quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Honduras - Estado de Exceção (II)

Não canso de repetir que mesmo um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes ao dia. Esse é o caso da Folha de São Paulo, jornal paulistano que protagonizou o lamentável episódio da Ditabranda, mas publicou o artigo abaixo do professor Pedro Estevam Serrano, um dos bons nomes da Faculdade de Direito da PUC-SP - uma luz de sensatez em meio às trevas da cobertura imoral que o jornal está promovendo em relação ao Golpe e consequente Estado de Exceção ocorridos em Honduras. Acabei pescando isso no blog do Jefferson Marinho que, por sua vez, pegou do blog do Favre que, pela vez dele, deve ter lido na própria Folha (o máximo eu que consigo é ver a capa dos jornalões aqui de SP, mais do que isso, minha gastrite ataca). Eis a blogosfera, o ambiente onde o cidadão comum pode não apenas produzir a própria notícia sem a mediação por si mesmo como também pode pescar e subverter criticamente o que sai na mídia corporativa. Deem uma olhada:

Constituição hondurenha não justifica o golpe


*PEDRO ESTEVAM SERRANO ESPECIAL PARA A FOLHA

O golpe em Honduras, que destituiu do exercício de seu mandato pelas armas um presidente eleito pelo voto, tem sido duramente repudiado pela comunidade internacional. Os golpistas usaram como justificativa o apoio da Corte Suprema e do Legislativo à deposição de Manuel Zelaya, fundando-se no artigo 374 da Constituição, que torna inválido qualquer plebiscito ou referendo que possibilite a renovação do mandato presidencial. A partir dessa justificativa, alguns articulistas têm adotado como verdade uma suposta juridicidade do golpe, que teria, assim, um caráter universal de defesa da Constituição.

Tal conclusão, contudo, não resiste a uma leitura minimamente sistemática do texto constitucional de Honduras. O artigo 374 da Carta Magna hondurenha efetivamente impossibilita reforma constitucional que altere o mandato presidencial ou possibilite a reeleição do titular do respectivo mandato. Em verdade, tal dispositivo é clausula pétrea da Carta.

A cláusula torna inválida qualquer alteração constitucional com tal objeto, mas não tem por si o condão de gerar a perda de mandato do presidente e muito menos dispensa o devido processo legal para tal sanção. O artigo 5º da Constituição impossibilita referendos ou plebiscitos que tenham por objeto a recondução do presidente ao mesmo mandato, sendo que o artigo 4º considera como obrigatória a alternância do exercício da Presidência, tornando crime de traição contra a pátria sua não observância.

Ora, a simples proposta de reeleição por um mandato do presidente da República não implica atentado contra o princípio da alternância, apenas altera o lapso de tempo pelo qual se dará tal alternância. O único dispositivo no texto que poderia servir de fundamento à possível perda do mandato do presidente seria, provavelmente, a alínea 5 do artigo 42 da Carta, que torna passível da perda dos direitos de cidadania, entendida como a capacidade de votar e ser votado, a pessoa que “incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente”.

Primeiro, a afirmação que a proposta de reforma constitucional de Zelaya implica inobservância de tal dispositivo merece algum reparo. O dispositivo pretende evitar o apoio e o incitamento ao continuísmo do detentor do mandato de presidente na época dos fatos. Zelaya tem afirmado que sua proposta é de possibilitar a reeleição de futuros presidentes, e não dele próprio. Assim, ele não teria apoiado, promovido ou incitado o continuísmo do atual presidente -ele próprio.

E, de qualquer forma, a alínea 6 do artigo 42 e diversos outros dispositivos da Constituição hondurenha determinam que a perda da cidadania deve ser aplicada em processo judicial contencioso e com direito a ampla defesa, observado o devido processo legal, o que não ocorreu de modo algum no procedimento adotado pelos golpistas e seus apoiadores.Ainda que se considerasse que Zelaya cometeu crime ao ter formulado uma proposta de consulta popular contrariamente à Constituição, que o devido processo legal seria desnecessário por não previsão de procedimento específico de cassação de seu mandato na Carta hondurenha, que a Corte maior daquele país sancionou a decisão golpista de detê-lo, a forma de execução dessa decisão foi integralmente atentatória a dispositivos expressos da Constituição de Honduras.

O artigo 102 estabelece expressamente que nenhum hondurenho pode ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro. Ter detido Zelaya ainda de pijamas e tê-lo posto para fora do país de imediato atenta gravemente contra tal dispositivo.

A conduta golpista tratou-se de um cipoal de inconstitucionalidades, ao contrário do que postularam articulistas apressados, mais animados pela simpatia ao golpe de direita que por qualquer avaliação mais precisa e sistemática da Constituição hondurenha. Os atos praticados formam um atentado grave a diversos dispositivos da Carta Magna daquele país.Em verdade, a conduta dos golpistas e dos que os apoiaram é que, clara e cristalinamente, constitui crime conforme o disposto no artigo 2º da Carta hondurenha, que tipifica como delito de traição da pátria a usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos.

Podem querer alegar que, mesmo inconstitucional, toda a conduta golpista foi sustentada pela Corte maior. À Corte constitucional cabe o papel de interpretar a Constituição e não de usurpá-la às abertas. Sua autoridade é exercida não em nome próprio, mas como intérprete da Constituição, cabendo-lhe defendê-la, não destruí-la.

Ao agir como agiu, a Corte hondurenha realizou o que no âmbito jurídico tem-se como “poder constituinte originário”, ou seja, uma conduta política e não jurídica, originária, de fundação de uma nova ordem constitucional. Uma ordem imposta, de polícia e não democrática. Na ciência política, o mesmo fenômeno tem outro nome: golpe de Estado.

*PEDRO ESTEVAM SERRANO, mestre e doutor em direito do Estado, é professor de direito constitucional da PUC-SP

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Honduras - Estado de Exceção (I)

Publico aqui comentário que acabo de enviar para o blog do Nassif (este é o primeiro item de uma série que espero que termine logo):

Nassif,

O bom e velho Marx já dizia que a História pode até se repetir, como asseverava um certo Hegel, mas se da primeira vez ela se dá como tragédia, na segunda ela acontece como farsa. Enfim, sábias palavras; elas explicam perfeitamente o que se passa em Honduras, hoje.

Esse Golpe aparentemente é idêntico às quarteladas dos anos 60/70 na América Latina, absurdos descarados cujos autores tentavam, a todo custo, jogar uma mão de tinta tosca para racionalizar o inominável e banalizar o Mal – no entanto, se lá se tratavam de tragédias, eis que aqui estamos diante de uma genuína farsa.

No fim, a imagem que fica sobre a situação atual – e, meu caro Nassif, uma imagem vale mais do que mil palavras – é a foto tosca do suicídio montado de um certo jornalista Herzog; mais do que mau caratismo, defender que Herzog se matou, baseado naquela foto, era um sinal incontestável de esquizofrenia, do mesmo tipo daquela que se abateu sobre os Nazistas e os fez acreditar nas mentiras que eles repetiam mil vezes para que se tornassem verdade – e as imagens que vêm de Honduras só podem implicar na não condenação do Golpe se estivermos diante da mesma negação esquizofrênica da verdade e da justiça.

Os integrantes da mídia corporativa que defendem o Golpe que me desculpem, mas eu vejo nos olhos deles a manifestação da mesma loucura, o mesmo sinal do Mal.

Capacetes azuis em Honduras já.

Sem mais,
Hugo Albuquerque

domingo, 27 de setembro de 2009

Eleições Portuguesas

(Out door de José Socrates, líder do PS, partido vencedor das últimas eleições)

Eleições em Portugal -

Com 99,6% das freguesias, digo, distritos eleitorais, apurados, o Partido Socialista venceu, mas ao contrário das 121 cadeiras conquistadas há quatro anos, eles devem ficar com apenas 96 em um parlamento com um total de 225 assentos - portanto, nada de maioria.

A direita com o CDS/PP surpreendeu e está fazendo 21 cadeiras enquanto o Bloco de Esquerda está fazendo 16 e a coalizão de comunistas e verdes está fazendo 15. Os social-democratas (os tucanos lusos) estão fazendo 78. Em suma a composição fica assim:

Direita 99 x 126 Esquerda

Como os comunistas portugueses não se bicam com os socialistas, é difícil que queiram integrar um novo governo Socrates, portanto, resta ao atual primeiro-ministro fazer um acordo com verdes e com o Bloco para poder governar - em suma, isso conterá os pendores mais centristas do PS e reforçará a posição da esquerda local que deverá contar com alguns ministérios.

Em suma, o espírito da Revolução dos Cravos se provou ainda forte e mesmo diante da Crise e da total inépcia de parte considerável do PS, o sistema português, em meio a todo esse caos, produziu uma solução à esquerda.

E, no fim das contas, Grândola Vila Morena cisma em continuar a tocar ao fundo - e viva a Zeca Afonso, Salgueiro Maia e aos Capitães de Abril!

