialização de armamento no mercado externo vá financiar as demandas de defesa da Federação Russa. É um processo muito mais complexo do que isso que envolve desde a reconstrução do sistema educacional para se reformular a política até um plano estratégico para usar os setores de ponta como propulsores do mercado interno. Tudo isso, claro, esbarra nas limitações intelectuais e até morais das forças políticas que dominam a cena da Rússia contemporânea.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

E a Esquizofrenia Pós-Moderna se Fez Golpe e Habitou em Honduras

Só é isso que se pode concluir em relação ao que se passa em Honduras ao longo desse mês. A começar por um golpe daqueles que há muito não se via - e cuja possibilidade de acontecer se supunha extinta -, passando por uma rejeição consensual da comunidade internacional e das organizações internacionais, chegando na tentativa frustrada de retorno de seu presidente constituicional, Manuel Zelaya. As próximas horas decisivas as quais eu me referia logo após ao Golpe se prolongaram a ponto do tempo deixar de fazer sentido.

De lá pra cá, os golpistas permaneceram em aparente isolamento e a Costa Rica, país mais estável da América Central, se apresentou como mediadora do conflito, numa estranha negociação envolvendo presidente legítimo e tirano. Os golpistas, claro, se usaram disso para levar adiante sua estratégia de transformar a exceção em regra pela força normativa dos fatos. Nem pode se dizer que essas negociações fracassaram, elas já nasceram fracassadas.

Zelaya tentou retornar hoje para Honduras novamente. Cruzou a fronteira por algumas metros e os militares, impassíveis - e impossíveis - não permitiram sua entrada. Simultaneamente, a Cúpula do Mercosul transcorria no Paraguai e os líderes do bloco mantiveram sua posição contrária ao golpe assim como declararam a favor de um endurecimento maior em relação aos sequestradores daquele país. Diante disso, não deixam de pairar dúvidas sobre o que realmente se esconde por detrás desse inusitado fato, afinal, nunca antes se viu um golpe que sofreu tamanho rechaço formal não cair em poucos dias.

Em tempos tão bicudos como esse, onde o Nazismo volta a ser medida possível - em toda a ambiguidade que essa expressão possa conter - mesmo na fala corriqueira de dirigentes políticos que não se originaram na extrema-direita, o golpe na pequena e pobre Honduras é um precedente perigoso e espantoso - mais do que o golpe em si, a tosquice dele salta aos olhos. O golpe nesse país centro-americano é, insisto, a expressão acabada da loucura de nosso tempo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ponderações Sobre o Governo Lula


Já tem um pessoal postando sobre o balanço do Governo Lula. Creio que é muito difícil - para não dizer impossível- mensurar qual será o peso de seu legado histórico nesse exato momento, portanto, não é isso que pretendo nesse exato momento, só quero fazer algumas ponderações que já deveria ter feito antes por aqui. O grande ponto é que Lula, goste-se dele ou não, é um incontestável fenômeno de massas e sim, consegue sozinho ter um peso capaz de ofuscar seu próprio partido em vários momentos. Também ofusca a visão de muita gente. Se elegeu dentro adotando uma agenda reformadora moderada - em substituição da agenda reformadora mais radical - de antes numa conjuntura onde os EUA já começavam a entrar na grande crise que se torna clara - e cruel - agora e onde o modelo tucano já estava total e completamente esgotado.

Os primórdios do Governo Lula são marcados por uma ajuste fiscal duro e demasiadamente intenso - em virtude do estreito espaço de manobra deixado por conta do, digamos, modus vivendi que foi traçado junto com o Mercado Financeiro. A internalização da dívida seria feita mediante altas taxas de juros compensadas por um alto superávit primário conjugado com um câmbio desvalorizado - muito mais pelas intemperes da flutuação cambial do que de algum plano estratégico herdado do Governo Anterior - conjugado com um cenário positivo da economia mundial - o que foi catalisado pelo competente diplomacia comercial do país.

O país cresce pouco em 03 (1,15%), mas compensa isso em 04 (5,71%). Em 2005/2006 e vê às voltas com superávits gigantescos em conta corrente devido ao superávit na balança comercial e aí começa um processo de neutralização da dívida externa. Por outro lado, os spreads bancários estão altos, mas o crédito para os mais pobres é ampliado e a dívida é internalizada. O país nesse biênio, no entanto, cresce de forma medíocre (3,16% e 3,97%). Na política, o primeiro mandato de Lula termina manchado pela expulsão de algumas correntes do partido e de escândalos como o Mensalão. A desigualdade social, por outro lado diminui assim como os níveis de emprego e renda sobem pela primeira vez em décadas

Na conjuntura política, a intelectualidade de esquerda racha: Lula se torna uma obsessão; uns abraçam o lulismo como se fosse a última chance da esquerda brasileira, enquanto isso, outros assumem uma postura radical contra o Governo como se a chegada ao poder de um Governo verdadeiramente de esquerda no país dependesse de seu desalojamento. A figura de Lula perde as matizes nos meios esquerdistas: Torna-se o messias para uns e o demônio em pessoa para outros num cenário onde a direita não consegue, mesmo com todo o apoio da mídia, fazer outra coisa senão desenhar um crítica ratasqueira e muitas vezes preconceituosa

Lula se reelege e o Governo volta sua bateria para o mercado interno e com o PAC consegue crescimento de 5,67% e 5,08% do PIB, crescimento no emprego, na renda e mais queda na desigualdade social - o que, obviamente se materializa em um enorme popularidade. É o auge do governo Lula, o cenário de um mercado internacional aquecido e de um mercado interno funcionando alivia as tensões e alguns problemas como as estranhas concessões para o mercado financeiro passam desapercebidas num momento em que todos ganham.

Vem a Crise. Depois do pais gerar um superávit de mais de dois milhões de empregos de Janeiro a Novembro de 2008, em Dezembro a Crise Mundial passa a afetar o país e resulta num déficit de 600 mil empregos. A oposição de ambos os lados vê no catastrofismo a esperança de se contrapor ao Governo. Em 2009, o país recebe um choque pequeno em relação a muitas economias grandes de relativamente grande em relação a suas possibilidades - a taxa de juros de curto prazo, abaixada ontem para 8,75% ao ano, permanece incongruente com uma previsão de queda de 0,8% do PIB e uma projeção de inflação na casa de 5%. O desemprego, porém, cai e fica no patamar de 8%.

Para além da economia, o Governo vive pressionado em relação às suas alianças parlamentares. A mídia corporativa que faz às vezes de oposição destila um moralismo seletivo. A bola da vez são alianças de Lula no Nordeste. Antes de mais nada, não custa lembrar que o Lulismo teve sua importância cabal em varrer o esquema político Carlista da região com ACM ainda em vida. Fez isso se aliando com velhos aliados como a estrutura do PSB na região e com algumas oligarquias mais progressistas como os Gomes no Ceará, mas se aliou também aos Sarney e com figuras como Renan Calheiros ou Collor. Isso tudo é paradoxal; Lula não rompeu com a velha prática brasileira de ter um Governo instalado no centro-sul se aliando com oligarquias nordestinas por conveniências políticas, mas também o fez trazendo em contrapartida uma evolução social considerável na região.

