quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Feliz Ano Novo


Faltando pouco menos de 16 horas para 2009 terminar, escrevo esse post para desejar aos comentaristas, leitores assíduos, leitores eventuais e a todos que de alguma maneira passaram pel'O Descurvo e o ajudaram a se consolidar como um instrumento - humilde, mas igualmente bravo - de, reflexão, debate e agitação política e social um grande ano - em seus altos e baixos, creio que conseguimos, juntos, viver bons momentos ao longo do ano. É com o espírito do tapete voador de Vasnetsov que devemos entrar em 2010: A capacidade de planar pelo tempo e pelo espaço dos sonhadores, iluminados pela luz - viva e mágica - da nossa imaginação e dos nossos ideais. Um abraço especial para Alexandre Nodari, César S., Eduardo Prado, Flavia Brites, Flávia Cera, Idelber Avelar, João Villaverde, Luís Henrique, Marcelo Costa, Maurício Caleiro e Tsavkko.

avanti 2010!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Nassif, Anistia e Bloguismo

Nem pretendia postar nada entre a Retrospectiva 2009 e alguma coisa desejando votos de feliz ano novo aos leitores/comentaristas, mas acabei me inteirando de um debate curioso por meio de um post do excelente Animot do César S, no qual era feita uma crítica ao blog do Nassif pela publicação de um post, de autoria de um comentarista, que trazia aquele recorrente sofisma da direita pró-ditadura em relação à Anistia: A história de que caso a Lei de Anistia fosse revogada, o mesmo, em termos de punição, deveria ser aplicado aos guerrilheiros que combatiam o regime. Fiz um comentário razoavelmente ácido lá pelo Animot mesmo, enquanto a coisa fervia na caixa do blog do Nassif:

Cesar,

Excelente post. Ainda usando argumentos dentro do comezinho do liberalismo, existem pontos como o princípio de resistência à tirania, algo que já está, veja só, em Hobbes, quando ele fala que é possível desobediência civil quando o súdito tiver a vida ameaçada pelo Soberano. Kant, esse notório teórico do Leviatã - que mais tarde veio a ser parido por Napoleão - dirá algo num sentido até mais profundo. Ademais, temos, no mais elementar da teoria do direito privado, que crimes contra a humanidade, inclusive tortura, são imprescritíveis pois ferem direitos personalissímos. Ademais, quem rompeu com a Ordem vigente foram os militares levando um país que era um Estado de Direito a uma situação de mera faticidade.Trazendo esse debate para exemplos históricos mais recentes, suscitar que alguém que lutou contra a Ditadura precisasse de anistia e, pior, que se essa lei fosse revogada, acabaria sendo punido, é o mesmo que dizer que os combatentes da Resistência Francesa ainda vivos deveriam ser julgados ou seus congêneres na Itália - pois os primeiros não combateram apenas o invasor nazista, mas também seu próprio governo que colaborou com aquela invasão e, no caso do segundo, tais resistentes não apenas combateram seu próprio governo como fuzilaram seu ditador. De tal modo, a nossa anistia acabou sendo o que todas anistias são: Uma mera lei que o Estado criou para se perdoar pelos crimes que cometeu - e que no nosso caso sequer admitiu, o que torna tudo mais inconsistente ainda à luz de elementar exame lógico.Isso tudo, em termos liberais. Se formos podenderar as questões de classe envolvidas em todo esse fenômeno e o que esteve em jogo em termos históricos, vamos ver que a discussão é mais profunda ainda. Nassif, nessa ocasião, tropeça em um de seus velhos defeitos: A crença em um tecnicismo não muito diferente daquele que ele tanto critica em seus adversários no campo da análise política e econômica, o que o leva a cair num realpolitikismo normalmente inofensivo, mas que, não raro, bate em signos cujos significados [corrigi agora, estava errado no original] é bem mais profundo do que ele percebe. A ele se somam alguns setores da esquerda brasileira mais preocupados com a governabilidade de hoje do que com as torturas que muitas vezes eles próprios sofreram ontem. Se existe uma ameaça à esquerda brasileira - ou mesmo aos setores minimamente progressistas dentre os quais se enquadra o centrista Nassif - é justamente esse síndrome de pequeno Maquiavel que, ao que me parece, tornou-se um certo modismo.

