segunda-feira, 30 de novembro de 2009

América Latina: Uruguai e Honduras

(Artigas na Cidadela - Juan Manuel Blanes - retirada daqui)

A América Latina, segundo o mestre Eduardo Galeano,
é o reino dos paradoxos - e eu creio que seja mesmo. Quando estávamos tão esperançosos nos anos do pós-Guerra e as nossas contradições nos pegaram de calças curtas: Pagamos um alto preço pela nossa juventude - a mesma juventude que era, ao mesmo tempo, a nossa maior virtude diante de um velho mundo esclerosado, cinza e em escombros. O Nosso clamor por Democracia, por incrível que pareça, sobreviveu, mesmo depois de ter sido pisado pelas botas dos generais e depois esfrangalhado por essa quimera chamada Neoliberalismo.

Crescia a certeza de que aquelas trevas poderiam ser eternas e junto com elas se agigantava a concepção de que a nossa tarefa, dali por diante, seria de apenas e tão somente carregar algumas velas para iluminar alguns metros mais adiante; de repente, o dia cismou em nascer - e nasceu. O início do século 21º começou de uma maneira bisonha para a maior parte do mundo: Os atentados de 11 de Setembro de 2001 como a tragédia (farsa?) necessária para a escalada da xenofobia, do racismo e do belicismo que estavam ali, sendo cozinhados juntinhos e com muito cuidado no "primeiro mundo". Para nós, não: Ele nasce com a vitória de governos progressistas que se prestaram a desmontar, em maior ou menor grau, a estupidez a qual estávamos (aparentemente) condenados.

O primeiro grande balde de água fria nesse processo foi o Golpe em Honduras. Golpe típico da nossa história em uma época atípica, um Paradoxo doloroso, sem dúvida. Logo em seguida, nos vimos diante de algo que se parece com o enredo dos nossos melodramas televisivos; as idas e vindas de um processo interminável ao qual estamos nos sentimos compelidos a assistir e perante o mesmo as nossas recém-nascidas e incrivelmente robustas instituições multilaterais lutavam com unhas e dentes pela não-interrupção do avanço da Democracia no continente; seus adversários iam desde um Imperialismo embolorado, escamoteado e dando seus últimos sinais de vida até o nosso próprio quintacolunismo crônico e paranóico.

Hoje, temos dois motivos para comemorar para só depois retomarmos a luta, afinal, nem só de peleja se constitui uma guerra:

O primeiro diz respeito ao fracasso da eleição farsesca em Honduras, cuja taxa de abstenção ficou entre 65% e 75% do eleitorado - isto é, algo entre dois em cada três hondurenhos e três em cada quatro não foi às urnas. Ainda estamos falando de uma longa luta, mas o povo de Honduras deu, em meio às circunstâncias, a mais potente resposta que poderia ser dada, por mais que a nossa mídia corporativa cisme em distorcer fatos e torcer ideias.


O segundo concerne à vitória de José Mujica no Uruguai, esse pequenino país, terra de José Artigas e do nosso bom Galeano - símbolo, em um dado momento, do que podíamos e gostaríamos de ser: Prósperos, pacíficos e possível, mas que acabou arruinado pelos mesmos motivos que quase todos nós; no entanto, depois da sua morte ter sido declarada, esse nosso pequeno estandarte cisma em renascer e agora, com a vitória do tupamaro Mujica, uma das figuras mais dignas e sacrificadas da política latino-americana, volta a nos dar o exemplo - se mesmo aquele que é um dos menores de nós pode ousar tanto, qual o motivo para nós não seguirmos o mesmo caminho?

sábado, 28 de novembro de 2009

A Crise no Movimento Estudantil

(foto retirada daqui)

Dois posts muito bons recentemente escritos sobre o atual momento do Movimento Estudantil são "A divisão da esquerda entre os estudantes" do João Villaverde e "Eleições DCE-USP, Falência da Esquerda e o Fascismo" do Tsavkko - eles foram escritos separadamente e sem combinação prévia, mas se complementam incrivelmente bem, pois abordam os dois lados da moeda desse fenômeno bisonho que se abate sobre o ME brasileiro e é marcado tanto pela sectarização definitiva de boa parte da esquerda quanto pela ascenção de uma direita universitária com propostas à direita do liberalismo contemporâneo.

De um lado - aquele que o
João abordou - temos os mesmo grupelhos de esquerda normalmente ligados a partidos políticos de extrema-esquerda que reproduzem uma leitura vulgar do Marxismo e da Política, remontando muito mais ao burocratismo soviético com pitadas de socialismo reacionário do século 19 º do que ao socialismo científico que eles se reivindicam como seguidores. Está tudo lá: A veneração religiosa da práxis política, desdém pelo debate teórico e pela reflexão, orientação das ações por dogmas e não por preceitos, alienação em relação às questões do seu tempo, fracionarismo pueril, clichês etc. Trata-se de uma espécie de filosofia idealista não-dialética que resulta em grupos oposicionistas à ideologia vigente, mas não antitéticos a ela - que, como frisa bem o camarada Villaverde em seu post, brigam entre si fazendo acusações malucas contra os outros quando estão defendendo as mesmas coisas; em suma, isso apenas retrata essa incapacidade em superar ideias que se manifesta apenas no mero oposicionismo ao que lhe parece errado.

Do outro lado - na parte que o
Tsavkko abordou -, temos a ascenção da direita em cima dessa esclerose da esquerda e do clima de desinteresse democrático gerado em decorrência; surgem propostas demagógicas como a venda de ideias de apartidarismo que escondem nada mais, nada menos do que uma estratégia reacionária alinhada com os interesses das diretorias das faculdades e com as Reitorias, devidamente controladas por interesses político-partidários - ou até mesmo religiosos, dependendo do lugar.

Recentemente, na Faculdade de Direito da PUC vivemos algo parecido. É verdade que nunca existiu uma Esquerda propriamente dogmática na nossa FD, mas em um dado momento de 2007, ela se moveu para fora do CA por acreditar que aquela instituição não era exatamente o melhor instrumento. Vivemos um período de limbo em 2008 que abriu espaço para a vitória, há um ano de um grupo não muito diferente dessa Reconquista. Vivemos um longo ano de reformas meramente estéticas, palestras-show sem nenhum vínculo com um verdadeiro debate político, políticas alinhadas com a Reitoria e a Diretoria da FD e a sempre cômoda prerrogativa da neutralidade e do apartidarismo - o que durou até o Presidente do CA se filiar ao
DEM.

Conseguimos reverter isso, mesmo cometendo alguns erros ao longo de um ano e vencemos as eleições para o nosso CA. A nossa vitória prova, de certa maneira que, hoje, o único caminho para a Esquerda é a busca pelo diálogo, a vinculação com preceitos e não com dogmas, a primazia pelo debate interno e pela reflexão. Não é um caminho fácil, principalmente porque nós estamos muito embebidos por certos vícios intelectuais e práticos que remontam a uma conjuntura acadêmica totalmente diversa dessa que vivemos; nos últimos vinte anos, a Academia foi simplesmente virada de cabeça pra baixo no Brasil e não há mais como operar politicamente com os paradigmas do auge do Movimento Estudantil - portanto, é necessário tocarmos a dura tarefa da nossa
própria reinvenção.