Tais conveniências, claro, decorrem de uma política institucionalóide que não passa pelo crivo do desenvolvimento da democracia em sentido material nem pelo desenvolvimento das instituições propriamente ditas; o Lulismo tenta explorar toda a potencialidade das instituições e de um forma de fazer política que herdou de FHC, o que o faz ter avanços e ao mesmo tempo se torna refém político de figuras improváveis e porque não impossíveis. No Brasil, os governantes estão esquecidos e anestesiados em relação à violência que criou as instituições, ignoram a espada de Dâmocles que pesa sobre a sua cabeça, o Lulismo aceita a sua com devoção cristã, mas não lembra aos demais dirigentes dessa realidade, catalisando muito mal o apoio das massas que lhes são entusiastas.

No caso de Sarney, Lula sempre cedeu mais do que ganhou do Senador amapaense e desgasta desnecessariamente. No caso de um Collor, uma figura que foi a marionete útil de 89 e o bode expiatório da vez em 92, as coisas já são um pouco diferentes porque o Governo cedeu, no máximo, a foto divulgada de maneira espetaculosa por uma mídia corporativa hipócrita - afinal, quem elegeu Collor em 89, mesmo?

No âmbito do debate no meio esquerdista, prossegue a falsa dicotomia entre os racionalizadores das ações que o Governo enseja e os aqueles que acusam Lula até dos raios que acertam as árvores. A crítica, nesse momento, se encontra praticamente falida na Academia e nos meios de comunicação só dá sinais de vida em alguns lugares da Blogosfera ou, ocasionalmente, numa Carta Capital. Para além de apoios ou oposições, a esquerda tem de ter em mente que saídas simplórias que apontam Lula como a última bolacha do pacote ou o diabo em pessoa não explicam, nem de longe, esse momento histórico.



quarta-feira, 22 de julho de 2009

A UNE [atualizado]

Ontem, o Nassif fez um post sobre a UNE em cima da seguinte pergunta de um leitor seu, o Paulo Cavalcanti:



"Caro Nassif, gostaria de ler no seu blog comentários sobre o congresso da UNE (findado ontem), bem como a atuação da UNE na década de 90 e nos últimos oito anos. "

Eu, honestamente, sou extremamente cético em relação a UNE. Mesmo sem participar de uma chapa, acompanhei o processo eleitoral para o referido Congresso na PUC-SP e não gostei nada do que eu vi, especialmente da atuação da UJS, a juventude do PC do B, partido que aparelha aquela organização há muito tempo. Sou entusiasta de que o Governo atue junto aos movimentos sociais, não acima, abaixo ou alheio a eles. No caso da UNE, o PC do B, partido da base governista, leva a cabo uma espécie de peleguismo que eu desaprovo por completo. Ademais, nem pode se dizer que o debate que a organização promove é ruim na medida em que o fato da UNE estar representando um partido e não os estudantes o torna nulo. As críticas da mídia corporativa, no entanto, não dizem respeito a isso, mas sim que a UNE não está defendendo as posições dela, nada mais do que isso.

Atualização: Bem escrevi esse texto sucinto ontem e o Maurício Caleiro sugeriu via Twitter que eu o ampliasse. Pensava em escrever um texto sobre a UNE há um tempo, mas acabei não o escrevendo. Ontem, por conta dessse post no blog do Nassif, acabei dando a minha visão. Creio que a análise do que foi o Congresso da UNE (CONUNE) está muito poluído por questões eleitorais - o longo 2010 que já começou há muito e pode ser que nunca acabe. A minha crítica ao PC do B é que ele não é democrático e aparelha a organização. Não tem nada contra estudantes que simpatizem com um partido - ou que façam parte dele - venham a disputar cargos em qualquer organização, mas é bem diferente de você ter a mão forte de uma executivapartidária por detrás. A UNE deveria servir para a representação dos estudantes. Não está servindo. Ela representa os interesses de uma agremiação partidária. Na última eleição para delegados para o CONUNE na PUC-SP nem mil alunos votaram no campus de Perdizes. Os estudantes não se sentem representados na UNE, chegam lá e tudo já está pronto e decidido. A atuação da UJS, diga-se, foi patética com as práticas não muito convencionais que ela faz uso.

A questão do CONUNE só veio à baila por conta das críticas que a mídia corporativa fez à entidade na sua cruzada anti-Lula. Daí, os setores anti-Lula passaram a criticar a UNE por conta de Lula e, por outro lado, os lulistas passaram a defender a entidade pelo mesmo motivo. A direita surge com sua defesa seletiva da Democracia. A esquerda pró-Governo vem e defende o aparelhamento, argumentando que ele é "normal", que na FIESP rola o mesmo e é "natural" que partidos integrem organizações desse tipo. Sobre o posicionamento da direita, nem vou me alongar mais. Agora, da esquerda pró-governo vem a relativização do centralismo nem um pouco democrático e a defesa da tese da naturalidade do aparelhamento de organizações de representação, o que se pode comentar diante disso?

Não vamos confundir alhos com bugalhos. Não é porque aplaudiu Lula ou se manifesta apoio a certas medidas - que eu também entendo como boas - que ela se torna boa e pura. A questão é o motivo pelo qual ela está fazendo isso e como ela está fazendo isso, logo, as consequências que isso terá. Um relógio quebrado também marca a hora certa duas vezes ao dia, mas o faz pelos motivos errados.

Atualização de 23/07/09 às 14:49: O Tsavkko postou sobre o tema. Vale a pena dar uma olhada.