Eleições na Europa _ Alemanha e Portugal

Segundo o boca-de-urna, a direita bateu a esquerda po 48,1 a 46,4 na Alemanha. Merkel vai precisar cooptar alguém da esquerda para governar - os verdes talvez, mas duro vai ser ela convencer eles da parada da energia nuclear, então, o que será? Novamente os social-democratas na coalizão governista?

Em além-mar, os socialistas devem continuar no poder, mas de 121 cadeiras das 230, devem ficar só com 87 (!) - ou seja, vão ter de fazer concessões para o Bloco de Esquerda e até para o PCP e os verdes - cara, só o PV do Brasil que é uma merda mesmo. Pelo menos isso vai fazer José Socrates baixar um pouco mais a bola, resta saber qual ala no PS vai sair mais derrotada, os trabalhistas de Socrates ou os social-democratas de verdade (se for o primeiro, a esquerda portuguesa saiu ganhando).

De um jeito ou de outro, a Crise Mundial produziu um fenômeno interessante, a dicotomia clássica entre centro-direita x centro-esquerda na Europa está abalada; agremiações da esquerda-esquerda ampliaram seus votos tanto na Alemanha (PV/DL) quanto em Portugal (PCP/PV e BE) enquanto os partidos centristas perderam massa muscular (CDUe SPD na Alemanha/ PS e PSD em Portugal); a diferença é que a gangorra desfavoreceu menos a centro-direita na Alemanha enquanto a centro-esquerda saiu menos prejudicada em Portugal.

Em suma, as graves tensões econômicas na Europa estão polarizando o debate político, o que respeitadas as regras do jogo, é interessante, afinal, o modorrento debate centrista que tem dominado a política daquele continente e confunde polêmica com ofensa causou estragos demais ao levar as coisas em banho-maria nos últimos tempos - o risco é isso descambar para o extremismo, o que, em se tratando de Europa, não é impossível.

O Clímax do Brasileirão

Na útlima quarta, o Palmeiras derrotou o Cruzeiro em Belo Horizonte por 2x1 na base da sorte, da ajuda de um péssimo árbitro que um dia o prejudicou (no jogo contra o Goiás) e na eficiência nos lances decisivos - o time pode não ser mais o mesmo na defesa desde a contusão do gigante Pierre, mas Vagner Love trouxe a força ofensiva que a equipe precisava, elevando a média de gols feitos por jogos. Ontem, jogando mal - e diria até mal armado -, a equipe venceu o Atlético-PR em casa pelo mesmo placar de 2x1; velhos defeitos apareceram, como a falta de um substituto à altura de Armero pela lateral-esquerda, os problemas físicos de Maurício Ramos na zaga, a desnecessária escalação de Jumar em um meio campo que já contava com Souza e Edmílson - além da própria má atuação do último que não tem mais velocidade para reproduzir metade do que Pierre fazia na cabeça de área. De destaques positivos, citaria o chileno Figueroa, que eu - assim como metade da torcida palestrina - nunca entendi como e porquê só veio estreiar agora pela lateral-direita (ontem ele fez um gol difícil e deu a assistência para o segundo) e de Marcos (puta que pariu, é o melhor goleiro do Brasil) que só não pegou mesmo o que não deu. De qualquer modo, o fato é que o time verde cravou 50 pontos e jogou um verdadeiro elefante nas costas de seus adversários diretos pelo títulos, afinal todos tem jogos complicados hoje.

Imagine um São Paulo tendo de jogar um clássico complicadíssimo contra o Corinthians tendo obrigação de vencer? Olha que o time de Parque São Jorge estreia hoje aquilo que mui provavelmente será a base de seu time no ano do centenário e ainda por cima vem de uma derrota de amargar no jogo contra o Goiás. Por sua vez, o Inter, que já deu mole demais nesse turno, tem pela frente o Flamengo que se recupera nas últimas rodadas. O Goiás vai para um jogo de seis pontos contra o Grêmio - sendo que o último, ao meu ver, é o time que joga o melhor futebol no país de um mês para cá. O Atlético-MG, que sobreviveu à turbulência e ainda trouxe reforços, pega o bisonho Santos de Vanderlei Luxemburgo. Enfim, hoje veremos o famoso ou vai ou racha; quem bobear nessa rodada vai precisar de muita sorte para poder disputar o título, quem vencer se apresenta como o(s) adversário(s) do Palmeiras pelo título.

Do outro lado da tabela, acho muito complicado que os dois cariocas escapem do rebaixamento. Não esperava algo mais do que o meio da tabela para o Botafogo e para o Fluminense no início do campeonato, mas tanto assim, já seria exagero - e o pior é que não é. O Sport é outra surpresa negativa e com pouquíssimas chances de reverter o quadro - a diretoria do time não deu atenção a Nelsinho quando da montagem do elenco no começo do ano e acabou enchendo o grupo de laranjas podres demais para permanecer numa Série A. Sobra uma vaga para ser disputada por Santo André, Náutico, Coritiba e, com muito azar, Atlético-PR - e hoje teremos um jogo de seis pontos entre Náutico e Coritiba no Paraná. Acho que tá mais pro ramalhão, ainda assim...

sábado, 26 de setembro de 2009

São Paulo: A Terra dos Intelectuais Silenciosos

(Um retrato ilustrativo do que é a São Paulo de hoje)

São Paulo é o mais populoso e rico estado da nossa federação. Ele Responde por 30% da nossa riqueza e por pouco mais de 20% da nossa população. No entanto, para além dos devaneios provincianos que ainda alimentam os espíritos pueris, o estado tem uma série de problemas e sim, eles são culpa dos próprios governantes do estado e não do Brasil - que exploraria o estado, afinal, de acordo com uma opinião não rara, especialmente entre os paulistanos, é de que só aqui se trabalha enquanto o resto do país é habitado por indolentes (e perdulários) apedeutas. Por detrás desses governantes, claro, há todo um fenômenos social e político com origens estruturais e com implicações equivalentes.

O estado em questão, por mais importante que seja, não tem como viver só, isolado do resto do país - é de um provincianismo morbidamente ingênuo; para cá aportam matérias-primas de todo país, aqui se processa e se remete para o mercado consumidor nacional;também se concentram inúmeras empresas do setor de serviços que trabalham com logística em relação à atividades de todo o país; em suma, acreditar em asneiras separatistas bandeirantes é tão genial quanto acreditar que o seu fígado, por mais importante que seja, possa sobreviver fora do seu corpo para sempre.

Se o tivesse de citar os maiores problemas de São Paulo hoje resumidamente, levantaria as questões do mórbido provincianismo que se vê nas cidades pequenas e médias do interior - que vêm puxando o desenvolvimento do estado sozinhas há muito tempo, mas não sei até quando -, enquanto na capital, que sozinha representa mais de um quarto da populalação e une em seu entorno uma região metropolitana que representa mais da metade da população e do PIB estadual, se sente um certo ar de putrefação proliferar em virtude de uma burguesia e uma pequena-burguesia profundamente tecnicista e inculta que não enxerga o processo de lumpenização voraz nas periferias - essa decadência cultural é refreada apenas por alguns bolsões de resistência intelectual que ainda restam, enquanto o fenômeno de degradação da classe trabalhadora só foi arrefecido pelos programas sociais do Governo Federal.

Para além de uma juventude que participa de movimentos sociais - sejam universitários ou não -, a crítica está morta no estado. Um modo de vida meramente mimetizador do american way of life mesmo no bairro operário de outrora. A vida nos condomínios e nos prédios de classe média para cima adquire cada vez mais o é tocado adiante; A periferia da região metropolitana, por exemplo, se expande; nos anos 90, boa parte dos operários que se viram sem empregos se viram obrigados a, literalmente, construir favelas no entorno da capital porque não havia mais dinheiro para pagar aluguel, mesmo nos bairros tradicionalmente proletários. Os condomínios onde vive a classe média ganhar cada vez mais, caráter de bolha, de afastamento do espaço público - e a distancia entre os jovens que são criados nesse sistema, por assim dizer, de confinamento, se torna anos-luz de distância aos seus pares nas periferias, mesmo que apenas alguns quilômetros os separe de fato.

As famílias nucleares patriarcais centralizadas na figura do pai operário profissional que bancava a educação dos filhos, entrou em colapso não por sua superação, mas sim por uma profunda crise de valores decorrente do esmagamento do trabalho pelo Capital naquela década maldita; o alcoolismo entre os pais de família desonrados, na medida em que foram criados numa cultura de dignificação pessoal por meio do trabalho - explodiu e implodiu milhares de famílias, gerando como decorrência lógica, o aumento da prática de crimes pelos jovens, um no consumo de drogas por parte da juventude pobre e o crescimento violento de casos de gravidez na adolescência. A Escola Pública, falida pelos sucessivos governos tucanos, se mostra incapaz de resolver os seus próprios problemas, sendo lar de uma classe magisterial cabisbaixa, sufocada economicamente pelos péssimos salários e pelas humilhações nas mãos da tropa de choque a cada greve.