Também há o fator da própria juridificação da vida dos últimos anos: Hoje, as dificuldades administrativas internas de um CA são tão grandes que chegam a um nível impensável há trinta anos atrás, seja porque alguns CA's - como o nosso - são pessoas jurídicas ou mesmo porque essa avalanche normativa que nos soterra também é capaz de engolfar e até mesmo paralisar organizações feitas para atuar politicamente.

Em suma, a Esquerda tem uma dura tarefa: Com o perdão da polêmica,
se ela não enterrar a múmia de Lenin e não aprender a ler Rosa Luxemburgo, sairá derrotada assim como todo o Movimento Estudantil - pelo menos em sua verdadeira acepção, ou seja, de espaço legítimo para a defesa dos interesses dos estudantes e de seu braço para atuar fora dos muros da Academia intervindo na realidade social que nos cerca. Nós temos de retomar o espírito de 68, não exatamente os mesmo métodos e caminhos porque isso é o oposto do que aquilo significou.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ahmadinejad, PSOL & Marina e a Candidatura Dilma

Pois é, tudo isso daí, de alguma forma se interliga. Aliás, como quase tudo que acontece no Brasil de hoje, tudo isso gravita em torno da figura do PT e de Lula - seja por inevitável atração magnética ou porque, de algum modo, alguém ligou isso a eles de forma arbitrária, desconexa e eleitoreira: O PSDB, principal agremiação da oposição à direita, se tornou uma espécie de contra-PT; desde que o projeto neoliberal foi para o vinagre no país (e agora no mundo), o partido do tucanato se viu perdido, não passa de um organização pautada pelo que o Governo faz, dirigindo-lhe uma crítica normalmente desqualificada. Por sua vez, a oposição à esquerda, no lugar de desenvolver um progama suficientemente coeso para servir de antítese ao projeto petista, acabou por ser apenas e tão somente contrário a tal projeto - notem as sutilezas da dialética, esse é o problema do PSOL. Alguns fatos que aconteceram ao longo da semana são bastante emblemáticos no que concerne a essa problemática político-partidária. São eles a visita do presidente iraniano Mohamed Ahmedinejad e a aproximação do PSOL à candidatura Marina Silva.

A visita de Ahmadinejad

Na visita do presidente iraniano Mohamed Ahmadinejad bastante disso veio à tona. Criticar o chefe de Estado por receber um líder estrangeiro chega a ser absurdo; a argumentação purista de que não deveríamos recebê-lo é patética, se fossemos lidar apenas com modelos bons de Democracia, acabaríamos por romper relações diplomáticas até mesmo com os EUA.

Curiosamente, os mesmos que tiveram essa ataque histérico com a vinda de Ahmadinejad são aqueles que calaram para o fato de que Presidente de Israel também ter sido recebido dias antes - e são os mesmos que criticam o Ministério da Justiça por ter concedido status de refugiado a Cesare Battisti; talvez sejam os mesmo que ignoram o fato de que foram aceitos no país guerrilheiros bolivianos de direita que se envolveram na recente agitação anti-Governo em Pando.

Aliás, não posso deixar de assinalar o quão jocoso foi o fato da Folha de SP chamar o candidato à Presidência - e Governador de São Paulo nas horas vagas - José Serra para escrever um artigo criticando o Governo brasileiro por receber Ahmedinejad. Uma prova do grau de partidarismo a que chegou a nossa mídia corporativa e, ao mesmo tempo, um demonstrativo do nível de desespero do candidato Serra.

Temos de um lado, portanto, uma mídia pautando a oposição à direita que parece mais perdida do que cego em tiroteio e um demonstrativo das de quais tipos de interesse realmente gravitam em torno da candidatura Serra.

Marina e o PSOL


Em um primeiro lugar, eu acredito que o PSOL é um ator que pode ser extremamente importante para a Democracia brasileira. O PT, admitam ou não, tornou-se uma agremiação de centro-esquerda. Enquanto isso, outros partidos menores ocupam a extrema-esquerda. Resta um vácuo bem no meio disso e era aí que o PSOL deveria estar - até porque não há nenhum partido ou movimento que ocupe esse espaço. No entanto, o Partido se perde na sua profunda fragmentariedade.

Aliás, dentro do PSOL há consensos entre seus membros sobre as discordâncias, mas há poucos consensos que façam a agremiação rumar na direção de um projeto suficientemente coeso e congruente. É necessário que o partido entenda o que diabos significa ser contraditório a um determinado projeto e diferenciar isso da mera contrariedade: Ser contraditório a um muro é atuar com ele de maneira a supera-lo, quem sabe arranjando uma escada ou uma corda para tanto; ser contrário a um muro é encostar sua cabeça nele e empurrar bem forte para que ele caia.

Dentro desse contexto, Heloísa Helena, ex-candidata à Presidência pelo PSOL há três anos atrás, surpreendeu e, enquanto os seus correligionários discutiam - e prosseguem discutindo - o lançamento de uma candidatura própria, ela resolveu declarar apoio à candidatura da ex-petista Marina Silva, o que representou um duro golpe para o Partido, tanto pela forma como isso foi conduzido quanto pela materialidade do que aconteceu: A candidatura Marina não representa uma opção mais à esquerda de Dilma, ao contrário, ela está, quando muito no mesmo nível - enquanto nas questões concernentes às liberdades individuais está atrás, bem atrás.


Isso é bastante complexo porque apesar de HH ter tornado um ícone em um dado momento sobre as mudanças internas do PT - e até da truculência desse processo -, ela também nunca foi exatamente um arquétipo de lutas pelas liberdades individuais, se pautando por uma visão de esquerda cristã não muito progressista nesse sentido
. Assim, a situação atual longe de revelar as contradições internas do PT, aponta para as contradições psolistas.

As Eleições Presidenciais


As recentes pesquisas para as eleições 2010 apontam para um crescimento da candidatura Dilma e uma queda da de Serra. O ponto central é que na medida em que mais eleitores declaram sua intenção de voto, menos Serra cresce, o que aponta para uma direção na qual uma transferência de votos de Lula para Dilma é cada vez maior. Em outras palavras, o PT prossegue pautando o jogo político no país e os seus adversários não sabem como reagir a isso; Dilma não é uma figura ainda tão conhecida e já está apresentando resultados impressionantes.