A Contratação de Muricy

foi, na minha visão, um erro. Beluzzo conduziu mal a negociação de início, expôs Muricy e deu com os burros n'água - disse isso aqui e reitero: Em Futebol, negociações, especialmente as de treinador, devem ocorrer sob o maior sigilo possível porque se der xabu, o ônus é menor. A culpa da negociação ter sido pública não foi de Muricy, mas ele poderia, à época, ter dado uma resposta logo. Não deu, enrolou e depois não aceitou os termos. Nesse meio tempo, o interino Jorginho arrumou taticamente o time, fechou com o elenco, empolgou a torcida e venceu praticamente todos os jogos. Beluzzo chegou a declarar que ia efetiva-lo após a vitória contra o Flamengo no Maracanã, mas no mesmo dia - sabe-se lá porquê - desdisse. Hoje de manhã, acordo com a notícia que Muricy assumirá o time na segunda. Ele já vai chegar sob o olhar desconfiado da torcida por conta de toda essa lenga-lenga para acertar. Se, por exemplo, perder o clássico para o Corinthians, terá problemas. Se inicialmente a culpa não era de Muricy, agora ela é, se era para ter aceitado, deveria ter sido antes, não agora. O time prossegue com boas chances, se não perder gente na janela europeia que se abre, pode até arrancar, mas Beluzzo vem patinando demais como presidente.

domingo, 19 de julho de 2009

Gabeirismos e a Banalização do Mal

Vivemos um momento político complicado. Não apenas no Brasil como no mundo. Em nosso meio, nos deparamos com o uma série de fenômenos anômalos, verdadeiros surtos de esquizofrenia coletiva que se abatem da esquerda à direita do espectro político. Um dos piores deles, é aquilo que nosso bom e velho Idelber Avelar identificou como Gabeirismo e o nosso amigo Alexandre Nodari definiu acertadamente como doença infantil do conservadorismo. Aliás, o Maurício Caleiro, há algum tempo, escreveu algo bem interessante para ele.

Tentando dimensionar as coisas, Gabeira se tornou ícone na esquerda com história do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick. Depois, se envolveu com o ambientalismo do PV, fez parte da base de apoio ao governo Lula e depois rompeu com ele se alinhando com o que de mais podre há na política tradicional. O Gabeirismo, entretanto, só começa a se formar no bisonho episódio em que Gabeira tem um ataque de moralismo seletivo contra o folclórico ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti e vai, aos poucos, se aproximando do bloquinho PSDB/DEM/PPS, mas tal fenômeno é parido mesmo apenas às portas das eleições municipais de 2008 com sua candidatura para prefeito - o que se materializou como o casamento do gauche-caviar com o udenismo, uma espécie de sacro-santa missão civilizadora de caráter esnobístico. O que me fez sair do mera ojeriza para a perplexidade em relação a Gabeira foi uma declaração do referido político que eu pesquei lá no Alexandre:


"A estrela vermelha para mim não tem sentido. Eu a vi nos tanques sérvios que atiravam nos civis e em nós, repórteres. Agarrados à estrela vermelha, perpetraram crimes horrendos sob o título de limpeza étnica. Assim como a suástica, estrelas vermelhas levam ao desastre, quando se decide obedecer, cegamente, a um projeto de poder."


Eis que caímos de novo no reino das falsas simetrias, no entanto, aqui a falsa simetria se materializa como uma ultrapassagem de linhas da qual não é possível haver mais volta. Vivemos num momento político mundial onde o nivelamento do Stalinismo ao Nazismo esconde um perigoso movimento que tem por objetivo a relativização do próprio Nazismo como já tratamos por aqui. Gabeira faz o mesmo e consegue fazê-lo de uma maneira mais desonesta intelectualmente dos que a direita europeia: Se o nivelamento do terror Stalinista ao Nazismo serve para trazer a hecatombe nazista para o plano das tragédias dentro do panorama da Ilustração - ao qual ela nunca pertenceu -, nivelar o petismo à limpeza étnica é simplesmente criminoso.

Nesse momento, é Gabeira quem sai do plano do Esclarecimento; seu imoral moralismo seletivo à la UDN faz com que se cale diante dos absurdos de uma ala insensata e desmedida da Oposição ao mesmo tempo em que se presta a fazer um ataque que ressoa a irracionalidade do novo velho fascismo. Trata-se de um pequeno gesto que marca um divisor de águas em sua carreira, é aqui que o esnobismo soft de sua campanha começa a se revelar como um higienismo asséptico do mesmo naipe daquele esboçado pelos jovens moderninhos que tentam racionalizar a irracionalidade intrínseca e inerente do Massacre de Gaza ou da Guerra do Iraque.

Atualização de 21 de Julho, à 13:33: O Alexandre Nodari, com a erudição que lhe é peculiar, fez uma interessante tabelinha com esse post.

sábado, 18 de julho de 2009

Ciro e Aécio

Como não canso de falar, 2010 insiste em começar mais cedo. A mais recente agitação em relação à sucessão presidencial é o jogo dissuasório de Ciro e Aécio contra Serra. Ele revela tanto a instabilidade da base aliada do Governo quanto a verdadeira guerra que corrói as entranhas do PSDB. Basicamente, Ciro fez os seus habituais ataques contra Serra, só que ao lado do governador mineiro que nem se moveu para repreendê-lo, o que despertou a ira de Serra.

Tudo isso não passa de um joguinho entre esses três políticos que sonham, desde pequeninhos, em serem presidentes. Isso revela tanto o tipo de cultura política fragmentária e pessoalista que o presidencialismo legado por 88 criou no Brasil ao mesmo tempo em que revela o esgotamento político brasileiro. Não vá pensando aqui que Ciro é melhor do que Serra, no máximo, podemos dizer que a estratégia que Ciro escolheu em 2002, depois de sua segunda derrota consecutiva para a presidência, foi menos danosa para o país. Enquanto Serra se prestou além da representação da ala da burguegia favorecida com as privatizações e o financismo nos anos 90 - o que é comum no PSDB - também representar um grupelho ainda mais à direita do espectro, Ciro aderiu de última hora ao lulismo seja por via ministerial ou depois na base de apoio parlamentar do Governo.

Ciro, aliás, merece um parágrafo especial. É uma figura rara. Começou a política na ARENA, migrou depois para o PMDB, participou da dissidência pmedebista que deu no PSDB - que no nordeste foi puxada por Tasso Jeiressati - e foi por causa disso que integrava o Governo nos primórdios do período FHC. Aí é que começa sua rusga com Serra, porque foi o atual governador paulista que o bloqueou - de maneira irreversível e decisiva - no interior do partido com seus metódos raramente heterodoxos. Ciro adere ao PPS de Roberto Freire, perde duas eleições para a presidência na legenda, adere ao Governo Lula no começo e com o racha de Freire com o Governo, vai parar no PSB de Arraes (!). Convenhamos ter surgido na ARENA e ido parar no PSB é uma bela e considerável viagem. O que Ciro tem nas mãos depois de oito anos de fidelidade canina a Lula é, no máximo, um histriônico plano para ser tática dois do Governo nas eleições paulistas do ano que vem.

Do outro lado, temos Aécio Neves, neto de Tancredo, deputado, presidente da câmara nos idos tempos de FHC e governador mineiro já no seu segundo mandato. É a encarnação do centrismo, se Serra escolheu fazer o seu caminho político pela direita - o que foi possível com a morte de Covas - e Ciro se tornou um centro-esquerdista novo, ele fez o seu caminho ali, pelo meio. Agora trava um briga de foice com Serra no interior do partido, o que expõe tanto a fragilidade quanto a artificialidade do PSDB enquanto agremiação, despertando a ira de uma burguesia paulista já fechada com Serra. Aécio faz um jogo dúbio, será que romperia com o partido e provocaria uma hecatombe eleitoral em Minas? E agora, essa aliança com Ciro? Sobre a segunda pergunta, há que se ponderar que é uma bela cutucada de Ciro, ameaçar sair como candidato só se Serra for o candidato - o que favoreceria o PT -, jogando uma pressão em cima de seu desafeto ao mesmo tempo em que provoca Lula por mais espaço.