A chamada classe média, por sua vez, se cala. Os setores conservadores preferem se fechar num autismo social jocoso e colocar a culpa no Brasil, nos favelados, nos negros, no Lula-aquele-presidente-analfabeto e em quem mais vier - afinal, sempre é cômodo pôr a culpa em minorias, não é mesmo? Por outro lado, a problemática local é ignorada até mesmo pelos setores da esquerda; de repente, os problemas da escola pública e da saúde são considerados como problemas nacionais ao invés de padrões nacionais - e a problemática constitucional dos governos estaduais em relação a essas áreas se esvai -; a esquerda paulista pensa sempre em patamares nacionais, mesmo que também desconheça bastante o país sobre o qual tenta falar - pelo menos não o ignora ou o acusa como faz a direita -, mas o aspecto local da problemática social nunca enfatizado, não podemos admitir os problemas estruturais do nosso estado, pega mal.

Dentre os poucos espaços de resistência cultural e de pensamento contra-hegemônico, como em boa parte das faculdades da UNICAMP, nas federais, nos campi da UNESP e, mais emblematicamente, na gloriosa FFLCH, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vê-se um estranho distanciamento e alienação do debate entre marxistas x pós-estruturalistas em relação à realidade da periferia logo ali do lado. O único meio intelectual que tradicionalmente sempre esteve menos alheio à realidade que pretendeu mudar foi, de fato, a esquerda católica, situada na PUC-SP, mas que hoje se encontra em frangalhos graças a atuação da Igreja - e a intervenção na PUC é uma prova suficientemente clara disso.

Mesmo sendo um dos estados onde mais se enraizou algo parecido com uma cultura burguesa, eu vejo em São Paulo, mais até do que em muitos estados agrários, uma obsessão contra o debate público; não se pode se discordar de ideias sob pena de ser considerado ofensivo ou você se cala ou assente; também não é possível ser irônico, pois corre-se o risco de pensarem que você fala a verdade. Colocar essa foto aí em cima para ilustrar o que é São Paulo, meus caros, gera uma celeuma não apenas entre os setores que se dizem de direita, mas entre a própria esquerda - de quem eu já ouvi coisas do mesmo naipe de um "ame o Brasil ou deixo-o"; vejam vocês que eu mesmo tirei essa foto no norte Região Metropolitana de São Paulo; é tão São Paulo quanto a Avenida Paulista é, no entanto, é mais fácil dizer que isso é exceção enquanto ela é regra - quando, na verdade, é exatamente o contrário. Sejamos honestos no momento de criticar São Paulo, chega de tapar o sol com a peneira e de fingir que isso daqui é Primeiro Mundo, basta de achar que pega mal criticar tudo isso; é o silêncio dos intelectuais que projetou toda essa monstruosidade que por ora se manifesta na forma do serrismo, não nos calemos, por favor.


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Caso Battisti: Aspectos Jurídicos da Questão do Refúgio e a Questão de Eventual Empate na Votação

Segue aqui o parecer do professor Celso Antônio Bandeira de Mello sobre algumas questões levantadas pelo advogado Luís Roberto Barroso no que concerne ao julgamento da extradição de seu cliente, Cesare Battisti. Bandeira de Mello, para quem não conhece, é o maior especialista em Direito Administrativo Público da história do país e também um de nossos maiores juristas vivos; o seu parecer é uma verdadeira aula magna de Direito, o que simplesmente põe aquele meu postizinho sobre o caso no chinelo apesar de avalizar o que eu coloquei em essência: Juridicamente, não há possibilidade de extraditar Battisti. Atente para os dois pontos da conclusão: O primeiro diz que o refúgio concedido pelo Ministro da Justiça não pode ser substituído por juízo do STF, portanto, essa situação é imutável, o que torna, per se, a extradição de Battisti impossível; o segundo diz que em caso de empate, não ocorrerá a extradição. Enfim, pelo enésima vez, eu repito aqui que qualquer coisa que resultar na extradição de Battisti será uma decisão puramente política, diria até partidária mesmo. Para o pessoal que se interessa por questões jurídicas, leiam o que segue abaixo, é um deleite.


"O ilustre advogado e professor Luís ROBERTO BARROSO, acosta documentos instrutórios relativos ao refúgio e ao processo de extradição de CESARE BATTISTI, que ora se processa ante o Egrégio Supremo Tribunal Federal, formulando a seguir, em vista deles, a seguinte

CONSULTA

"I - O ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político a CESARE BATTISTI configura ato vinculado ou envolveu o exercício de competência compreensiva de aspecto discricionário, cuja avaliação e consequente decisão não pode ser substituída pelo juízo do Poder Judiciário, maiormente em face das circunstâncias concretas que o envolvem?

II - Vindo a ocorrer empate na votação da extradição, deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de "habeas corpus", de acordo com a qual, a teor do art. 146, parágrafo único, o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado?"

Ao indagado respondo nos termos que seguem.

PARECER

1. No Estado de Direito não há ato algum que escape ao exame de legalidade efetuável pelo Poder Judiciário. Isto não significa, entretanto, que todos os aspectos envolvidos nos atos administrativos sejam reexamináveis pelo Poder Judiciário. Em muitos deles o próprio núcleo do ato, isto é, sua essência, terá sido pelo próprio Direito, caracterizado como um objeto de alçada de outro Poder, donde, predefinido como um tópico alheio ao espaço inerente à esfera sobre a qual incide a correção jurisdicional, esfera esta, que é a da legalidade e não a da apreciação discricionária.

2. De outra feita anotamos que "embora seja comum falar-se em «ato discricionário», a expressão deve ser recebida apenas como uma maneira elíptica de dizer «ato praticado no exercício de apreciação discricionária em relação a algum ou alguns dos aspectos que o condicionam ou que o compõem». Com efeito, o que é discricionária é a competência do agente quanto ao aspecto ou aspectos tais ou quais, conforme se viu".1

Logo, a verdadeira questão é a de saber-se sobre quê poderá incidir a correção judicial do ato e sobre quê não poderá incidir sob pena de invadir esfera da alçada do Executivo. Naquilo que estiver em causa aspecto discricionário, só cabe juízo administrativo não havendo espaço, então, para juízo de legalidade.

3. A antítese do campo de apreciação discricionária é a que se expressa no chamado ato vinculado. A identificação dele auxilia, então, por antinomia, o reconhecimento da esfera antitética na qual descabe interferência da revisão judicial. O eminente Min. CEZAR PELUSO, por ocasião de seu voto no caso CESARE BATTISTI, honrou-nos com a citação de obra teórica de nossa lavra, assumindo, dessarte, como correta a qualificação que fizemos do que seria tal ato.

Disse, então, o reputado magistrado que, diversamente dos atos discricionários, nos vinculados a lei disciplina "a conduta do agente público estabelecendo de antemão e em termos estritamente objetivos, aferiveis objetivamente, quais as situações de fato que ensejarão o exercício de uma dada conduta e determinando, em seguida, de modo completo, qual o comportamento único que, perante aquela situação de fato, tem que ser obrigatoriamente tomado pelo agente. Neste caso, diz-se que existe vinculação, porque foi pré-traçada pela regra de Direito a situação de fato, e o foi em termos de incontendível objetividade" .

4. Visto isto, para saber-se se o ato de "refúgio" e se a "extradição" comportam apreciação administrativa discricionária ou se, pelo contrário, respondem a um modelo legal que haja delineado uma situação de fato caracterizada de modo inteiramente objetivo, isto é, reconhecível com incontendível objetividade, apontando diante dela a conduta única exigida pela regra de direito, tudo se resume a aplicar as noções referidas. É o contraste do modelo legal com os atos supostos que oferece resposta simples ao questionado.

5. De acordo com o art. 10 da lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997, "Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I -devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;".

Por acaso "fundados temores de perseguição" é a descrição de algo que se pode reconhecer de modo plenamente objetivo ou tal desenho normativo comporta, nas situações concretas da vida real, mais de uma intelecção aceitável ? Ou seja: é induvidoso, é unanimemente sempre certo, que dada situação responde, para além de qualquer dúvida ou entredúvida, ao que caberia denominar como "fundados temores de perseguição" ou inversamente, a captação desta idéia padece de certa fluidez, de uma imprecisão que levaria certos sujeitos a reputarem inexistente afigura normativa, do mesmo passo que conduziria outros a aceitarem-na como ocorrente, sendo razoável a opinião abraçada tanto por um quanto por outros ?