Seria isso bom? No que toca a Democracia brasileira não é - e a explicação para isso é a forma pela qual esse processo está acontecendo. O PT governa sim com muitos méritos, tem números bons para apresentar e ainda uma base de comparação muito fraca para trás, mas o que o Partido tem para apresentar em termos de transformação para o futuro, não é muito; a resolução das contradições internas do Partido, desde o fim da dicotomia entre petistas puros x infiltrados gira em torno da questão do partido escolher entre a via socialista ou via social-democrata. A Carta ao Povo Brasileiro foi, na verdade, um documento suficientemente relevante nesse debate.

As crises das estruturas do Partido quando do Governo Lula e a sua dificuldade em lidar com as instituições - o que é um problema da esquerda mundial -, enfraqueceram o Partido da Estrela enquanto agremiação política. Nada, no entanto, foi tão nocivo quando a existência de uma oposição tão desqualificada, seja lá dos lados que estejamos falando; a falência crítica de ambos os lados que cercam o PT colaboram para que ele seja um partido pior.

Ademais, o PT continua, de certa forma, escravo de um certo pragmatismo vulgar e lhe faltam grandes teóricos; aqueles que ocupam suas posições estratégicas seguem a lógica de funcionamento sindical, mas não de chão de fábrica, mas sim da estrutura do sindicato; faltam quadros capazes de ter uma leitura mas profunda e ampla do Estado e da Economia ao mesmo tempo em que essa organização impede a formação desse tipo de político em seu interior. Isso não é nada bom, pois pode marcar a absorção definitiva do PT ao sistema em poucos anos - talvez dentro do prazo de um eventual Governo Dilma.

Conclusão:

Enfim, são questões para se refletir, pois elas ilustram o grau da crise em que se encontra o sistema político-partidário brasileiro que a despeito dos avanços sociais vistos no país nos últimos anos, está em crise; tais avanços, diga-se de passagem, paracem cada vez mais decorrer de um processo inercial às reivindicações e construções feitas na surdina da resistência à Ditadura Militar.

Atualização de 27/11 às 22:48: Absurdo o texto que César Benjamin escreveu hoje para a Folha acusando Lula de tentativa de estupro quando foi preso pela ditadura. Eu considerava Benjamin um sujeito capaz intelectualmente, só que com algumas posições extremadas que suscitavam certo desequilíbrio, certa inconstância - e isso ficou claro quando ele foi candidato a vice de Heloísa Helena em 2006 e rompeu com ela durante a campanha (?!). Agora, esse texto é um atestado de insanidade, por mais que haja má-fé nele - e existe -, não me parece algo escrito por alguém com condições mentais normais, não mesmo. A maior carga de má-fé nisso tudo, no entanto, vem da gloriosa Folha de SP, um jornal que a cada dia se supera mais para bater seus recordes de canalhice pretéritos: Mas desde que a candidatura Serra entrou em crise conseguiu descer ainda mais nos ataques que faz contra o atual Governo. Não que depois do episódio da Ditabranda, eu duvidasse de mais nada, é só mesmo um lembrete mesmo. Aliás, o post do Azenha sobre o caso resume bem o que eu penso sobre tudo isso.


quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sobre Esquerda e Direita

(Juramento da Péla - Jacques-Louis David)

Bem, pessoal, essas são algumas reflexões sobre a questão da dicotomia entre Direita x Esquerda que eu andei ruminando nos últimos dias.


Da História


Desde a Revolução Francesa, sempre que se debate Política, o espectro da dicotomia Esquerda x Direita, cedo ou tarde, acaba sendo incluída na conversa. No entanto, quando a conversa evolui, os debatedores tendem a cair em um maniqueísmo bem elementar caso foquem demais nessa questão, afinal, não há uma definição clara do que significa realmente "Esquerda" ou "Direita" no que concerne à Política. A Ciência Política trabalha mal esses conceitos e poucos se interessam em disseca-los com o mínimo de distanciamento crítico. No fim das contas, o debate é reduzido ao Bem x Mal mesmo.

Em um primeiro momento, temos o surgimento dessa dicotomia simultaneamente ao da materialização da forma de organização humana denominada Sociedade Civil na França dos anos 1790. Não é mera coincidência, acreditem. A Revolução acontecera e em decorrência dela a organização política do povo francês passou a espelhar o que os chamados contratualistas já haviam esboçado séculos antes. Se antes de Hobbes o conceito de "sociedade" em sentido lato significava parceria mercantil, a partir dali, passou a significar, a priori, a forma de organização humana segundo a qual cada indivíduo está vinculado a cada um dos demais outros membros da Pólis por meio de um vinculo jurídico solidário - que obriga cada indivíduo a proteger a vida dos demais e, em caso de perigo, possa invocar de qualquer um outro, a proteção da sua própria vida.

Isso, claro, em termo gerais. A compreensão do que é realmente a Sociedade Civil até hoje nunca ficou muito clara, muito pelo contrário, existem pelo menos duas perspectivas predominantes e que polares entre si: A primeira, hegemônica, que entende ser o indivíduo atomizado a mola propulsora da História e uma segunda, contra-hegemônica, que entende ser a coletividade a produtora do mesmo processo. São lógicas antagônicas que espelham os confrontos que nascem junto com a Sociedade Civil: Os indivíduos que se organizam dessa maneira não estão iguais entre si, existem grupos que exploram e outros que estão explorados mesmo após o processo revolucionário

Nesse contexto, na Assembleia francesa se sentavam à esquerda da Casa aqueles que, naquele momento, defendiam as classes populares, a República e uma Democracia verdadeiramente participativa, enquanto à direita se sentavam os defensores da monarquia parlamentarista, dos interesses da burguesia e do individualismo. Mais do que uma mera divisão física, tratava-se de uma posição ideologicamente antagônica; os dois grupos discordavam veemente sobre os rumos de uma forma de organização que mal havia acabado de nascer.

Essa contradição permanece - e se acirra - nas décadas posteriores até chegar em patamares verdadeiramente altos nos anos 1840, o que culmina com o Manisfesto do Partido Comunista em 1848, quando Marx e Engels estruturam cientificamente as bases e estruturas desse antagonismo; até os dias atuais, o debate da Política Ocidental - que se tornou hegemônica mesmo no Extremo-oriente gira em torno disso: Assim como todos os contratualistas, por mais que negassem alguns conceitos hobbesianos - ou mesmo se contrapusessem veementemente a eles -, o debate gravitava em torno das linhas mestras que o pensador inglês havia esboçado. Ocorre o mesmo conosco em relação a Marx e Engels - mesmo que muito do que eles escreveram já tenha sido superado e outra parte seja questionável, as linhas gerais continuam lá esperando sua refutação, o que não houve com a atual Crise Mundial demonstra.

Sobremais, os valores da Revolução Francesa rapidamente se espalham pela Europa e depois pelo Mundo e essa dicotomia evolui e se diversifica. A Esquerda deixa de se resumir aos jacobinos franceses e a Direita faz o mesmo em relação aos Girondinos; Tal divisão se torna sobretudo um modo de representar graficamente as inúmeras organizações, ideologias e correntes políticas nascidas do século 19º em diante. Isso se torna complexo na medida em que a quantidade de pautas se multiplicam pelos arredores do Globo e já não é mais tão fácil identificar quem é o que.