É uma luta pelo poder que revela o quanto a velha política ainda resiste. Depois de dois governos com pretensões modernizadoras, seja a tentativa elitista e mal-sucedida de um FHC em modernizar o país quanto os avanços moderados de um Lula, o que temos hoje é um Serra que rompeu com essa tradição e faz uma política de direita bem obstinada e provinciana, um Aécio com seu emcimadumurismo exala um bocado desse politiqueirismo da velha Minas Gerais e um Ciro fazendo às vezes do oligarca nordestino. Frente a isso, restam um PT com suas eternas lutas internas - e pendulares crises de consciência - e um nascente PSOL, ainda pequeno e muitas vezes vítima dos mesmos problemas petistas.

Atualização de 19/07 à 00:38 O Nassif escreveu um post interessante sobre os desdobramentos da candidatura Serra.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre Debates e a Blogosfera

Ontem, como anunciei aqui, participei de um belo debate no Consenso, Só no Paredão, o magnífico blog do nosso amigo Alexandre Nodari. Apareceram por lá o Idelber, o Maurício Caleiro, a Flávia Cera, o João Villaverde e mais um pessoalzinho bom de papo. Debatíamos o Extinção, livro do filósofo Paulo Arantes, figura polêmica, verborrágica e por vezes visceral. Pode-se reclamar de muita coisa do Arantes, mas não que ele não suscite o debate, seja pela pontas soltas que ele deixa na sua narrativa panorâmica ou pela forma como ele se posiciona politicamente.

Sobre os detalhes do que discutimos sobre o livro, basta dar uma passadinha por lá e ler os mais de cinquenta comentários até este momento. O foco aqui, na verdade, é pontuar a importância da blogosfera e lembrar como é possível fazer coisas interessantes nela - e como só vale a pena fazê-las se for desse modo. Há quem sustente o argumento de que a blogosfera está condenada a simplesmente reproduzir as informações que a mídia corporativa produz, apenas passando um verniz político-partidário, não raro, sectário, nisso daí. Ledo engano. Os blogs, acidentalmente ou não, acabaram se tornando um espaço onde é possível se realizar o debate político e intelectual como nunca houve na história brasileira - seja por uma necessidade de experimentar o debate democrático, o que raramente se concretizou no mundo real - seja lá o que isso for - ou pela necessidade de se posicionar em relação ao que a mídia corporativa produz informações, indo muito além do que o Oligopólio que controla o setor de difusão da informação no país faz.

O lance é justamente esse: O cidadão tem a possibilidade de sair da passividade a qual foi condenado e se torna agente ativo - mais do que isso, interativo - podendo questionar a informação que recebe ou complementa-la. Para além do debate político, é possível construir o debate artístico e esportivo assim como dividir experiências e trazer informações novas que antes precisavam do intermédio do meio de comunicação oficial - o que acaba sendo auxiliado de maneira inacreditável hoje pelo twitter, que passa ao largo de ser um espaço de reflexão, mas permite a troca de informações numa velocidade inacreditável entre meros mortais, antes, no máximo, meras fontes.

Aí voltamos ao debate no Consenso: A blogosfera cria a possibilidade de se fazer um debate de alto nível que seria muito difícil de ser realizado fisicamente e marca um avanço no debate intelectual, antes enclausurado na Academia - e talvez por isso, cada vez mais anêmico dentro dela própria. Cria-se uma solidariedade informacional por meio da ruptura da antiga fragmentariedade, o que possibilita o avanço do pensamento crítico - na contramão do que o próprio Arantes pensa e como o debate sobre próprio livro prova o contrário.

Obviamente, há desafios muito grandes. Um deles, a inclusão digital no nosso país, também - e não menos importante - o debate sobre a própria gestão da Rede em nível global assim como a luta, em caráter local, contra projetos de lei como os do Senador Azeredo que trazem de maneira explícita uma faceta policialesca e tosca, mas não há como negar os avanços.

Futebol: Noite de Libertadores?

O Cruzeiro perdeu a final da Libertadores. Mas quem se importa, nem passou na TV aberta, não é mesmo? Absurdo dos absurdos. O que se viu foi a pancada que o Fluminense tomou do Inter em Porto Alegre e a vitória de um Palmeiras unido para efetivar Jorginho contra um disfuncional Flamengo no Maracanã. O Inter quase deixa a sua vitória escapar, mas fez valer o favoritismo e a superioridade. O Palmeiras fez um belo primeiro tempo e matou merecidamente o jogo ali. O Cruzeiro, bem o, Cruzeiro jogava a final de qual torneio mesmo mesmo? Enfim, não há mais futebol brasileiro, mas sim futebol de Rio-São Paulo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Extinção: Paulo Arantes

Amanhã, estarei no blog do grande Alexandre Nodari com o João Villaverde, o Idelber, o Maurício Caleiro e mais um pessoalzinho debatendo o Extinção de Paulo Arantes.

Atualização das 12:46: Eis
o link do post do Alexandre.

Quarta de Futebol

Hoje, o Cruzeiro recebe o Estudiantes no Mineirão pela final da Copa Libertadores da América. O primeiro jogo, em La Plata, ficou 0x0, o que não deixa de ser interessante, mas é sempre bom tomar cuidado com os argentinos. Time por time, o Cruzeiro é melhor, Ramires é Seleção e Kléber, em grandissíssima fase, foi o melhor negócio da atual temporada no Brasil. Adílson Batista, pelo seu lado, é o melhor técnico da nova geração. Claro, o Estudiantes há um bom tempo monta boas equipes e tem o sempre perigoso Verón, além de ter sido a única equipe a derrotar o time mineiro na competição - 4x0 em La Plata na primeira fase, mas em compensação quando jogaram em BH tomaram de 3x0. Não vai ser fácil, mas eu aposto no Cruzeiro.

Três técnicos caíram nesse final de semana; Vágner Mancini no Santos, Márcio Bittencourt no Náutico e Parreira no Fluminense. Mancini recuperou o Santos no Paulistão e o levou a uma surpreendente final, mas tropeçou na Copa do Brasil e não vinha conseguindo levar o time adiante no Brasileirão, mas ali o buraco me parece mais embaixo; o Márcio veio a passeio, perdeu todos os jogos e saiu feio pela porta dos fundos, foi substituído por Geninho que tentará fazer o time jogar pelo menos com a vontade das quatro primeiras rodadas; O Fluminense vive às voltas com a espiral desde que perdeu o título da Libertadores para a LDU e a cara e pomposa contratação de Parreira não deu jeito.