6. Parece extreme de dúvidas que a noção referida não se encaixa entre aquelas cujo reconhecimento é de universal coincidência, mas pelo contrário, enseja o prosperar de intelecções contraditórias. Isto ocorre porque, para servirmo-nos da insuperável lição de RENATO ALESSI, estão em pauta "condizioni di falto suscetibili, oltre che di un accertamento, anche di un aprezzamento, di una valutazione della misura nella quale sussistono", por se tratar de "condizioni che possono sussistere in grado maggiore o minore" -"condições que podem subsistir em grau maior ou menor" (principi di Diritto Amministrativo, Giuffre Ed., 43 ed., 1979, vol I, pag. 236).

Em síntese e conclusão: não está em pauta no caso do refúgio e, pois, da extradição de CESARE BATTISTI, um ato vinculado, mas pelo contrário, um ato que comporta teor de discricionariedade e nesta mesma medida, insuscetível de substituição do juízo administrativo que lhe concedeu refúgio pelo juízo jurisdicional, fato que obviamente impede sua extradição, porquanto o art. 33 da mencionada lei n° 9.474, de 22 dejulho de 1997, estabelece de modo claro que: "O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio".

7. Aliás, no caso concreto, diante dos elementos acostados, há indicações veementes de que existiam indiscutíveis razões ensejadoras de 'fundados temores de perseguição". Com efeito, preliminarmente, cabe anotar que é induvidoso que os fatos que lhe foram apontados como justificadores de sua condenação, na Itália (em um segundo julgamento, na "reformatio in pejus" ocorrida, pois no primeiro a acusação de homicídio foi atribuída a outro sujeito e não a ele) estão referidos, pela própria sentença, como crimes cometidos sob inspiração política e com propósitos políticos, tanto que esteve preso em prisão destinada a autores de crimes políticos que não estiveram envolvidos em ações que causaram morte. O que impressiona na verdade, além do fato de que foi julgado em período notoriamente de grande conturbação, no qual era extremamente exacerbado o sentimento de repúdio e repressão aos participantes do movimento de esquerda ao qual era filiado, é a circunstância de ainda hoje, décadas depois daqueles eventos, inexistir um clima de mínima serenidade em relação a eles.

8. Mesmo deixando de lado, o fato de que a imputação de crimes de morte contra CESARE BATTISTI, em julgamento à sua revelia, assentou-se sobre depoimento dos chamados "pentiti", justamente os que dantes haviam sido condenados por este mesmo fato (que no julgamento anterior não lhe havia sido irrogado pela Justiça Italiana), é o rancor atualmente evidentíssimo em diversas manifestações provenientes de autoridades italianas, o que, não pode deixar de suscitar "fundados temores de perseguição", identificados seja pelo ângulo objetivo ou subjetivo.

Com efeito, um parlamentar italiano, da base de apoio ao Governo do Primeiro Ministro Berlusconi, como noticiam elementos acostados à consulta, manifestou-se em relação ao refúgio concedido afirmando; "Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas (... entre os quais pelo menos nós brasileiros teríamos de incluir os Ministros do Egrégio STF ...) mas sim por suas dançarinas". Por mais críticas que se faça a nossos legisladores, dificilmente se imaginaria um parlamentar brasileiro, dizendo -salvo se inspirado por um fortíssimo ódio e desequilíbrio emocional -que os parlamentares italianos eram mais conhecidos pela presença da atriz "Cicciolina" em seus quadros do que pelo descortínio político ...Nem se imaginaria pessoas de responsabilidade nos quadros políticos do Brasil dizendo, por exemplo, que o senhor Berlusconi é mais conhecido por suas aventuras amorosas com jovens do que por sua ressonância política, dado o fato da imprensa internacional divulgá-las com alarde.

9. A frase do deputado italiano é, pois, bastante expressiva de um estado de ânimo que não inspira segurança de que, hoje, inexistam naquele país razões para "fundados temores de perseguição". Fosse ela um comportamento isolado, poder-se-ia supor um exagero na ilação daí extraída. Sucede, todavia, que esta foi apenas uma dentre muitas manifestações expressivas de um estado de espírito destemperado e flagrantemente desproporcional em relação ao caso CESARE BATTISTI.

Com efeito, o ex-Presidente da República Italiana FRANCESCO COSSIGA afirmou que "o Ministro da Justiça do Brasil disse umas cretinices" e que o Presidente LULA era do tipo chamado na Itália de "cato-comunista". O Vice-Prefeito de Milão propôs um boicote aos produtos brasileiros "como forma de pressionar o Brasil a reconsiderar a decisão" de refúgio a CESARE BATTISTI. O Vice Presidente de Relações Exteriores do Senado da Itália, Senador SERGIO DIVINA defendeu o "boicote turístico ao Brasil". O Ministro da Defesa IGNAZIO LA RUSSA declarou que a decisão "coloca em risco a amizade entre a Itália e o Brasil", ameaçou "se acorrentar à porta da embaixada brasileira em Roma" e saiu à frente de uma passeata de protesto em Milão contra o refúgio a CESARE BATTISTI. Aliás, o próprio presidente do Conselho de Ministros Italiano, ROMANO PRODI, enviou carta pessoal ao presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, encarecendo a importância 'para o Governo e a opinião pública da ltália que a extradição fosse deferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Será que isto ocorreria se estivesse em pauta um crime comum ? Ou, seria tratado de outra forma, isto é, com a serenidade da Justiça e das relações respeitosas entre as Nações, tanto mais sendo certo e sabido que, similarmente ao que ocorre em todos os demais países, existem dezenas de foragidos da Justiça Italiana pelo mundo afora, condenados por crimes comuns, mas onde a presença notória da Máfia exacerba o fenômeno?

10. Há outros exemplos mais do mesmo clima de descontrolada fúria que poderiam ser citados mas parece desnecessário mencioná-los. Se estes não são suficientes para ilustrar um estado de espírito desmesuradamente falto de proporção e, em consequência obviamente justificador de "fundados temores de perseguição", não haveria como reconhecer esta figura salvo se fosse explicitamente confessado pelas autoridades daquele País. De resto, se o clima é este, hoje, é de perguntar-se: como seria, então, à época do segundo julgamento do ora extraditando ?

11. Em conclusão: é inequívoco que o refúgio correspondeu a uma decisão tomada no âmbito de discrição administrativa e no qual, "in casu", existem as mais categóricas indicações da ocorrência de "fundados temores de perseguição", sendo incabível a revisão jurisdicional deste ato. Inversamente, o arquivamento do pedido de extradição é ato vinculado, por força do art. 33 da lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997.

12. Indaga, ainda o Consulente se, vindo a ocorrer empate na extradição, deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de "habeas corpus", de acordo com a qual, a teor do art. 146, parágrafo único, o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado?

De acordo com este preceptivo: "No julgamento do habeas corpus, pelo Plenário, o Presidente não terá voto, salvo em matéria constitucional, proclamando-se, na hipótese de empate, a decisão maisfavorávelao paciente."

E claro a todas as luzes que o bem jurídico prestigiado neste comando foi a liberdade. No referido preceptivo a Suprema Corte manifestou sua prévia opção em prol deste valor relevantíssimo e o fez de forma tão assinalada que excluiu a possibilidade de um voto do Presidente assumir rumo que pudesse fazê-lo periclitar. Sendo este, pois - como evidentemente é - o sentido da regra em questão, resulta inequívoca sua aplicação perante situações da mesma compostura, isto é, em que se digladiem duas posições, uma das quais implicaria em fazer soçobrar a liberdade e outra em resguardá-Ia, quando a votação para decidir pela prevalência de uma ou de outra haja abicado em um empate.

Trata-se, já se vê, pura e simplesmente da aplicação da notória regra de interpretação, apontada por CARLOS MAXIMILIANO, nosso mestre maior de hermenêutica, segundo a qual "ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio". "Ou seja: onde existe a mesma razão, prevalece a mesma regra de direito" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 15a ed., 1995, pág. 245).

13. De fato, seria manifestarnente descabido que, existindo um empate quanto à questão de confirmar ou infirmar o refúgio de CESARE BATTISTI fosse negada a opção "favor libertatis" suposta no parágrafo único do art. 146 do RISTF, pois em tal caso dita negativa traria implicada consigo não apenas a perda da liberdade de um extraditando, mas além disto uma perda até mesmo maior do que a admitida pelo direito brasileiro: a prisão perpétua. Deveras, a opção pela liberdade em caso de empate no julgamento de "habeas corpus" é garantida perante gravames à liberdade menos radicais do que os que estariam em pauta na hipótese de extradição de CESARE BA TTISTI, já que, se esta viesse a ocorrer, o sacrificio da liberdade estaria predefinido em termos radicais e absolutos: até a morte do extraditando.

Seria um sem-sentido que o Direito salvaguardasse o menos e deixasse a descoberto o mais; logo, interpretação que abonasse conclusão desta ordem pecaria por ilogismo.