Do sentido Lógico

Um problema lógico que se apresenta nessa forma de classificação é o seguinte: À luz dos dias atuais, diante dos números movimentos existentes - ou que já existiram -, qual o traço distintivo fundamental entre Esquerda e Direita? Seria essa uma classificação ainda válida? Ela foi válida algum dia? O que uniria, por exemplo, Nazistas a Liberais na Direita e Socialistas Stalinistas a Anarquistas na Esquerda?

Vamos por pontos: A priori, classificar tudo isso em "Direita" e "Esquerda", para além do simbolismo da Assembleia Nacional, significa adotar uma classificação por meio da qual é possível representar graficamente as ideologias políticas em um plano. Se você acha que isso não é possível, abra mão dessa classificação e adote outra. Se você acha que é possível, há de concordar comigo que um plano não se limita a uma linha horizontal - e mesmo que só um eixo horizontal, o eixo vertical é imediatamente pressuposto, afinal, como você poderia discernir o que é "direita" e o que é "esquerda" em um eixo horizontal sem pressupor um eixo vertical - que lhe seja perpendicular - como referência? Então, o que o pessoal do Political Compass faz não é de um todo sem sentido. Esse dado, apesar de aparentemente tornar a discussão mais complexa, na verdade ajuda a explica-la melhor como veremos.

Voltando à Filosofia Política, o que temos em comum nos mais variados movimentos de Esquerda ao longo do tempo é, justamente, a luta pela igualdade humana como dever-ser necessário e inescapável. Na Direita vamos encontrar uma posição alheia ou contrário à Igualdade. Nazistas são defensores de um Estado grande e de um igualdade estética, mas a razão de ser da sua organização gravita em torno de uma verticalidade extremada na qual a Ditadura Soberana do Führer é um fim em si mesmo. A Igualdade não é meta nisso. Liberais, por sua vez, enxergam uma igualdade natural entre os homens e entendem que a busca pela Igualdade a posteriori é desnecessária e condenada a resultar em um autoritarismo - exceto no que concerne a isonomia e alguma equidade. O eixo horizontal é, portanto, aquele que mede o quanto cada grupo enxerga quão importante é a questão da Igualdade, portanto, ele mede a gradação de cada um - e é esse o traço distintivo histórico entre grupos de esquerda e de Direita.

Mas resta a pergunta: E o Eixo vertical que eu citei, onde entraria nessa história, afinal de contas? Simples: A crença na Liberdade é variável dentro dos dois lados da política. Liberais defendem a Liberdade assim como Anarquistas o fazem, mas os primeiros são de Direita e os segundos são de Esquerda. Stalinistas e Nazistas desprezam a questão da Liberdade, mas possuem projetos cujos fins são mutuamente excludentes. Esse eixo, portanto, diz respeito ao método.


Da Importância Prática

Basicamente, escapar ao senso comum político vigente, eminentemente dogmático e maniqueísta, que coloca a questão dos espectros políticos como uma questão aprioristicamente de moral - apelando, inclusive, para a muleta da acusação de que o adversário pertence, necessariamente, a um lado do espectro político ontologicamente contrário à Liberdade, quando, na verdade, existem em correntes em ambos os lados que estão pouco se lixando para essa questão. Isso não quer dizer que os dois lados estejam certos, que há uma simetria de efetividade entre ambos à luz do processo histórico, mas simplesmente que existem pelo menos quatro combinações de posições quanto à Igualdade e à Liberdade possíveis - o que suscita a validade dos valores consagrados pela Revolução Francesa e que apenas levantam a bola de se e como a tão esquecida Fraternidade poderá um dia ser materializada formal, material e substancialmente.







segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Administrativas

Desculpem os dias sem postagem e quase sem dar notícias. É que meu pai teve um probleminha de saúde um pouco chato e foi parar no hospital. Esses dias foram um caos para mim e minha mãe. Felizmente, a situação dele já evoluiu bem e, tão logo, ele estará conosco em casa.

Atualização de 25/11 às 18:46: Meu velho acabou de receber alta do hospital. Vai ter de se tratar, aprender a ter hábitos alimentares mais saudáveis etc, mas o pior já passou. Um agradecimento especial para aqueles que muito gentilmente manifestaram a sua solidariedade por aqui.

abração

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A Crise da República


Domingo passado, a República completou 120 anos. Do incidente patético que assanhou as lombrigas dos jovens positivistas dos anos 1880 - para logo cair no colo dos fazendeiros paulistas e mineiros - até o Governo do Partido dos Trabalhadores - decorrêcia lógica da ordem pluripartidária e social-democrata instituída nos anos 1980 -, passando pelo Varguismo dos 1930, muito acontenceu; o país cresceu, ganhou importância no cenário internacional, ainda assim resta uma sensação de que algo não deu certo, de que não conseguimos firmar uma doutrina política que equiparasse o funcionamento do nosso Estado ao mesmo patamar dos mais desenvolvidos do mundo.

A tese que aponta para as contradições incidentes sobre os países da periferia do sistema capitalista como catalisador disso faz sentido - pelo menos ao meu ver. O fato é que de uma perspectiva mais estrita, entre as camadas médias para cima, existe uma frustração em relação à República. Nosso trauma se reflete em um esquecimento coletivo. Eu mesmo só lembrei porque o Luis Henrique citou isso na caixa de comentários do post imediatamente abaixo. Eu penso que a História existe em decorrência de um processo dialético que nasce da antítese ao esquecimento, melhor: Do medo do esquecimento. Quando ele simplesmente triunfa, há algo errado., alguma coisa não deu certo, qualquer coisa atravancou. Veja, quando você se depara com uma coisa dessas, ainda hoje:

Carta de D. Anita Leocádia Prestes em favor de Cesare Battisti

Exmo. Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva.

Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmara de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo Sr. Carlos Lungarzo da Anistia Internacional (em anexo), na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.

Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes


Pois é, de tempos em tempos nos vemos vitimados por algo que exprime a irracionalidade da organização
econômica e se reflete superestruturalmente; ora são os fazendeiros, os militares e, agora, a própria o Estado vê suas visceras se comerem: Temos um Executivo que administra e legisla (muito mal, diga-se), um Judiciário que julga, legisla e agora administra também (tão mal quanto) e um Legislativo suprimido. O caso Battisti é paradigmático: Se Lula, enquanto chefe de Estado capitular diante desse quadro, concordando com uma decisão absurda do STF, muita coisa irá junto - que ao Partido dos Trabalhadores, agremiação política que está acima do nível de boa parte de seus pares, falta uma visão de Estado mais profunda e ampla, eu não tenho dúvida, só espero que ela não seja mais estreita do que eu considero: Um erro aqui será fatal e atrasará a luta pela emancipação humana em anos por esses brasil de meu Deus.

domingo, 15 de novembro de 2009

O Resultado do Julgamento de Cesare Battisti


Sem o voto de Toffoli que se declarou suspeito por conta da atuação da AGU no caso e com os votos de Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, a votação sobre a extradição de Battisti resultou em 5 x4 no sentido de reconhecer a legitimidade do pedido. Basicamente, com isso o STF reconheceu a legitimidade do pedido de extradição do governo italiano, restando agora a decisão final ao mandatário do país sobre a extradição ou não.