No São Paulo, Ricardo Gomes ainda não emplacou e o Palmeiras vive atormentado pelas incertezas de sua diretoria, ainda que o grupo tenha fechado com Jorginho, e essa seja a opção mais racional para o clube no momento. O Corinthians, apesar da saraivada em Porto Alegre, vai bem. O Inter caiu de produção misteriosamente. O Atlético-MG, em cima da base montada por Leão, vai muito bem sob o comando de Celso Roth e lidera o torneio - enquanto Leão foi parar no Sport que graças aos seus problemas internos, as laranjas podres as quais se referia Nelsinho, está lá embaixo da tabela.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Giro Rápido por um Mundo em Crise

Em Honduras, os golpistas prosseguem no poder. O Direito, como o seu próprio nome sugere, é aquilo que é próprio daquilo que é reto, ou seja, aquilo que está alinhado com o ideal. Se há o ideal ou se existem vários ideais é um debate longo que atormenta o Homem há muito. O fato é que há uma determinada ordem em Honduras que ao ser ameaçada resultou no golpe, ou seja, na instalação da exceção para reconduzir o país àquilo que é considerado ideal por sua classe dominante e que, ao meu ver, passa longe de ser reto: É o permanente oblíquo ao qual também estamos submetidos. Bem se sabe que a exceção vira regra pela força normativa dos fatos; posse vira propriedade - e os desbravadores do oeste estadunidense hão de concordar comigo - e tirania vira governo legítimo - como tenta repetir a oligarquia hondurenha repetindo seus pares latino-americanos - pela impossibilidade das coisas voltarem ao status quo ante pelo passar do tempo. Ironicamente, ao se digitar "presidente interino de Honduras" no Google se faz descobertas interessantes sobre a cobertura dada pela mídia corporativa ao evento.

Mais do que expor as nossas fraturas ainda expostas a crise hondurenha expõe também as dos nossos ricos irmãos do norte, que tem em Obama o necessário negociador para alterar a estratégia americana, o homem a quem foi imputado o dever de ceder o menor número de anéis possíveis em troca dos dedos que estão sob pungente ameaça: Ao mesmo tempo em que ele condenou o golpe publicamente e depois interrompeu o envio de verbas para os gloriosos programas de cooperação com Honduras, sabe-se agora que
o embaixador americano em Tegucigalpa se reuniu com os conspiradores às vésperas do golpe, o que suscita sérias dúvidas acerca do que se passa nos corredores escuros de Washington e quais serão os rumos de sua política de exceção for export tão necessária para manter a estabilidade interna diante das contradições inerentes ao seu sistema. Até que ponto a CIA se autonomizou como deu a entender um maledicente Chávez?

Do outro lado do mundo, a situação no Xinjiang pemanece tensa; ela expõe tanto os impactos da crise na China quanto a sua própria fragilidade que mora justamente no fato de ser um país étnica e socialmente fragmentado. As elites do país, que concentraram a renda decorrente do boom econômico dos últimos trinta anos de forma brutal, se vê às voltas com a necessidade de ceder os anéis, mas nunca parece disposta a tanto. Por outro lado, o fato do primeiro-ministro turco ter apontado o dedo para os chineses denunciando um suposto genocídio
me parece um tanto irônico.

Na Europa, o centro-direitista polonês
Jerzy Buzek é o novo Presidente do Parlamento Europeu e o primeiro europeu oriental a ocupar o cargo. O Parlamento Europeu, por sua vez, criou uma comissão permanente para tratar da Crise Mundial - medida um tanto pirotécnica, afinal o problema econômico do continente é muito mais embaixo; um capitalismo que fracassou já no início do século 20º, duas guerras mundiais que eclodiram de seu interior, o fogo-fátuo da social-democracia, o socialismo centralista e sua inevitável queda, o desmonte da social-democracia com a globalização. É um esgotamento de modelos conjugado a um vazio criativo.



domingo, 12 de julho de 2009

A Crise Habitacional Paulistana

Ontem, eu fui a um debate no Fórum Centro Vivo cujo tema era a luta jurídica e os movimentos sociais, possibilidades e limitações. Estavam presentes um representante da Defensoria Pública, uma advogada que atua com movimentos sociais, representantes de movimentos sociais, estudantes e representantes da sociedade civil, enfim, um pessoal bacana ebem antenado no assunto. Apesar da questão espinhosa, tivemos um boa discussão na chuvosa tarde de sábado paulistana. A situação, claro, é dramática.

O centro de São Paulo é um região cuja problemática social é aguda e cortante; o número de moradores de rua é enorme, enquanto o tráfico, a violência e a favelização convivem juntas num cenário agravado por políticas públicas desastrosas da administração Kassab, seja pela chamada gentrificação ou pela repressão do Estado policialesco - o verdadeiro, aquele que faz o chicote estralar nas costas dos pobres e não tem nenhum ministro do Supremo para denunciar.

No debate sobre as diferenças entre o Stalinismo e o nazismo, alertei para um ponto: O Nazismo rompe com os parâmetros mínimos do Iluminismo porque, entre outras coisas, carece daquele pigmalionismo político, aquele ímpeto transformador presente mesmo nos movimentos mais extremistas do pós-aufklarüng. Se você não entre aqueles grupos pré-selecionados para entrar na Utopia, meus parabéns, você será varrido, não importa o que você faça ou deixe de fazer.

Longe de mim insinuar que o nobilíssimo prefeito de São Paulo é um nazista, mas a maneira assepticamente desumana com quem ele tem lidado com a questão do colapso habitacional no Centro e na cidade inteira - o "problema dos mendigos" no dialeto de alguns doutos paulistanos - me assusta particularmente - afinal, uma das características do Nazismo é, justamente, matar o faminto e não a fome dele.

A violência contra os pobres se confunde com a própria história do Brasil, mas na questão paulistana em específico veio a se intensificar na Ditadura. Aliás, foi Maluf nos seus tempos de Prefeito (1969-71) que começou a política de reformas habitacionais que apertavam o cerco contra a população pobre de várias áreas do município, empurrando-as - nem sempre de maneira amigável - para a periferia da cidade - verdade seja dita, mesmo as administrações de esquerda que passaram pela prefeitura da capital não foram competentes em abortar tal processo.

A periferia do município chegou ao seu limite e no começo dos anos 80 passou a crescer aquilo que se denomina por hiperperiferia, ou seja, as cidades-dormitório da Região Metropolitana, situadas a um raio de 35-50 Km do centro e onde a situação chega a ser pior, bem pior. Hoje, a possibilidade para continuar essa política se esgotou de vez; há uma tragédia econômica, social e ambiental na periferia/hiperperiferia ditada pelo trinômio pouca grana/pouco espaço/muita gente. Praticamente não há mais onde eles entulharem gente que é expulsa do centro.