abraços



Colocado isso, resta pouco o que postar aqui, só vale ressaltar que, evidentemente, trata-se de uma falácia ruim que dói, pois ela coloca os oprimidos no mesmo patamar moral dos opressores. É como se alguém suscitasse que está de acordo com a punição de maridos agressores se e somente se, as mulheres que apanhavam e que arranharam seus maridos tentando se desvencilhar, também sejam devidamente processadas. Nassif merece elogios em várias ocasiões, mas como qualquer um, ele não é intocável e errou nisso tudo, nada a ver com as desculpas de que não foi ele quem escreveu, afinal, o blogger é soberano em seu espaço - não, nós podemos usar isso como o sofisma do garoto mimado que fala a "bola a minha", não se trata de uma questão de poder, mas sim de dever e responsabilidade em relação ao que escrevemos aqui -, portanto, se publicou material de outrem, faça com um contraditório do lado com igual destaque ou defenda o que você mesmo publicou em seu blog com argumentos - o que nesse caso é um tanto complicado porque uma argumentação racional implicaria na negação do que foi escrito, mas vá lá...



O Descurvo: Retrospectiva 2009

O ano de 2009 começou sob a forte tensão da Crise Econômica Mundial. Pouco se sabia em que ponto isso iria parar, quanto isso realmente duraria e quais os seus reais impactos, afinal, a crítica econômica do mainstream durante anos alimentou um discurso que certamente não apontaria para esse momento - por motivos diversos, lobbismo descarado, dogmatismo desenfreado e afins. No Brasil, isso gerou profunda expectativa, na medida em que a Crise se materializou como a grande prova de fogo de um Governo que vinha de dois anos virtuosos, nos quais a trajetória oblíqua da economia havia sido revertida - assim como foi vista como uma senhora oportunidade por uma oposição sem projeto que apostou todas as suas fichas no fracasso de Lula. No plano internacional, o início do governo Obama nos EUA marcou o ponto de inflexão na superpotência americana que saiu diminuída e gravemente convulsionada pelos oito anos de Bush - que deu, inclusive, o empurrão principal para esta Crise. Por outro lado, a ascendente China também enfrentou seu batismo enquanto potência - e o mesmo pode se dizer da decadente Europa. Enfim, o script é um pouco complexo mesmo, portanto, vamos por pontos.

Economia e Política Internacionais

É verdade que a poeira ainda não abaixou por completo em relação à Crise Econômica Mundial, mas muita coisa já está suficientemente claro. Em primeiro lugar, a atual Crise põe termo àquela espécie de análise econômica assentada unicamente na lógica matemática - e com pretensões pitonísticas; se uma coisa que o atual momento provou, é que qualquer coisa cabe numa planilha de cálculos, nem é preciso omitir variáveis para se dirigir um resultado desejado, basta dar o peso necessário para elas de modo a chegar ao ponto pretendido - e mesmo partindo da premissa de uma postura ética do analista, essa própria metodologia se esvazia numa economia mundial cada vez mais complexa, na qual o exercício de chegar a formulações razoáveis depende cada vez mais de especulações filosóficas que podem, eventualmente, usar o instrumento matemático, mas que não se limitam a isso de modo algum como também não podem ignorar as relações de poder.

O Capitalismo Global, por sua vez, se vê às voltas com a necessidade premente de uma reorientação; se ele nasce na esteira do fim da URSS, momento no qual o Estado-nação deixa, definitivamente, de ser a estrutura necessária para a manutenção do Capitalismo - para ser tão somente o instrumento necessário para seu desenvolvimento -, agora ele se vê diante de uma realidade na qual tais instrumentos só são eficazes caso sejam (a)suficientemente grandes para dirimirem certas contradições tóxicas e, por outro lado, (b) sejam capazes de se integrarem cada vez mais, apontando, quem sabe, para a consolidação de uma superestrutura global que consiga ser capaz de suporta-lo enquanto sistema. Em suma, se a Crise Mundial aponta para o fracasso de um sistema econômico mundial sem organismos políticos capazes de normatizar o sistema - deixando, assim, tal normatização para as redes de trabalho formadas pelos agentes de mercado ao sabor do momento e dos interesses -, por outro lado, ela também apontou o fracasso do chamado "Estado mínimo", como os resultados econômicos provam: Estados grandes e intervencionistas como Brasil e China se saíram relativamente bem, enquanto EUA, Rússia e México comeram poeira.