O voto de Marco Aurélio Mello foi perfeito, aponta para uma série de obviedades que eu mesmo, humildemente,
elenquei neste blog há algum tempo - e se coaduna com o próprio parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o caso em tela. A tese criada pelo relator do caso, César Peluzo, tem uma série de falhas, passa por cima do ato administrativo do Ministério da Justiça, desconsidera a prescrição e faz uma construção confusa para justificar que o crime de Battisti não foi político - tão político em sentido estrito (ou até mesmo partidarizado) quanto a Suprema Corte brasileira.

Antes de mais nada, não custa dizer que no Brasil, todo ato administrativo - o tipo mais comum de norma jurídica editada pelo Poder Executivo, uma ponderação autonôma sobre caso concreto - está sujeito a controle judicial; no entanto, isso diz respeito aos aspectos formais do ato administrativo, ou seja, aquilo que concerne a considerações de hipóteses como se a autoridade que o editou era competente ou não, se houve má-fé no processo (e má-fé suficiente para viciar o ato) etc.

O que o STF fez no caso Battisti, na verdade, foi interferir na materialidade do ato administrativo, o que foi sim uma invasão de competência flagrante do Judiciário no Executivo - haja vista que o Ministro da Justiça é sim autoridade competente para a concessão de status de refugiado e a avaliação disso está dentro de sua margem de discricionariedade, portanto, apenas se se comprovasse um vício muito grave nesse ato, ele poderia ser ignorado. Na prática, isso não aconteceu e o STF brasileiro entendeu como legítima a extradição de um refugiado político.


Enfim, isso foi mais um episódio da novela do estranho ativismo político que o STF brasileiro está protagonizando - como o grande constitucionalista português
J.J. Canotilho fez questão de assinalar na sua última (e recente) visita ao Brasil. É todo um conjunto da obra, onde o STF tem tomado para si funções que não são suas; isso, no entanto, passa ao largo de ser um fenômeno aleatório: O Judiciário brasileiro, diante das falhas estruturais da Constituição de 88 - e da anuência dos outros poderes -, cresceu como um verdadeiro leviatã nos últimos tempos, fazendo um papel de mediação sobre a prerrogativa de uma dita neutralidade, mais ou menos como os militares fizeram em um dado momento dos anos 50 no Brasil.

A atuação partidária de Gilmar Mendes como Presidente do STF, a todo momento, segue um caminho duplo: O de afirmar essa concentração de poder por parte do Judiciário ao mesmo tempo em que procura criar uma crise institucional tendo em vista as posições político-partidárias dele. Isso ficou claro no caso Daniel Dantas e está claro agora no caso Battisti - e mesmo ministros razoáveis, como um Ayres Britto, compraram essa tese.

Neste exato momento, estamos diante de uma situação extremamente complexa, onde a maior parte do STF, pondo o Direito de lado, julgou a extradição de Battisti como legítima, o que deixa Lula contra a parede - afinal, a decisão última é do Presidente da República. Arcará Lula com o desgaste provocado por esse jogo de cena fazendo uso da sua enorme popularidade - a mesma que ele raramente tirou da manga para comprar brigas - ou se curvará diante desse absurdo? Temos um problema institucional, mas se o Presidente da República não for capaz de comprar essa briga e descontruir parte dessa situação - da mesma forma política que o STF a construiu -, estaremos dando um pesado passo para trás.


O Analfabetismo Político de Caetano Veloso

Não comentei nada sobre a entrevista em que Caetano Veloso tacha Lula de analfabeto porque na medida em que vou ficando velho, menos paciência eu tenho para esse escrever sobre esse tipo de coisa. No entanto, o pedido de desculpas da própria família dele é um fato novo suficientemente relevante para que eu me mova - e para que Caetano cave um buraco no chão e enfie sua cabeça nele, caso tenha um pouquinho de senso do ridículo - porque a fala dele entrou no rol das coisas consensualmente patéticas. Diz a nota:


"Venho a público esclarecer que a recente declaração, feita pelo cantor e compositor Caetano Veloso sobre o Presidente Lula, não expressa, em nenhuma hipótese, a opinião da família Velloso. Sua matriarca, Dona Canô, por meu intermédio, deseja se dirigir ao Governador Jaques Wagner, a todos os brasileiros e, principalmente, ao Presidente da República, com um sincero pedido de desculpas"

Rodrigo Velloso


Esse tipo de pseudo-crítica é uma mera expressão do que o pior da nossa elite pensa e diz pelos cantos pouco iluminados: Em um primeiro momento, ela é mentirosa porque Lula sabe sim ler; depois, ela é cruel ao extremo, pois grande parte da população brasileira é analfabeta porque não teve as mínimas condições para estudar; ela também é particularmente ofensiva porque Lula, como boa parte dos retirantes que fizeram o caminho Nordeste-São Paulo, teve pouquissímas chances de estudar qualquer coisa e só o fato de ter se tornado torneiro mecânico já é um fato de relevo; ela é improdutiva por completo, afinal, não se presta a analisar o que o atual mandatário fez ou deixou de fazer, mas sim busca ressaltar qual o estereótipo dele dentro da ordem estabelecida em nossa sociedade.


No fim das contas, isso me parece mais um reflexo do pensamento positivista em nossa sociedade: A incompreensão do que é Política e o seu não-reconhecimento como uma arte autonôma, mas como se fosse um espaço vazio que tem de ser ocupado desesperadamente por técnicos e sábios de qualquer outra área - como se domina-la em si, não fosse uma habilidade a parte das demais que, no entanto, trouxesse em seu interior o imperativo de compreender todas elas.

É disso que decorre esse senso comum que produz coisas interessantes como a percepção que aponta o Governo FHC como um sucesso: A ideia de que um membro da elite devidamente diplomado fez um trabalho inferior ao de um reles operário, por mais que os fatos provem o contrário, é inaceitável - e é esse tipo de ataque que, ao contrário de ter enfraquecido, fortaleceu Lula porque ele é, sobretudo, um ataque ao brasileiro médio. Assim, qualquer possibilidade de crítica séria - e necessária - ao Governo atual acaba se perdendo, esvaziada por uma oposição barulhenta e oca.

A Política é a esfera de resolução dos problemas coletivos e também a ação que ali é praticada com essa finalidade. Quando Caetano se envereda para uma crítica bisonha dessas, o único analfabeto que consigo ver é ele mesmo - e um agudo analfabeto político. Se ele realmente acredita que essa argumentação é a melhor para convencer alguém a votar em Marina Silva, creio que as minhas ressalvas sobre a candidatura dela fazem bastante sentido.