Claro, isso não os tem impedido de continuar tal processo, principalmente porque 2014 é ano de Copa e como São Paulo é sede, o processo de gentrificação tende a ser radicalizado. Esse é só um ds efeitos do capitalismo kassabista - um monstrinho que junta um pouco do tecnicismo oco dos tucanos com um quê do autoritarismo malufista turbinados pela especulação imobiliária. A que ponto chegaremos?

Atualização de 13/07/09 às 00:07 ->: Deem uma olhada
no comentário do Aldo e também no post que o Professor José Carlos Vaz fez em seu blog, um belo complemento em relação a este humilde post, feito por quem entende do assunto.

sábado, 11 de julho de 2009

A Tuitada de Beluzzo

Depois de demitir Luxemburgo da forma que bem sabemos, a diretoria palmeirense continuou enfiando os pés pelas mãos e se superou: A negociação para trazer Muricy foi ridícula e a revelação que as coisas melaram via tuitada do Beluzzo não merece comentário. Em futebol não se anuncia de véspera o nome de fulano ou sicrano que se quer contratar porque se der algo errado na negociação, o peso é enorme - além, claro, de que no caso de contratação de treinadores, se o nome X não aceitar, fica difícil trazer outra pessoa, afinal, quem quer assumir um clube com o rótulo de Plano B logo de cara? Insisto, a diretoria verde demitiu Luxemburgo no pior momento possível e da pior forma possível - os dirigentes mais corneteiros tiveram seu ego ferido com a questão Keirrison; os dirigentes mais burocratões aproveitaram a deixa para fazer um ajuste financeiro com uma lógica meio duvidosa. O andamento das coisas só confirma a minha tese de que o problema ali transcende jogadores ou comissão técnica, é uma coisa muito mais profunda mesmo. No momento, eu tô mais pela efetivação do Jorginho com braçadeira de Capitão firme no braço de Marcos - fazendo a função de técnico em campo - e bola frente.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Tempo

O futuro do passado que se anuncia é maravilhoso.
O futuro do presente que se delineia é a catástrofe, a aniquilação, o juízo final.
O futuro do futuro não existe, é o som escuro e a imagem fria da morte.
O passado do futuro é agora.
O passado do presente é terno e alvissareiro.
O passado do passado é o princípio e a fonte – arché.
O presente do passado é falso, enganoso, mas sedutor.
O presente do presente é pessimista, ressentido e amargo.
O presente do futuro é o eterno porvir.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Crise na China: A questão uighur

A questão do impacto da Crise Mundial na China já foi debatida neste blog há algum tempo. Basicamente, os recentes acontecimentos na economia mundial, principalmente aqueles que tocam a economia americana, trazem à baila a necessidade do país se voltar para dentro - o que fatalmente se materializaria em alguns anos, mas foi adiantado por conta da conjuntura. O modelo econômico pós-78 que consagrou o Socialismo de Mercado que dependia da associação da economia chinesa com o capital privado externo para criar um modelo industrial exportador - e assim se viabilizar - está chegando próximo ao seu esgotamento.

A burocracia "comunista" protagonizou nos últimos trinta anos um dos mais brutais avanços capitalistas da história da humanidade, marcado por uma violenta exploração do Trabalho pelo Capital expressa, por sua vez, numa violenta e crescente concentração de renda. A China, na nova divisão internacional do trabalho, se tornou o bairro industrial do mundo, num momento em que as nações centrais capitalistas se desindustrializam; é para lá que vão as matérias-primas de país latino-americanos, africanos e asiáticos para serem processados e exportados para EUA, UE e Japão - e o que sobrar, para o resto.

A China passou a ser uma espécie de fígado do mundo. Também fez com que o país tivesse um formidável crescimento econômico que, no entanto, se concentrou nas mãos da burocracia que manteve e mantêm a classe trabalhadora sob regime de trabalhos praticamente forçados, dando-lhe algumas concessões para manter a Hegemonia. Graças ao braço forte da estrutura militar-policialesca de sempre conjugada com a alienação em relação à produção causada pelo fato da produção estar apenas em curso pelo país - o que faz com que os trabalhadores não tenham uma ideia exata do valor do quanto realmente produzem -, o sistema se manteve com abalos relativamente pequenos. O fato é que até o momento a conjugação de controle estatal com algum desenvolvimento material pareceu compensar para o povo a desigualdade social e os problemas ambientais - o que, convenhamos, não é incomum para nós ocidentais, no entanto, a distância da cultura chinesa para a nossa nos permite ver com mais clareza esse processo.

O país, portanto, cumpriu sua função econômica para o triunfante capitalismo global com certo êxito; exportou deflação via produtos de baixo custo e ainda por cima usou parte dos seus excedentes obtidos para financiar os déficits americano, permitindo que aquele país vivesse muito além de suas capacidades produtivas. Isso acabou porque Bush conseguiu adiantar o esgotamento do modelo americano com seus erros geoestratégicos; os déficits americanos se tornaram infinanciáveis e o dólar deu sinais de fraqueza, o que afetou diretamente a China, queimando o valor real de suas reservas e provocando inflação graças a indexação cambial. Dessa forma, as recentes medidas de fortalecimento do mercado interno deverão, obrigatoriamente, sofrer aprofundamento.

No momento em que isso acontece, a verdade sobre a organização política vem à tona; para além da questão social, surge a questão étnica, afinal, estamos falando de um país profundamente heterogêneo etnicamente, um verdadeiro Império mantido graças a mão forte de um poder central que para além de se confundir com um Partido Hegemônico, também se confunde com uma etnia, o povo do norte. Tal como o Império Romano, a China tem seus cidadãos (os membros do partido), seus escravos (operários e camponeses) e seus bárbaros (os outros, como o mapa acima prova, dentre eles os uighurs). Mesmo que mais de 90% da população chinesa seja da
etnia Han, ela tem sua divisões internas e rivalidade internas, afinal, não há como esperar que um grupo com mais de um bilhão de integrantes seja homogêneo culturalmente.

Os protestos do
povo uighur, uma etnia altaica que reside no noroeste chinês - a área mais rica em petróleo do país -, é um retrato tanto da exclusão social que há na China contemporânea quanto da questão étnica que enfraquece o país enquanto Estado. Quando se vê um Estado reagindo com tamanha violência em relação a protestos populares, significa que a Hegemonia está em risco, afinal, quanto mais força é usada para valer determinações significa que a legitimidade do poder central para normatizar está enfraquecida.