4. Isto tudo posto e considerado, às indagações da Consulta respondo:

I - O ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político a CESARE BATTISTI não configura ato vinculado. Pelo contrário, envolveu o exercício de competência compreensiva de aspecto discricionário, cuja avaliação e consequente decisão não pode ser substituída pelo juízo do Poder Judiciário, maiormente em face das circunstâncias concretas que o envolvem. Já o arquivamento do pedido de extradição é ato vinculado, imposto pelo art. 33 da lei n° 9.474, de 22.07.97.

II - Vindo a ocorrer empate na votação da extradição, deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de "habeas corpus", de acordo com a qual, a teor do art. 146, parágrafo único, o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado. É que, em um e outro caso está presente o mesmo fundamento lógico abraçado pelo Direito, ou seja, o de optar pelo princípio "favor libertatis", o qual se aplica ainda com maior razão em hipótese na qual a extradição implicaria, como ocorre no caso concreto, no agravo máximo à liberdade, ou seja, a prisão perpétua que, de resto, não é tolerada em nosso sistema jurídico.

É o meu parecer.

São Paulo, 21 de setembro de 2009

Celso Antônio Bandeira de Mello"

OAB-SP nº 11.199

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Chuva

uma coisa que me fascina na alma humana é a capacidade que nós temos de, em dados momentos, revelarmos uma amostra do bem que carregamos em nosso ser - aquela mesma que mantemos escondida por medo de sermos considerados fracos - e a dividirmos com os outros, amando e nos deixando ser amados, de uma maneira casual e inesperada. sob a chuva.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cruzeiro x Palmeiras

fazem hoje uma pequena decisão nessa edição do torneio estejam sentindo o peso de se aproximar da liderança, o que há tempos tem favorecido o em BH - no mais qualificado e disputado Brasileirão da era dos pontos corridos. O Palmeiras permanece líder, mas desde o empate contra o Grêmio em casa nos fins do Primeiro Turno para cá, tem perdido chances demais para abrir uma vantagem segura e, neste exato momento, está contando com os (frequentes) tropeços de seus rivais como vimos na última rodada - para além da questão do equilíbrio entre as equipes, é engraçado como os timestime verde; na última rodada, o improvável empate do São Paulo contra o Santo André foi emblemática nesse sentido.

O Cruzeiro em pleno , por sua vez, teve um início de ano arrasador que culminou no título estadual e num bom início de Libertadores e assim foi até a decepção pela derrota na final contra o EstudiantesMineirão - aí veio a ressaca da derrota somada à situação do time no Brasileirão, torneio que não era prioridade logo de início e depois se tornou um problema com a equipe não conseguindo se recuperar; mais tarde, veio um crescimento de produção justamente quando a raposa foi topar contra o três favoritos ao título se tornando uma espécie de fiel da balança no torneio.

Será, sem dúvida, um jogo bastante equilibrado, onde o Cruzeiro, com poucas responsabilidades tem tudo para jogar mais solto, enquanto Muricy deve armar o seu verde para jogar no contra-ataque. Uma derrota verde não significará muito dado o que aconteceu com seus rivais - e o mesmo pode se dizer de um empate -, mas uma vitória hoje certamente jogará um peso enorme sobre os seus rivais. Elas por elas, eu apostaria em um empate.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Cerco à embaixada brasileira de Honduras

Eu tenho acompanhado, consternado, a todo esse embróglio hondurenho desde o começo - e não escrevi nada acerca do mais novo episódio dessa novela simplesmente porque, cada vez mais, compreendo menos o que realmente está acontecendo. Neste exato momento, me vejo às voltas como os meus botões tentando juntar as peças, especular e, quem sabe, chegar a uma teoria aceitável do que se passa por ali; o Presidente de jure da República de Honduras, Manuel Zelaya está na embaixada brasileira em Tegucigalpa depois de ter entrado de finalmente ter conseguido voltar ao seu país. Detalhe: A embaixada brasileira está sitiada por tropas sob as ordens do Governo Golpista e água, luz estão cortadas. O Governo golpista - aquele que a comunidade internacional consensualmente não reconhece - exige que o Governo brasileiro entregue Zelaya.

Venhamos e convenhamos: Um erro bastante recorrente entre muitos pensadores de esquerda é aceitar a visão vendida pela ideologia hegemônica na qual o Direito se resumiria a uma estrutura meramente formal, objetiva e neutra, o que os faz rechaçar prontamente o Direito em si ao invés de demonstrar o quanto essa visão é falaciosa; evidentemente, o Direito possui uma dimensão formal, mas não se resume a ela; ele também possui uma dimensão material e outra substancial que, no entanto, são colocadas de lado pelo doutrinarismo jurídico padrão, principalmente quando se busca determinar o que é um Estado de Direito - o que não deixa de ser astucioso, afinal de contas, se fossemos discutir isso esses dois outros aspectos do fenômeno jurídico, nos pegaríamos diante de uma inevitável crítica ao Capitalismo.

Pois bem, pelo doutrinarismo jurídico padrão, Honduras era um Estado de Direito e estamos diante de um Estado de Exceção. Todavia, eu, aqui do meu cantinho, sustentaria que Honduras jamais foi um Estado de Direito e que o Golpe em questão foi apenas a concretização de uma das várias possibilidades decorrentes das contradições estruturais daquele país. No entanto, tal evento desconstruiu algumas bases que um dia poderiam servir para reversão desse quadro - que, aliás, não difere em essência, talvez apenas em gradação, do que ocorre ao redor do resto do planeta.

Seguindo adiante, vemos os golpistas hondurenhos, que apesar de não contarem com o apoio formal ou público de nenhum Estado ou organização relevante da comunidade internacional permanecem agindo de maneira consideravelmente temerária, o que faz as pessoas razoáveis desconfiarem do que realmente se passa lá dentro. No atual momento, o cerco à embaixada brasileira em Honduras é um sinal significativo do quanto essa situação parece descambar para um desfecho trágico.

Se boa parte das normas do atual Direito Internacional foram produzidas em inspiração de certas normas que já existiam entre as poleis helênicas numa tentativa de civilizar as relações entre Estados e combater a bárbarie, hoje, os sequestradores do povo hondurenho passam por cima de tudo isso e promovem o achincalhe da civilização em um evento histórico cujos desdobramentos históricos, principalmente no que concerne à construção da Democracia no continente, serão pesadamente sentidos - e, ironia das ironias, é nos ombros do Brasil que pesa a resolução disso.

Lula, por sua vez, compreendeu a dimensão histórica desse evento e o Brasil tem trabalhado duro para o desmonte dessa bomba relógio - apesar da simpatia que alguns setores da nossa sociedade nutrem em relação ao que houve na América Central; só resta saber se se esgotarem todas as possibilidades diplomáticas de resolução do problema - e falta pouco para isso acontecer - como reagiremos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Spinoza


"Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus"
- Comentário de Renan sobre a estátua de Spinoza em Haia.

Sem mais comentários. Só achei isso lindo demais para não dividir com vocês.

domingo, 20 de setembro de 2009

Um olhar cego sobre um canto mudo.


Drawing Hands by M. C. Escher, 1948

Se
O Filósofo algum dia esteve certo - e eu suspeito que ele estava certo sobre muito do que falava -, só é possível amar aqueles que um dia poderemos odiar e só odiamos aqueles que um dia amamos. A verdade, meus caros, é que estou enlouquecendo - e só pode haver loucura onde um dia existiu sanidade e só há sanidade onde um dia poderá haver loucura. Essa minha sanidade, no entanto, sempre se mostrou particularmente frágil, creio que ela nunca passou de um miquinho de circo andando num monociclo que caminha sobre um fio de nailón - que, por sua vez, liga a vida à morte.

Há alguns dias passei por uma experiência - não, eu não fumei, mas suspeito ter tragado -, que me fez pensar sobre o quanto as coisas não fazem sentido, mas se não fazem é porque um dia, quem sabe, poderão fazer. É particularmente interessante, ressalte-se, que isso esteja acontecendo também com muitas das pessoas que me cercam, ainda que por motivos diferentes: Talvez isso seja por culpa minha ou porque haja algo grande demais irradiando insanidade pelos poros. A ética se afigura, no fim das contas, como o elemento de mediação entre as nossas razões e as nossas paixões, mas e se não conseguimos ser tão racionais e as nossas paixões são insaciáveis?

As luzes do cinturão de Orion brilham como três sóis que me fazem perceber o quanto eu não posso desaparecer porque, de certa forma, sempre estive aqui e, portanto, sempre estarei - só resta saber como terminará esse breve sonho conhecido como vida, o momento onde a matéria, de repente, toma consciência - e o que é a consciência senão a transcendência do ser? -; é nesse breve instante que ela olha a Criação e a Criação a olha de volta - como diria um certo poeta russo, onde haveremos de morrer, no chão do campo de batalha ou singrando o cosmos? Todos nós queremos que o arco-íris que se materializa por detrás da chuva diga o nosso nome, mas e se ele nos renega? E se o abismo para onde escorre a água, para onde não ousamos olhar, mas que olhamos por instinto, nos olhar de volta e nos fazer nos jogarmos nele pelo fascínio causado pelo encantamento com a escuridão? Certo dia me disseste que o sucesso exige a queda e eu te rebati dizendo que é a queda que exige o sucesso - e é mesmo.