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Democracia Segundo Serra















(tudo gente boa)

Honestamente, sempre quando eu me deparo com sistemas eleitorais nos quais os primeiros colocados são organizados em listas tríplices ou quíntuplas e a decisão sobre a eleição cabe a um soberano, me vem à mente o sistema eleitoral do Império: Não obstante o fato de pouquíssimas pessoas serem aptas para votar, no que concernia aos senadores, o Imperador de dava ao luxo de escolhê-los mediante uma lista quíntupla (como descobriu um certo José de Alencar).

Ironicamente, é assim que funciona os sistemas eleitorais das universidades brasileiras; a USP, principal universidade do país, possui um sistema bizarro, no qual o peso dos estudantes é minimizado e, ainda por cima, os três candidatos mais votados formam uma lista tríplice que vai para as mãos do Governador do Estado de São Paulo para sua aprovação.

Alguns quilômetros a leste do Butantã, em Perdizes, no campus sede da PUC, vemos eleições onde o peso dos votos dos estudantes, funcionários e professores é equiparado - o que é bem mais justo -, mas os três primeiros colocados também são submetidos à apreciação de uma autoridade superior: O Cardeal Arcebispo de São Paulo.

Naturalmente, a existência de listas como essas é um perigo iminente à Democracia; nos anos 80, o movimento pelas eleições diretas na USP fracassou. Na PUC dos anos 70 e 80, as conquistas do movimento estudantil, dos docentes e dos funcionários produziu uma ilusão de segurança e a lista tríplice não foi abolida - quando, objetivamente, ela poderia ter sido extirpada. Tanto um lado quando o outro, no entanto, se viram às voltas com governadores e arcebispos razoáveis que respeitaram a vontade das urnas - no primeiro caso, pelo menos durante a normalidade institucional.

Ano passado, na PUC, ventilou-se que Dom Odilo Scherer, o novo Cardeal Arcebispo de São Paulo, iria escolher um candidato que poderia não ser o mais votado - afinal de contas, estamos falando de uma pessoa consideravelmente mais conservadora e truculenta do que um Dom Paulo Evaristo Arns. Boatos para lá, boatos para cá e o Dirceu de Mello, o primeiro colocado na lista, acabou escolhido como Reitor - o que não é exatamente bom, o sistema é mesmo falho, a questão é que pelo menos o descalabro não aconteceu.

Qual a minha surpresa ao saber, hoje cedinho, que José Serra conseguiu superar as alas conservadoras da Igreja Católica e indicar como Reitor o segundo colocado na lista, pior, escolheu o glorioso João Grandino Rodas, ex-diretor da Faculdade de Direito, uma figura conhecida por sua atuação em prol da repressão dos estudantes e dos movimentos sociais. Não custa lembrar que com isso, Serra se igualou a Maluf, que no ano da graça de 1981 também passou por cima do protocolo e não indicou o primeiro colocado - mas estamos falando de Maluf e ainda da Ditadura Militar.

Tudo bem, eu já tinha chegado à conclusão de que Serra não merece ser Presidente da República - primeiro grande enfrentamento contra a USP. Também já conclui que ele não deveria ser governador - guerra entre polícias. Que ele sofre de graves problemas mentais - invasão do campus da USP pela Tropa de Choque. Agora, ele não precisava me convencer de que é pior do que a ala conservadora da Igreja e igual a Maluf - mas conseguiu.


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O Apagão da Mídia

Eu, como boa parte de vocês, fui surpreendido com a repentina falta de energia na noite de anteontem - mais ainda, com a escuridão que se espalhava por um raio de dezenas de quilômetros, o que dava a entender se tratar de um problema um pouco maior do que aquela velha falta de energia habitual no bairro. Pelo meu velho radinho de pilha fiquei sabendo que o problema era bem grande mesmo, vários estados e mesmo o Paraguai tinham ficado às escuras. Fui dormir.

No outro dia, fiquei sabendo que a raiz do problema estava na forma como uma tempestade de elétrica interferiu nas linhas de transmissão de Itaipu, o que revela um ponto fraco no nosso sistema de transmissão de energia, algo a ser debatido seriamente, sem dúvida, mas eis que de repente o meu senso do ridículo é novamente perturbado pela cobertura feita pela mídia corporativa: Estaríamos agora diante do apagão petista. Francamente, mas que merda.

É evidente que o Governo atual tem responsabilidade sobre esse ponto fraco sistêmico - assim como tem sobre o fato de que o problema de insuficiência de produção energética foi resolvido com políticas suas. Não estamos mais falando em risco crônico de queda de energia em larga escala, essa possibilidade não é real. Estamos falando em uma queda de energia provocada por uma sazonalidade climática que achou um ponto cego no sistema de transmissão. Distorcer os fatos capitalizando partidariamente até isso é demais para o meu saco.



quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O Liberalismo, os Brasileiros e o Muro de Berlim

Uma coisa tem me intrigado muito ultimamente: Um fenômeno que eu chamaria de "Liberalismo do Inimigo". Trata-se de mais uma patologia psicosocial profundamente arraigada em nossa sociedade. O Bruno Pinheiro, aliás, já dissertou sobre isso no blog dele. Funciona mais ou menos assim: O seu defensor geralmente é uma pessoa de classe média pra cima, membro de um grupo social minoritário, porém barulhento, se sente oprimido pelos tributos, acha que o Governo Lula "privilegia demais" os pobres, quer que os filhos ingressem na Universidade Pública - que deve se manter o mesmo círculo fechado de e para uma determinada classe social -, recorre aos hospitais públicos de excelência quando precisa e assim por diante. Na verdade, isso se trata da expressão de um padrão moral falacioso e recorrrente, construída pela ideologia dominante - um moralismo.

Você pega auto-intitulados baluartes do liberalismo brasileiro como, por exemplo, a revista
Veja e descobre que grande parte da sua receita é referente à publicidade estatal - enfim, um belo oximoro brasileiro: Um semanário que se presta a pregar - com todas as suas forças - pela diminuição do Estado em prol dos agentes políticos oriundos do mercado, mas que, ao mesmo tempo, tem como uma das suas maiores fontes de receita a bendita publicidade estatal.

Nas faculdades de Direito brasileiras tal fenômeno também não é estranho: Normalmente predomina um pensamento que tende ao Liberalismo - de forma até bem extremo, em certos casos. No entanto, paradoxalmente, o desejo de passar em concursos para o funcionalismo público é algo bem frequente. O mesmo defensor do liberalismo extremo é o mesmo aspirante a juíz, promotor - ou melhor: Aspirante à carreira segura da Magistratura - ou do Ministério Público - devido a sua boa remuneração, o status isso gera asim como o seu belo plano de aposentadoria.