A China vive uma situação de crise, o que, por definição, é uma situação ambígua: ao mesmo tempo em que a conjuntura mundial cria condições para que ela finalmente se construa para dentro e se efetive enquanto país, o que o conduzirá inexoravelmente para grandes mudanças políticas, por outro lado, existe o risco da burocracia jogar tudo no ralo, como aconteceu em vários momentos da história chinesa onde as elites governantes preferiram perder os dedos a ceder os anéis. Veremos. Eu ainda continuo acreditando em uma saída razoável no médio prazo.

post atualizado em 11/07/09 às 02:32

A Final Não Será Televisionada

Ontem, o Cruzeiro foi valente e arrancou um ótimo empate no jogo contra o Estudiantes na Argentina (oxo). Essa final juntou tanto a mística de um Brasil x Argentina quanto premiou as duas melhores equipes do torneio - que, coincidentemente, se encontravam no mesmo grupo na primeira fase. No entanto, a final não foi transmitida pela TV aberta. É injustificável que se esnobe uma final de Libertadores com finalista brasileiro. Preterir esse jogo em favor de uma partida adiada da nona rodada do Brasileiro, aí, já é um esculacho e demonstra a que ponto chegou a ditadura do eixo Rio-São Paulo no futebol. Lamentável.

P.S.: Vale a pena dar uma lida
no excelente post do Mauro Beting sobre o assunto.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Nazismo e Stalinismo: A Falsa Simetria













Há poucos dias, a Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa aprovou
uma resolução que equiparou o Stalisnimo ao Nazismo. Trata-se de um erro grave que parte de uma premissa falsa e, no fim das contas, apenas relativiza o que foi o Nazismo - coincidência ou não, num momento em que ocorre uma ascenção de movimentos de extrema-direita no continente europeu.

O Nazismo é uma ideologia que deve ser banida porque rompe com um patamar mínimo civilizatório conquistado no Iluminismo. Seu objetivo é chegar na Utopia eugênica - na verdade, uma terrível distopia -, onde um Estado tecnocrático comandado por humanos geneticamente superiores - entenda-se, germânicos - mantêm as demais etnias - "raças", na sua concepção - em estado de permanente escravidão, matando, à priori, os grupos irremediavelmente incompatíveis com esse projeto. O fim perseguido pelo Nazismo, portanto, já é um crime em si mesmo e qualquer meio que venha a se empregado para atingi-lo será invariável e igualmente iníquo - e o termo crime aqui está sendo empregado no sentido de atentado a princípio ético fundamental para a convivência humana, portanto, vai além da mera concepção juspositivista.

O Stalinismo por sua vez, mais do que o período da ditadura de Josef Stálin a frente da URSS equivale a um fenômeno social e político além de uma forma anômala de socialismo. Ele persegue a construção de uma sociedade comunista por meios essencialmente autoritários e burocráticos, onde uma elite instalada nos gabinetes administraria técnica e cientificamente um capitalismo in vitro de onde seria tirada a mais-valia necessária para realizar as revoluções tecnológicas que levariam à conquista do Comunismo. Como tal elite decidiria de modo "científico", suas deliberações seriam inquestionáveis do ponto de vista político e as discussões se dariam dentro do Partido Único que se confundiria com o próprio Estado e com o Monopólio Econômico. À priori, ninguém seria exterminado e todos estariam incluídos no projeto desde que não ousassem discordar das diretrizes do Partido.

Desde o momento em que o extermínio prévio de determinados grupos não é premissa do Stalinismo - na medida em que o uso de extrema violência física pelo Estado é hipótese para o descumprimento das diretrizes -, estamos diante de uma ideologia extremista, autoritária e inviável, mas que não rompe com os parâmetros éticos mínimos estabelecidos pela tradição iluminista - o da busca de um sociedade justa por meio da inclusão de todos.

Estabelecer uma analogia entre os dois movimentos por conta do
pacto Molotov-Ribbentrop é inteiramente falso. Acordos táticos de natureza dissuasória como esse eram feitos aos montes pelas potências da época. Na prática, o pacto em questão foi uma maneira que ambos encontraram para ganhar tempo diante da guerra iminente, um jogo onde uma parte tentou enganar a outra - e pelo resultado do conflito, sabemos quem enganou quem no final. Se isso for o suficiente para igualar as duas ideologias, então o parlamentarismo britânico e o republicanismo francês deveriam ser equiparados ao Nazismo também.

Mas a palavra-chave aqui é mesmo dissuasão; como lembrado no início do post, a Europa vive um momento preocupante. Quando se compara algum movimento com o Nazismo, se esconde uma perigosa ideia por detrás: A relativização do próprio Nazismo. É um raciocínio tortuoso, mas funciona assim: Se o Nazismo e o Stalinismo são mesma coisa, pode-se jogar o Nazismo na vala comum do (felizmente) finado Stalinismo e assim estar livre para criar uma nova forma de regime da extrema-direita, isento da reprovação ética prévia da sociedade e pronto para fazer o seu papel de - em meio ao vácuo intelectual, político e econômico da Europa contemporânea - achar os bodes expiatórios do momento e, numa jogada desesperada, salvar o capitalismo local.

É um momento político muito perigoso onde encontramos dois pontos interessantes e assustadores: O primeiro toca às direitas moderadas do pós-guerra, signatárias de algum compromisso social, pouco a pouco se desarticulam, pois suas políticas dependiam do apoio intensivo de Washington, algo impensável nos dias atuais seja pela queda na importância estratégica da Europa ou pela própria crise americana; o segundo diz respeito às esquerdas do continente, onde os social-democratas ignoraram os fatores materiais que eram as bases reais do welfare state e agora se veem perdidos, enquanto os comunistas caíram na cantilena do Stalinismo e há vinte anos se veem perdidos. É em meio a essa crise de Hegemonia, onde as esquerdas não conseguem atuar politicamente, que o capitalismo europeu começa a articular novas saídas para a sua sobrevivência e, não custa lembrar, elas não são nem um pouco bizarras.


P.S.: Há um artigo muito interessante de
Slavoj Zizek sobre a questão que foi publicada na edição nº 12 do Sopro.





terça-feira, 7 de julho de 2009

Um Pouco de Brasil

Como nós estamos acompanhando, a tragédia hondurenha acontece bem no momento em que os movimentos sociais latino-americanos conseguiram, pela primeira vez na História, alguma participação mais efetiva na política local, gerando algum grau de representatividade. É paradoxal, mas também expõe feridas ainda não cicatrizadas em praticamente todos os países do continente, seja por revelar alguns pontos, quanto por nos fazer ver coisas que estavam passando desapercebidas diante dessa evolução política.

Relacionando isso com a nossa Terra Brasilis, temos aqui um país onde a desigualdade social vem caindo desde a nova ordem representada pela Lei Maior de 1988 e apesar das atribulações desnecessárias dos anos 90, temos tido uma evolução notável no campo econômico durante o governo do atual presidente, em especial, nos primeiros dois anos de seu segundo mandato, onde o país cresceu gerando emprego, renda e com a desigualdade caindo. A política externa brasileira, pela primeira vez na história, deixa de lado a cerimônia do beija-mão em Washington para articular algo no campo externo. Foi tão bom quanto poderia ser? Não, mas não deixa, sob aspecto algum, de ser digno de nota.