Mas hoje eu não quero provar nada. Para ninguém. Quero declamar a poesia sem palavras, ouvir a melodia sem som, quero continuar amando a mulher que só existe nos meus sonhos - mas teria coragem de vender a alma que não mais tenho para tê-la em meus braços -, quero continuar me maravilhando com aquele lugar lindo para o qual nunca fui, quero rir daquilo que não teve graça e chorar por aquilo que nunca me magoou. Quero morrer apesar de nunca ter vivido - ou será que eu gostaria de viver apesar de nunca ter morrido? Por qual motivo não poderia dançar com Lilith sob a luz da lua? Ah se eu tivesse ainda uma alma...

O Escudo Antimíssil, Obama e a Rússia

A Rússia, desde Napoleão, é um país em permanente estado de sítio com momentos de mais ou menos arrocho; da vitória contra o Imperador francês até a derrota em Sebastopol, o país viveu um momento de relativa tranquilidade. Dali até a Primeira Guerra Mundial, se tornou quase um vice-reino das potências europeias ocidentais enquanto sua sociedade se transformava internamente de forma profunda. A destruição do país na Primeira Guerra e a Revolução Bolshevik botaram a Rússia novamente no mapa. Do Cordão Sanitário de Clemenceau até a Invasão Nazista, o país se viu entrincheirado. Da vitória na Segunda Guerra Mundial até o Governo de Chernenko, o país permaneceu cercado, mas tendo uma zona de manobra no leste europeu - eis a famosa Guerra Fria. De Gorbatchiov em diante, as coisas chegaram em estágios gravíssimos - que se consolidaria com o escudo antimíssil, um dos carros-chefe da política de bushinho e que serviria, supostamente, para proteger a Europa Ocidental de investidas iranianas, algo risível, convenhamos.

Há pouco dias, no entanto, o Governo Americano recuou em relação à construção do escudo antimíssil no Leste Europeu. Tal escudo se constituiria em um complexo e moderno sistema de radares na República Tcheca conjugado a bases de lançamento de mísseis instaladas na Polônia. Portanto, esse deve ser o primeiro recuo americano no que toca sua política de cerco aos domínios de Moscou desde o fim da Segunda Guerra Mundial - e, especialmente, dos anos Gorbatchiov para cá, onde o líder soviético, também conhecido como a Velhinha de Taubaté do Ocidente, conseguiu piorar as coisas para seu próprio país ao trazer o Cordão Sanitário para suas fronteiras. É uma vitória política do federação de Oligarcas que sustenta o curioso Rússia Unida, curiosa agremiação partidária que se mostra como uma espécie de partido único, só que dissimulado, da Rússia contemporânea. É o partido que apóia Putin, ainda que o atual primeiro-ministro não seja filiado formalmente a nenhum partido político.

Também é um lance razoável da administração Obama. Já disse aqui e insisto: Os EUA, a cada ano que passa, perdem uma fatia da economia mundial e hoje a proporção do PIB mundial que eles possuem é menor do que a soma das economias de Brasil, Rússia, Índia e China - o chamado BRIC. Portanto, tentar suprir perda de poder econômico com aumento do poder militar é a melhor estratégia para o desastre - se o chamado keynesianismo de guerra fosse uma saída sustentável, o país não se encontraria nessa situação nem a União Soviética teria quebrado. O que o papel de um presidente americano hoje é, sobretudo, construir estruturas multilaterais de natureza econômica e também de segurança para tirar o ônus do país seja de polícia ou de centro da economia mundial. Haverá quem diga que eles não farão isso porque é disso que os EUA vivem, mas aí eu responderei que é até a página 2; poderosos grupos com uma influência gigantesca em Washington vivem disso, mas o povo americano, de Reagan para cá, tem, na verdade, arcado com o ônus; a economia do país é, na verdade, parasitada por esses grupos.

A grande pergunta a ser respondida no que concerne ao futuro dos EUA é até onde Obama e seu grupo de reformistas tem poder, capacidade e disposição para promover a mudança estratégica que o país precisa - e, note, trata-se de uma das maiores e mais necessárias mudanças desde o New Deal. Por outro lado, esse recuo americano em relação ao Leste Europeu, pode ter desdobramentos na relação entre Moscou e Caracas, o que pode fazer o romance entre os dois arrefecer rapidamente - ainda que entre a variável de que os russos têm na exportação de armamentos o seu segundo sustentáculo econômico, perdendo apenas para a exportação de hidrocarbonetos; ainda assim, se no cálculo de forças compensar, pisar no freio no que toca Caracas não me parece impossível. Aliás, um movimento nesse sentido não seria bom para o Brasil por conta da penetração militar americana na região, seja com a IV Frota ou com as bases colombianas (enfim, quanto mais forte for esse foquinho anti-americano na Venezuela, melhor para o Brasil).

Ganha também o povo da Europa Oriental, colocado em perigo por suas lideranças corruptas e entreguistas que há anos têm aceitado ser o Cavalo de Tróia dos EUA na região, seja por meio do frequente boicote aos russos ou na sabotagem do projeto europeu. Os russos em si, vão ter um pouco mais de espaço de manobra para respirar, o que é importante nesse momento, onde as falhas do modelo que Putin implementou há dez anos atrás vieram à tona de maneira catastrófica com a atual Crise Mundial. No cômputo geral, creio que o mundo saiu ganhando com isso daí se pensarmos no longo prazo.

Atualização das 15:47: Acrescentei um link do Time que eu pesquei no NPTO bem onde eu tinha escrito Velhinha de Taubaté do Ocidente - honestamente, creio que nem mesmo o mais ocidentalista líder ocidental da História chegou a acreditar tanto nesta banda do mundo quanto Gorby; o negócio era tão bizarro que Mitterrand e Thatcher chegaram a pensar que tudo aquilo se tratava de algum plano genial dele...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Indicação de Toffoli para o STF


Há alguns meses atrás, defendi que o problema do STF, mais do que qualquer Gilmar Mendes da vida, é a sua estrutura. De lá para cá, nada aconteceu para que o meu entendimento mudasse. Creio que a idade mínima de 35 anos é, de fato, muito baixa assim como a possibilidade de alguém ser Ministro do STF, uma corte política, de forma vitalícia trata-se de um grave erro - oito anos, tal como o Senado, já estaria de bom tamanho.

Vejo hoje que a escolha dos ministros, por sua vez, deveria se dar por meio de um sistema que ponderasse, por exemplo, votos dos magistrados, advogados, membros do MP para finalmente chegarmos à sabatina no Congresso - da qual o eventual aprovado iria, só aí, para as mãos do Presidente da República no sentido dele sancionar, ou não, esse nome.

Finalmente chegamos ao assunto jurídico da vez, a indicação de José Antônio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União, para o cargo de Ministro do Superior Tribunal Federal - na vaga deMenezes Direito, falecido há pouco e conhecido por suas posições conservadoras, mas também indicado pelo Presidente atual.

Lula errou? Vejam só, ele errou por não ter tido coragem e competência para reformar o STF quando da chamada mini reforma do Judiciário, mas não aqui, onde, usando o sistema consagrado pela Constituição de 88, indicou o candidato que entendeu como o melhor - portanto, estamos falando de um procedimento que se deu de forma perfeitamente legítima.

Agora, dentro disso, tecnicamente, foi um erro a indicação de Toffoli? Não, não foi. Partindo da premissa de que não há problema algum com essa estrutura do STF e de que ele é uma corte política e não técnica - em um sentido estrito -, estamos falando da escolha mais feliz do atual mandatário para a referida corte.

Se há algum tempo, GM foi o nome juridicamente mais capaz para assumir o legado - e o ônus - do Governo FHC no âmbito judiciário, Toffoli certamente significará o mesmo para o legado - e o ônus - dos anos Lula - e, levando em consideração o quanto Gilmar Mendes reflete o que foi o Governo FHC, creio que Toffoli, se aprovado, será o mesmo em relação ao Governo Lula, seja nas suas virtudes, defeitos ou inegáveis contradições.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Você Prefere uma Obra ou um Destino Humano?


Sempre escutei essa pergunta do grande Antônio Abujamra, no seu Provocações. Eu sempre matutei para chegar a uma resposta razoável para ela e, hoje, diria que o destino humano é a obra, mas não qualquer obra, na verdade, aquela que transcenda o nosso tempo de vida e seja útil para os nossos semelhantes - ainda que os deixe tristes, como diria um certo A.Tarkovsky, mas que sirva para o seu engrandecimento intelectual, psicológico e, sobretudo, espiritual. Há quem pense diferente. Seria, por exemplo, possível desvincular de modo decisivo a nossa dimensão 'cultural' da nossa dimensão 'natural'? Não estaria a primeira fundada na segunda? Ou não? E se você que agora está me lendo, qual seria a sua resposta para a indagação primeira?