Boa parte dos setores de alta renda do país, que adoram chamar denunciar a hipocrisia dos seus pares que se afirmam socialistas são, eles mesmos, hipócritas na medida em que são liberais no discurso e social-democratas na prática - o welfare state para mim e os meus amigos e o livre-mercado para os meus inimigos...Essa incongruência entre discurso e prática desses setores pertencentes gerou a progressiva desmoralização do canônes do Consenso de Washington no Brasil - mesmo que eles nunca tenham sido exatamente populares: O brasileiro médio oscila entre uma posição de direita pró-Estado ou mesmo de uma esquerda socialista ou filo-socialista como levanta uma pesquisa da BBC recentemente divulgada no Blog do Nassif:

"O percentual de brasileiros que disseram que o capitalismo “tem muitos problemas e precisamos de um novo sistema econômico” (35%) foi maior que a média mundial (23%).

Enquanto isso, apenas 8% dos brasileiros opinaram que o sistema “funciona bem e mais regulação o tornaria menos eficiente”, contra 11% na média mundial.

Para outros 43% dos entrevistados brasileiros, o livre mercado “tem alguns problemas, que podem ser resolvidos através de mais regulação ou controle”. A média mundial foi de 51%."


Em suma, a nossa sociedade, conscientemente ou não, tende a posições que variam da direita pró-Estado na economia até a esquerda que entende que nem isso basta e é necessário um novo sistema econômico. O brasileiro médio é social-democrata - como a maior parte das pessoas do mundo, é verdade -, mas numa proporção muito maior; Liberais clássicos, pela vez deles, são uma minoria em extinção.

É particularmente engraçado avaliar isso numa semana como essas, na qual a queda do Muro de Berlim completa 20 anos; nós, brasileiros, vivemos numa sociedade ciosa por liberdades individuais, mas é consensual no sentido de que o Capitalismo desenfreado não é uma via - e essa maturidade intelectual difere do inocência europeia oriental que ainda existe em relação ao liberalismo dezenovista.

Nos anos 90, o Brasil enfrentou a dura missão de desmontar o anacrônico Estado Varguista, mas o fez de maneira errada sob a equívoca direção do PSDB - o que, ainda assim não resultou numa diminuição do Estado, muito pelo contrário, suas falhas residiram na maneira como isso organizado; seu fracasso, todavia, produziu a experiência petista O povo brasileiro ansiava por uma reforma no Estado, mas não aquela produzida pelos tucanos que onerou por demais a população comum; a percepção desses erros levou Lula ao poder sob a égide da social-democracia - e as questões de inclusão social, redução das desigualdades e geração de renda continuam sendo pautas claras no país.

Enquanto isso, os russos sob a égide de
Yeltsin - e como boa parte dos europeus orientais -, pensaram que iam chegar ao paraíso com um sistema totalmente desregulado - a chamada teoria de choque -; depois do fracasso adotaram um modelo mais nacionalista de capitalismo com Putin/Medvedev, mas não conseguiram produzir uma solução efetiva para isso, prosseguindo vitimizados por uma exclusão social gigantesca, desemprego e deterioração dos ganhos sociais decorrentes do socialismo bolshevik.

Num novo corte para as eleições de daqui a um ano, é uma pena ver o PSDB, escravo de um Serra desesperado para ser presidente - por sua vez, nas mãoes dos piores interesses econômicos -, não saber aproveitar esse momento para dar uma guinada no partido e voltar às suas origens; o PT sai fortalecido com isso porque cada vez mais se aproxima das aspirações médias do seu povo, ainda que tenha perdido bastante do seu potencial transformador no processo. Ainda assim, quem se prestar a entender mais esses fenômenos poderá se sair muito bem nas eleições do ano que vem.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Reflexões sobre o Caso Uniban

Não escrevi ainda sobre o tema porque, como vocês bem sabem, estive tremendamente ocupado nos últimos dias. Acabei acompanhando o noticiário de forma terrivelmente precária nas últimas duas semanas. Quando finalmente pude analisar o caso Uniban com mais cuidado e tomei contato com os textos na blogosfera sobre o acontecido - em especial do Maurício Caleiro e do Tsavkko -, fiquei estarrecido com a questão. Evidentemente, não podemos ter ilusões sobre o que aconteceu: Por mais terrível que ele possa ter sido, trata-se de um evento meramente sintomático; estamos, na verdade, tratando de uma consequência desse processo de desfiguração acadêmica assistido no Brasil dos anos 90 para cá.

A Academia nasce no Brasil da década de 1820 sob o já à época ultrapassado mote coimbrão, portanto, ela só vai ganhar uma importância decisiva em nossa sociedade com a introdução do pensamento positivista no país; a ideia da perfeição tecnocrática e da Academia como meio para formar uma elite dirigente nacional é uma realidade bastante clara a partir dos anos 1880 - e dura por volta de 100 anos, com idas e vindas, nas quais o fenômeno uspiano nos anos 1930 e a introjeção gradual do pensamento marxista são meros tópicos dentro de um mesmo contexto. O momento histórico que vivemos está conectado no desmonte do Estado Varguista promovido pelo Governo Collor e acentuado nos anos FHC; mesmo que a Constituição de 1988 implementasse uma perspectiva social-democrata de Universidade, na prática os dois primeiros presidentes eleitos trabalharam dentro de uma lógica thatcheriana de mercantilização dos mais variados setores da vida social como resolução dos seus problemas.

Com FHC vimos as regras para se montar uma Universidade - ou Centro Universitário - simplesmente serem afrouxadas e, com isso, inúmeros grupos econômicos que de algum modo já atuavam na área de educação entraram nesse "novo mercado" ou simplesmente "expandiram suas operações": É aí que surgem as chamadas uniesquinas - como a Uniban do caso -, instituições academóides que oferecem cursos a preços baixissímos ao mesmo tempo que colocam a figura do diploma como uma mera porta para um futuro profissional tranquilo. Tudo isso sob as barbas do MEC e do sucateamento das universidades estatais - em especial das federais.

O fato é que nos primórdios do Governo Lula, essas instituições já davam sinais de crise financeira decorrente de uma expansão incontrolável; a mesmas anomalias que provocaram suas origens foram aquelas que não conseguiram sustentar sua existência; por mais louváveis que foram as medidas lulistas em reverter o processo de sucateamento das federais - aumento salários de professores, verbas e vagas de um modo sustentável -, as políticas de afrouxar mais ainda as regras para o ensino superior - diminuindo a exigência de mestres e doutores por instituição de ensino superior - e incluindo no Prouni - programa destinado a conceder bolsas universitárias para estudantes pobres - instituições desse tipo, acabaram por não apenas dar uma sobrevida para essa anomalia como também reverteu o aniquilamento econômico dela.