O ponto nevrálgico dessa conversa é jogar uma luz num certo quarto escuro que, não raro, passa desapercebido: Para além dos avanços nos direitos civis e nos direitos sociais, essa nova ordem conseguiu equilibrar de modo razoável as relações de poder? Sendo mais claro, a Constituição de 1988 conseguiu regulamentar de modo eficiente o complexo sistema de pesos e contra-pesos que um país do tamanho do Brasil, seja no âmbito dos três poderes ou dos entes federados, necessita? Eu creio que não.

Não é incomum cairmos no vazio da análise desconectada de cada escândalo político nacional. Em cada um deles, elegemos nossos vilões e nossos heróis, mas ignoramos a inconveniente verdade de que isso é sistêmico e surgiu por culpa de boa parte das atuais grandes forças políticas do país, todas já atuantes nos fins dos anos 80.

O sistema eleitoral e a organização partidária pós-88 legou uma sistema político-partidário irremediavelmente condenado à inépcia, o que se revela, à priori, na disfuncionalidade do Poder Legislativo e desemboca praticamente em um Governo de Gabinete, onde o Presidente, via Medidas Provisórias, vai legislando de acordo com a correlação de forças do momento e dos conselhos de seus tecnocratas.

Se os anos 90 são marcados pelo avanço do centralismo presidencialista e a adequação das normas constitucionais referentes à Ordem Social e Econômica do país ao Consenso de Washington, os anos 00 são marcados, mais precisamente em 2004, pela chamada
mini-reforma do Judiciário e a consequente guinada desse poder - e também pela movimentação política em torno da transformção do STF de mera quarta instância em, pouco a pouco, um Tribunal Constitucional, o que encontra amparo com o advento das súmulas vinculantes instituídas na mesma reforma.

Hoje, temos um Legislativo que se tornou mero campo de luta entre as forças partidárias, enquanto o Judiciário e o Executivo travam uma verdadeira luta de esgrima pela hegemônia. De um lado, as Medidas Provisórias - o provisório eterno, se o capitalismo, como alguns dizem, trata-se de um estado de exceção permanente, então a nossa prática não chega a ser incoerente em si -, do outro, as Súmulas Vinculantes - que não são lei, mas tem força de lei, portanto, são apenas força como concordaria o Professor
Willis Guerra.

A guinada de Gilmar Mendes não é mera coincidência nesse cenário. Não é o juíz mau que surge para atormentar nossa proto-democracia tardia, mas sim uma figura que vem e se instala numa falha sistêmica que ele enxerga e compreende bem. A chamada crise no Senado, não é mero acaso: Primeiro, ela só virou crise no momento em que o moralismo seletivo do neoudenismo nacional achou que era oportuno, segundo, é um problema estrutural, tanto pela estrutura bicameral brasileira ser uma cópia do modelo estadunidense, quanto pelo fato de ser uma consequência natural da fragmentariedade esquizofrênica do nosso sistema partidário - querem maior exemplo disso que o nosso PMDB?

É também nas zonas mais escuras dessa quarto escuro onde se misturam empresários, jornalistas, políticos e juízes
nas mais torpes negociações.

É a análise dessa contradição superestrutural interna - assim como a própria e sempre indispensável análise da dinâmica econômica - que não podemos perder de vista para não sucumbirmos ao contínuo plano B e não perdermos os poucos e parcos avanços que conquistamos.

domingo, 5 de julho de 2009

Honduras e a Sociedade do Espetáculo

Hoje, domingo, por volta das quatro (horário de Brasília), o presidente legítimo de Honduras, Manuel Zelaya partiu de Washington em uma aeronave acompanhado de sua chanceler, do Presidente* da Assembleia Geral da ONU e de mais algumas pessoas. Chegaria ao aeroporto de Tegucigalpa às oito.

Eu estava lendo um pouco e por volta das sete entrei no
twitter, achei umas imagens da Telesur via #Honduras e passei a aguardar o pouso. O exército hondurenho já cercava o aeroporto isolando os apoiadores de Zelaya ao mesmo tempo em que, lentamente, ocupava a pista. Os militares abriram fogo contra a multidão e mataram, pelas informações do momento, duas pessoas.

As imagens que eu via me provocavam um sensação estranha. Já tinha visto alguns vídeos de Honduras antes, mas aquela imagem que a reportagem da Telesur fazia do aeroporto dava a impressão que Tegucigalpa era uma cidadezinha do interior brasileiro, fosse por sua pequenina pista de pouso ou por suas serrinhas. Coexistia na imagem algo de incrivelmente provinciano com universal - mas um universal tão nosso...

Pois bem, lá estava eu com meus olhos na pequena telinha, mirando fixo no horizonte hondurenho. Sentia um misto de fascínio e de medo, essa situação hondurenha não me cansa de assustar e de me surpreender a cada minuto. De repente, o aviãozinho de Zelaya aparece. As tropas se mantêm em prontidão no solo. Atrás da repórter da Telesur, apareciam alguns manifestantes pró-Zelaya estranhamente efusivos. O avião contorna e não pousa. O comandante rapidamente se comunica com a Telesur e fala que foi ameaçado de abate. Hugo Chávez também é entrevistado. Depois Zelaya, não sei se ainda no avião ou quando já estava em terra firme na Nicarágua.

O golpe se desenrola; de tão aparentemente clássico no princípio, ele vai se tornando o mais agudo anacronismo da política latino-americana desde sempre - se é que o tempo faz algum sentido nessa ocasião; da reprovação diplomática rápida, unânime e dura da comunidade internacional - de todas as letrinhas que você pode imaginar - até o quixotesco voo de Zelaya em sua jornada cristã parece ter passado uma eternidade -quase como numa materialização de algum conto do realismo mágico latino-americano.

Os golpistas, mesmo diante da reprovação diplomática que ia de Washington até Moscou passando por Brasília e Pequim, não retrocederam. Depois de schmittiamente terem resolvido o problema Zelaya, goebbelianamente começaram a repetir a mentira que contaram para dar o golpe, tanto para si mesmos quanto para uma civilizada, cosmopolitíssima e candidíssima comunidade internacional que planejou a volta triunfal de Zelaya sem antes ter removido o tiranete - no mais puro sentido etimológico da palavra - local.

O absurdo sucede o absurdo e o faz em forma de espetáculo. Não é incomum em nossa época, só não precisava ser tão cruel.


*Atualização de 06/07 às 00:29: Na verdade, o nome do cargo ocupado por Miguel d'Escoto é Presidente da Assembleia Geral da ONU e não "Secretário Geral". Desculpem.