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Chile: 11 de Setembro e a Síndrome de Sulla


Hoje, nunca é demais lembrar, completa trinta e seis anos o golpe miltar que resultou na cruenta ditadura de Augusto Pinochet no Chile. Coisa horrível. Até aquele momento, o Chile, apesar de seus problemas, era uma das sociedades mais desenvolvidas do continente com uma vida artística e intelectual bastante ativa - tudo isso abruptamente interrompido por uma movimentação da elite daquele país em conluio com os EUA e os militares contra o Presidente socialista Salvador Allende e o povo. Um golpe violento com direito a bombardeio ao palácio presidencial e a chacina das forças pró-governo - inclusive, com fuzilamentos realizados nos estádios de futebol como no caso de Victor Jara, intelectual, cantor e teatrólogo, morto a tiros não sem antes ter tido as mãos amputadas. Salvador Allende, por sua vez, após ter resistido bravamente no Palácio de la Moneda, cometeu suicídio. É o curioso notar esses quando se viu perdido. Aquilo foi o início de um sanguinolento regime que reprimiu, matou e deu nas mãos de um elite perdulária boa parte das empresas públicas - a preço de banana -, gerando uma das maiores desigualdades sociais do continente. É perturbador analisar os fenômenos totalitários ao longo da História: São fenômenos sociais e políticos, onde a massa ensandecida se divide entre o apoio ativo e a passividade bovina diante do descalabro - esqueça Hitler, Mussolini ou Stalin; já em Roma podemos ver algo análogo com a ditadura de Sulla, o primeiro a desrespeitar as leis sagradas da República Romana. Essa insanidade brutal transcende à questão do próprio capitalismo - apesar de por ele ser potencializado -; é necessário lançar mão de um olhar antropológico e decifrar esse enigma.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Pré-Sal

(O Grito- Munch)

"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”


De um certo Karl Marx em um 18 de Brumário. Será que tem a ver com toda essa história do pré-sal? Eu não sei quanto a vocês, mas creio que nós achamos a nossa nova UDN. Não me canso em repetir que se tem um partido grande no Brasil que conseguiu piorou mais do que o PT nos últimos dez anos, ele é o PSDB. A implicância com essas reservas de petróleo parecem com bolsa-família; no começo, ele era ineficiente, depois passou a ser chamado de esmola. Aqui, primeiro não havia petróleo algum, era mero 'populismo', depois o petróleo era de má qualidade, agora o Governo quer fazer 'populismo' - ê palavrinha - com o petróleo. É a velha lógica freudiana da chaleira. Nessa história toda,meus caros. só o humor salva mesmo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ponderações Políticas e Jurídicas sobre Cesare Battisti


Esta semana, será apreciado o pedido de extradição de Cesare Battisti, italiano, ativista de esquerda com atuação nos chamados anni di piombo e condenado na Itália por supostos homicídios cometidos nessas ações armadas - condenação amparada no depoimento de Piero Mutti (líder da organização em que Battisti atuava) feita no regime de delação premiada. É uma história longa e confusa que o João Villaverde explicou muito bem há alguns meses lá no seu blog.

Pois bem, Battisti fugiu para a França e lá viveu durante anos protegido pela Doutrina Mitterrand - um ato normativo do Presidente da República Francesa que concedeu asilo para muitos ex-combatentes italianos dos anos 70. Com a derrubada dessa Doutrina pela Conselho de Estado francês, Battisti, que havia reconstruído sua vida naquele país e se tornado premiado escritor de romances policiais, se viu obrigado a fugir, passou pelo México e acabou no Brasil, onde foi preso no Brasil pela nossa Polícia Federal.

Dali em diante, Battisti, preso na carceiragem da Polícia Federal, iniciou uma luta inglória para não ser extraditado para a República Italiana. Ele conseguiu uma vitória importante ao ser reconhecido como refugiado pelo Governo Brasileiro, o que acirrou os ânimos tanto da direita berlusconiana - ora no poder por aquelas terras - quanto pela direita brasileira, sempre no afã de atacar gratuitamente o Governo Petista custe o que custar - ainda mais quando ele se presta a aplicar o direito positivo pátrio, o que nesse acabou favorecendo um ex-ativista de esquerda, sendo que em situações similares, como a do ex-ditador paraguaio (e de direita), Alfredo Stroessner o silêncio foi ensurdecedor, o que apenas demonstra o quanto a posição política do refugiado importa.

Mais do que isso, os posicionamentos histéricos de figuras progressistas como o jornalista ítalo-brasileiro Mino Carta e do jurista Wálter Fraganielo Maierovitch, ambos misturando alhos com bugalhos - e de maneira ofensiva -, apenas provaram o quanto os problemas italianos dos anos 70 ainda estão mal resolvidos.

Vamos direto aos pontos: Legalmente, a extradição de Battisti é impossível. O art. 4º, X da Constituição Federal dispõe claramente que um dos princípios concernentes às relações internacionais que regem a República Federativa do Brasil é, justamente, o da concessão do asilo político. O art. 5º, LII, por sua vez, assevera que não é permitida a concessão de extradição para estrangeiros por crime político ou de opinião. A jurisprudência do STF reconhece que os crimes conexos aos crimes políticos - ou de opinião - também não permitem concessão de extradição. Por fim, o art. 33 da Lei 9.474/97 prevê que o extraditando não pode ser considerado, oficialmente, como refugiado pelo Governo brasileiro. A punibilidade não pode estar extinta por prescrição pela lei brasileira ou pela lei do Estado requerente - e está aqui no Brasil, haja vista que os ditos crimes aconteceram há mais de vinte anos.

Enfim, o debate se Battisti é ou não culpado dos crimes pelos quais foi condenado - e eu não apostaria nisso pela maneira como o processo foi conduzido à época - é irrelavante à luz do nosso direito positivo; ele não poderá ser extraditado e qualquer coisa que aponte nesse sentido será uma decisão de cunho político - e, atentem, rasgará de vez a nossa Constituição.

Resta analisar o fenômeno político por detrás de tudo isso: Escrevo tanto sobre a ensandecida direita italiana que, por ora, governa aquele país e tem agido de forma desrespeitosa com o Brasil, mas também faço referência à maior parte dos nossos setores direitistas, ávidos por atacar qualquer coisa que se mova, faça sombra e não pareça pertencer aos anos 20 - seja por sua falta crônica de conteúdo programático ou por sua ausência total de capacidade crítica. Também está se operando uma falsa conexão entre o caso Battisti e a punição aos torturadores do regime militar brasileira; concorde você ou não com Battisti, parta você ou não do pior cenário possível, mas ainda assim essa simetria é falsa: Estamos falando de um pessoa que nunca sequestrou um país ou agiu sob à sombra confortável do Estado, muito pelo contrário - isso não passa apenas de um factóide com terceiras intenções.

No entanto, esperemos; no alto de meus vinte e poucos anos de idade, já não me surpreendo com mais nada...

Atualização de 09/09/09 às 22:28: A sessão foi suspensa marcando 4x3 em favor da extradição. Prometo, assim que puder, uma análise mais apurada da questão, mas o que dá para adiantar rapidamente é como o Direito foi preterido pela política nos votos de Peluso e Elen Gracie - o que não me surpreende, mas no que toca Ayres Britto e Lewandowsky, sim. Eros Grau, Carmén Lúcia e Joaquim Barbosa deram votos tecnicamente bons. A sessão foi suspensa e ainda faltam os votos de Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. A coisa está feia.

domingo, 6 de setembro de 2009

A Crise na Academia Brasileira

(Pátio da Cruz, PUC-SP, no apagar das luzes)

Como já tratado aqui há algum tempo, a relação entre Academia e Capitalismo é contraditória. A Academia não precisa do precisa do referido Sistema de Produção, aliás, lhe é historicamente anterior e lhe será posterior - supondo que o Capitalismo não leve a humanidade à extinção, o que não é uma hipótese afastável logo de cara -, porém, o Capitalismo precisa da Academia - e é aí que entra a contradição: Esse sistema de produção, por conta de sua natureza, se vê às voltas com crises que lhe são inerentes, portanto, mais do que a produção de conhecimento técnico - no sentido contemporâneo de "técnico" -, ele necessita de uma produção teórico-reflexiva radical que sirva para lhe retirar dessas suas crises periódicas por meio do implante de enxertos em suas estruturas. É justamente na Academia onde se produz ese tipo de coisa.