Nesse sentido, hoje existem dois tipos de universidades no Brasil: (i) as estatais, controladas pela mão de ferro do Estado - com reitores escolhidos politica quando não partidariamente -, cujo fim é a formação da elite dirigente e/ou dominante do país - e entram como exceção a essa regra algumas poucas universidades privadas de ponta, geralmente católicas (ii) as privadas em sentido lato, controladas por grupos empresariais nesse esquema de cursos baratos e da venda de diplomas como se fossem indulgências e seu fim é a mera formação meramente técnica (quando muito) de quadros de terceiro ou quarto escalão.

Sobre o tipo (i) já tratei bastante por aqui - e é o tipo (ii) que nos interessa aqui. Em um primeiro momento, a ideia de uma Academia meramente profissionalizante é contrária à própria ideia de Academia; quando se retira o potencial de reflexão filosófica e de debate político dela não há Academia, mas sim essa massa academóide a qual eu me refiro. Ademais, a ideia do profissionalismo, a idolatria ao diploma e o culto à técnica fazem parte de uma face possível da ideologia hegemônica e se manifesta em alguns setores da nossa sociedade como a própria religião - e o fenômeno da Teologia da Prosperidade: Esse tripé nasce das distorções do desmonte mal-feito do Varguismo e da incapacidade petista de elaborar uma narrativa suficientemente coesa que afaste definitivamente do abismo civilizatório que nós vislumbramos de muito perto nos anos 90; cada um dos pés desse construto instável tem origens diferentes: Seja no face burocrática da social-democracia, no cartorialismo lusitano que não superamos ou na tecnocracia em estado puro legada pelo positivismo fundante da República.

O impacto psicológico desses fatores sobre as mentes de jovens de classe média-baixa recém-saídos da adolescência é brutal; isso produz psicopatologias graves que ameaçam a própria integridade do tecido social; não estamos formando cidadãos, mas sim reificando pessoas de uma maneira absoluta. A deformação psicológica que essa tentativa de programação opera sobre a psiquê desses jovens, a via de regra, constrói cidadãos alheios da sua realidade social e histórica, cheios de ilusões de grandeza e dotados de comportamentos anti-sociais devido a uma educação individualesca - no entanto, em dados momentos, isso pode produzir manifestações agudas e histéricas de comportamentos anti-sociais como no caso em questão.

Eis aí que chegamos no caso da Uniban, onde uma aluna de turismo foi ameaçada de estupro por uma massa insanamente enfurecida porque trajava um vestido "muito pequeno" e teria uma "conduta inadequada" (?!). Pior, foi expulsa da Universidade como se ela tivesse sido a culpada pelo que aconteceu - numa decisão que eles tiveram de voltar atrás por conta da pressão popular. As cenas da turba incontrolável são assustadoras, mas são tratadas superficialmente pelo noticiário: Tudo se torna um mero espetáculo, sem causas ou relações com nada.

sábado, 7 de novembro de 2009

CA 22 de Agosto: Construção Coletiva vence



(Apoteose rosa após a apuração)

Entre a noite de ontem e madrugada de hoje, rolou a apuração dos votos do Segundo Turno das eleições para o 22 de Agosto, o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da PUC-SP. Segue o resultado:


Construção Coletiva _ 677 votos (54,9%)
2º Áporo_
556 (45,1%)
Total de votos válidos: 1233


Contextualizando a informação, essas eleições foram a causa da hibernação deste blog - e também de duas semanas marcadas por uma rotina desumana de poucas horas dormidas, alimentação precária e muita correria pelos corredores do chamado Prédio Novo da gloriosa Pontifícia. Eu participei ativamente de uma das chapas, a Construção Coletiva, um grupo que eu ajudei a fundar no ano passado e que se dedica a atuar em pautas cotidianas da Universidade, em especial, da Faculdade de Direito. Foi uma baita experiência, um verdadeiro curso intensivo de Política - fisicamente extenuante, mas moralmente gratificante. No fim das contas, para evitar qualquer mal-entendido com a Comissão Eleitoral, acabei não publicando nada por aqui - mas a própria falta de tempo se encarregaria dessa hibernação.

Essas eleições foram das mais disputadas nos últimos tempos e tiveram um compenente especial: Mais do que o próprio embate eleitoral, nos vimos às voltas com um dos mais acirrados confrontos projetivos nessa verdadeira panela de pressão que é a Faculdade de Direito - notem o seguinte: elas refletiram em escala estudantil o debate que estamos assistindo em escala maior na nossa universidade: Para que direção irá a PUC nos próximos anos? Ela se converterá de vez em uma univerdade elitista e tecnocrática ou conseguirá reverter isso e retornar a sua antiga estrutura, democrática, popular e livre? Troque os assuntos da Universidade pelos do Centro Acadêmico e temos a mesma polêmica. A seguinte dúvida foi trazida à baila: Para qual direção você quer que o CA vá: Que ele se converta definitivamente em um mero prestador de serviços técnico-burocrático - e
pseudo-empresarial - ou que ele retome sua função democratizante e contestadora?

Nestas duas últimas semanas, os estudantes da Faculdade de Direito se depararam com esses dois projetos - que foram representados pela chapas que chegaram ao Segundo Turno; Além disso, houve uma terceira chapa que tentou se fixar numa faixa intermediária - e ficou pelo caminho - além da participação sensacional de uma chapa de zoeira que foi, seguramente, das mais criativas e visceralmente críticas que já passaram pelas nossas eleições. Andei suficientemente pelos corredores da Faculdade de Direito e conversei com gente o bastante para ver que o atual déficit democrático da PUC não é pequeno e nem pouco incômodo, ainda que não seja exatamente fácil comunicar isso, seja pelo clima de repressão interno ou pela
própria conjuntura da política paulistana atual.

Vencemos depois de quinze dias de campanha extenuante; começamos o embate eleitoral pressionados e acuados, mas começamos a reverter o jogo já na reunião da comissão eleitoral, fizemos uma campanha bonita e vencemos os dois debates. Faltou pouco, muito pouco para levarmos no Primeiro Turno. No Segundo Turno, vimos o confronto se polarizar a ponto de termos um quórum maior do que no Primeiro - e ampliamos tanto proporcional quanto absolutamente a nossa votação. Foi lindo: Uma maré rosa - e até de rosas - encheu a PUC.

No entanto, não temos falsas ilusões a respeito da nossa vitória. Isso daqui é um projeto muito complexo no qual é preciso dar um passo por vez sempre tomando cuidado com a armadilha do idealismo pueril - que é caracterizado pelo binarismo do
'ou tudo ou nada' e oscila entre covardia e a temeridade; Estamos falando de uma longa jornada na qual caminharemos em direção de certos ideais, portanto, estamos falando de um projeto gradual de aprofundamento da Democracia dentro de uma realidade onde a prática democrática está atrofiada por uma miríade de questões.

De qualquer modo, o espírito da velha PUC, aquela que ousava ser democrática e livre enquanto o Brasil vivia sob a bota de uma ditadura, voltou a dar as caras nesse momento de delicado. Não vai ser uma briga fácil, mas demos um passo enorme.

P.S.: A moderação de comentários foi desativada.