Evidentemente, ao abrir espaço para essa produção teórica, um flanco importante é aberto; teorias que ameaçam o sistema surgem, o que obriga os agentes políticos capitalistas a montarem um intrincado sistema de controle dos intelectuais, o que se materializa em um poderosissímo esquema de cooptação dos intelectuais acompanhado de outro, que serve para a neutralização dos intelectuais não-cooptados. Isso resulta no bloqueio político da inteligentsia não-cooptada conjugado com um processo de fagocitose da parte de suas ideias e reflexões - mais ou menos como ocorre nesse processo de apropriação do conceito marxista de feitiche da mercadoria pela indústria do marketing. Esses flancos é de onde, curiosamente, pode surgir a chave para o desmonte do próprio sistema e mesmo que isso seja notório, o sistema precisa manter as condições para que eles existam, sob pena de perder sua capacidade de recomposição.

A questão acadêmica no Brasil, por sua vez, reflete o padrão acima descrito com as ressalvas concernentes ao fato deste ser economia capitalista periférica e ter inquestionáveis idiossincrasias históricas: A Academia brasileira nasce com contornos inegavelmente elitistas, mas com certo atraso e um ranço próprios da Academia lusitana. O primeiro divisor de águas desde a Faculdade de Direito de Olinda (1927) é 1930; o nacional-desenvolvimentismo e o industrialismo da Era Vargas resulta num projeto de país, o qual para ser executado, necessita da construção de uma estrutura universitária de porte - e é sobre os ditâmes do positivismo que é erigido o edifício universitário brasileiro, cujo maior expoente é a Universidade de São Paulo (1934). Em resposta a isso, vemos o crescimento das Universidades Católicas, como a PUC de São Paulo, fundada em 46.

As universidades brasileiras são profundamente influenciadas pela pensamento marxista no pós-guerra - o que chega mesmo à PUC-SP, onde a Teologia da Libertação exerce influência considerável, resultando num dos maiores pólos de contestação e efervecência política na São Paulo dos anos 70 e 80. Temos aí um paradoxo; se a implacável ditadura militar pós-64 marca o êxito dos setores mais reacionários assumirem as rédeas do país, por outro, toda a efervecência intelectual forjada nas décadas anteriores não chega a ser varrida, mas sim serve como base para a resistência silenciosa - ou nem tanto - em relação ao regime.

Evidentemente, esse clima político leva a estagnação do pensamento nacional, o que, entretanto, não se resolve com o retorno à Democracia Formal no em 1988. O desmonte do Estado Varguista - justo, mas feito pelos motivos errados -, resulta num sucateamento das Universidades estatais acompanhado do sufocamento economico de certas universidades privadas - via corte de subsídios - e a expansão das universidades de baixa qualidade, verdadeiras fábricas de diplomas - na verdade, cursos "profissionalizantes superiores", verdadeiros fast foods universitários. Somado a isso, a escola pública é sucateada e a escola privada ascende, promovendo, ressalve-se, um ensino tecnicista pautado pelo vestibular do final de ano.

Temos, portanto, certos grupos de interesse específico, com o fim da profissionalização no antigo segundo grau, ganhando espaço e expandindo redes pseudo-universitárias. Por outro lado, também se constata a criação de uma hierarquização acadêmica, onde o diploma das Universidades estatais, por motivos óbvios, passa a valer mais - assim como alguns bolsões de resistência ainda se mantêm ativos, geralmente nas faculdades de ciências humanas. No Governo FHC, ocorre um fenômeno onde a Academia sai da órbita de parte essencial do projeto de desenvolvimento capitalista para ser ela mesma mera prestadora de serviço - o que, reitero, é incongruente com as próprias necessidades do capitalismo.

O Governo Lula, por sua vez, consegue resultados paradoxais; se por um lado a União volta a investir nas suas federais, ampliando salários e a própria estrutura delas - num processo que resulta no próprio aumento de vagas -, por outro, as condições para a abertura de uma Universidades são novamente afrouxados, o que favorece as universidades "comerciais". O PROUNI, programa que oferece bolsas de estudo em universidades privadas - em troca da concessão de isenções fiscais para as mesmas -, ao mesmo tempo em que gera um aumento significativo na oferta de ensino superior gratuito, erra ao não diferenciar universidades privadas de ponta das de baixa - ou baixissíma - qualidade.

O estado de São Paulo, governado há anos pelo PSDB caminha pior ainda na sua política para o ensino superior; as vagas nas universidades estaduais deste estado simplesmente não são aumentadas e cria-se uma doutrina de elitização das mesmas - enquanto proliferam as universidades privadas comerciais. Por outro lado, se opera um violento esquema de desrespeito à autonomia universitária, por meio do uso absurdo - e ainda vigente - da indicação de reitores como forma de manter o controle interno, além e uma intervenção mais ostensiva como no caso da secretaria para o ensino superior, além do jogo político-partidário na USP.

Aliás, há que se ressaltar como o preceito constitucional da autonomia universitária é sumariamente desrespeitado pelo país. Ainda que o caso paulista seja mais acintoso, ele se repete pelas federais. No caso das universidades católicas, ele se opera de uma maneira diferente, mas não menos danosa: Como reiteradas enciclícas de Bento XVI expressam, há uma política de enquadramento por parte do Vaticano em relação às suas universidades pelo mundo, o que impacta diretamente sobre as universidades católicas com tendências mais progressistas - como Louvain, na Bélgica, e São Paulo. Aqui, isso acontece sob as barbas do Estado que reage com ensurdecedor silêncio.

No caso da PUC de São Paulo, assiste-se uma situação absurda, onde o novo estatuto da universidade proclama como órgão superior uma espécie de triunvirato chamado Conselho Administrativo composto pelo Reitor - eleito pela comunidade e referendado pelo Cardeal Arcebispo de São Paulo - e por dois secretários advindos da mantenedora da Universidade, a Fundação São Paulo, em outras palavras, a Igreja - não à toa, ambos os secretários são padres. Trata-se de um óbvio Estado de Exceção, o que, em se tratando de uma universidade que historicamente foi autogerida e comandada por um reitor eleito pela comunidade - com o primeiro colocado sempre referendado pela Arquidiocese, talvez por isso não retiraram esse regra perigosa - e que serviu de abrigo para os mais diferentes grupos perseguidos nos tempos da Ditadura, inclusive. servindo de abrigo para os anarquistas - essa situação de sujeição beira à insanidade.

É nesse vácuo de projetivo de 88 para cá, abalado apenas em algum grau pela tentativa lulista nos últimos anos, que a Academia brasileira segue um caminho tortuoso quando, na verdade, o advento do fim da Ditadura e da consagração da social-democracia deveriam ter tido efeito contrário. Essa desarticulação é nociva para o próprio capitalismo nacional e, numa prova de como os defensores do quanto pior, melhor estão errados: Vê-se, cada vez mais, que depois da tempestade, só restam os escombros e sobre eles não há como se construir nada.

Atualização de 08/09 às 22:30: Não percam a série que o Maurício Caleiro iniciou hoje em seu blog, "Repensando a Universidade Brasileira".

Brasil Classificado e mais um Pouco de Futebol

Ontem também foi dia de Seleção Brasileira. Como já coloquei aqui, é um bocado estranho ver disputas entre seleções nacionais de futebol num mundo futebolístico praticamente desnacionalizado. Jogos entre seleções da nossa América do Sul então, nem se fala; são catados das mais variadas partes da Europa - não raro, pondo frente a frente colegas de clubes na Itália ou na Espanha. Elas por elas, o Brasil, maior país do mundo entre aqueles onde o futebol é o principal esporte, prossegue sendo o melhor time, ainda que na prática, a conjunção de questão tocantes à economia global e a inépcia da sua organização interna, funcione como mero exportador de talentos para o mercado europeu. Nessa conjuntura, Dunga, ex-capitão da Seleção, conhecedor dos meandros da burocracia da CBF e sujeito com caráter acima da média entre os seus pares, prossegue fazendo um trabalho espetacular: Ganhou todos os títulos que disputou com o time principal (Copa América e Copa das Confederações) e ainda levou a classificação para a Copa do ano que vem no bico, após uma vitória lapidar contra a Argentina de Maradona em Rosário por 3x1. Dizer mais o que?

Ontem, o Palmeiras, com certa dificuldade, bateu o bom Barueri em casa por 2x1. O desfalque de Pierre até o fim do campeonato vai ter um peso muito grande e o jogo de ontem foi bem emblemático nesse sentido - ainda que seja digno de nota os desfalques de Maurício Ramos (contundido) e de Armero (convocado para a Seleção Colombiana), o que desfigurou mais ainda a - boa - defesa do time. Claro, com Vágner junto de Obina é provável que o poder de fogo da equipe aumente e isso passe a compensar os gols a mais que o time pode levar. De qualquer modo, a suada vitória palmeirense joga uma pressão tremenda sobre o Inter - que vai à Santa Catarina pegar o indigesto Avaí - e o São Paulo - que terá uma pequena decisão com o Cruzeiro em BH, dado o fato que os mineiros ainda têm alguma chance de chegar na Libertadores e estão conseguindo resultados interessantes neste Segundo Turno.