Há também dois marcos muito pesados: Japão e a União Europeia, dois modelos econômicos de sucesso construídos na esteira da reorientação do Capitalismo mundial do pós-Guerra, tombaram. Envelhecimento da população, dificuldade em se desgarrar do cobertor e das estruturas americanas, ausência de ideias e um vácuo de lideranças, pôs dois dos maiores centros de poder - econômico, mas não político no caso do primeiro e cada vez menos no caso do segundo - do mundo em dilemas que transcederam ao atual momento. A UE, modelo particularmente bem-sucedido de planificação continental na história humana, não consegue, no entanto, se livrar das histerias nacionalistas sempre que se vê diante de uma crise e não consegue produzir um consenso necessário para o aprofundamento político necessário ao processo.

Dos Bric's, a China emerge fortalecida da Crise, mantendo sua alta taxa de crescimento em um ano no qual teve de fazer uma realocação pesada do direcionamento de sua produção, sendo obrigada, a toque de caixa, a fortalecer o mercado interno diante do diminuição do mercado externo - que garantia uma política tão cômoda à tecno-burocracia que controla o país. Por outro lado, a Crise também mostrou o quanto as fissuras políticas do país ainda graves, no momento crítico da crise, as tensões no Xinjigang mostraram a falta de coesão do país e a incapacidade hegemônica no Estado chinês, incapaz de gerar mecanismo de controle mais sofisticados do que velho uso da força. A Índia prosseguiu crescendo a despeito da Crise Mundial e, tranquilamente, vai se tornando peça-chave para o jogo de poder no oriente. A Rússia, por sua vez, deu mostras de fragilidade, o grande pacto entre os oligarcas que forjou o putinismo no fim dos anos 90 já havia mostrado certo abalo quando o grande gerente do projeto foi rebaixado a primeiro-ministro e terminou, em plena crise de hegemônia, atropelada pela Crise, seja pelo sistema financeiro primitivo ou pela sua extrema dependência da exportação de hidrocarbonetos.

O Brasil é um dos Estados que emerge vitorioso dessa conjuntura. Foi afetado agudamente pelos efeitos da Crise Mundial por quatro meses, mas depois do abalo começou a registrar recuperação já em abril. O emprego e a renda salarial foram pouco afetados e se recuperarão até o final do ano, o crescimento restará freiado pela debaclé do mercado externo, mas retomará seu ritmo ano que vem. Também consolidou seu posicionamento no exterior. No fim das contas, o país conseguiu aproveitar parte das oportunidades que a divisão global do trabalho poderia já lhe dava antes, mas que não conseguia fazer uso por conta da não resolução de certas contradições em suas superestruturas. Ainda resta com muitas contradições em aberto, mas o efeito da recuperação depois de anos de estagnação econômica tem um peso relevante.

Na América Latina, vitórias dos setores progressistas se concatenam da Bolívia ao Uruguai, incertezas predominam no Chile. Cuba mantém um plano de abertura e sua posição se altera no continente graças certa realocação de forças, mas o grande fato do continente, acabou sendo o golpe em Honduras, no qual nos vimos novamente às voltas com a figura do Golpe Militar.

Brasil

Como dito, o ano se iniciou debaixo da sombra da Crise. A oposição, seja o bloquinho de direita, seja a esquerda - notadamente o PSOL - apostaram no catastrofismo e no fracasso do Governo. Como toda tática catastrofista, os riscos são imensos, se tudo errado, basta pôr a culpa no seu adversário, mas resta a dura missão de governar, se não der, o impacto político negativo é normalmente muito grande. É sabido que a direita brasileira tem, unicamente, projeto poder e ao rufar tambores nesse sentido, apenas desviou o foco e se deu mal. Aquilo que está à esquerda do PT, por sua vez, não tem uma projeto coeso e unificado, concordam apenas naquilo que discordam em relação aos últimos vinte anos e para superar isso, apostaram naquilo que é consensual em seu meio: A oposição a Lula - e também se deu mal, como seu peso eleitoral é pequeno, isso já se refletiu, por exemplo, na atitude do PSOL não lançar candidatura própria e apoiar Marina Silva.

O Governo Lula
, por sua vez, não conseguiu dirimir as contradições sociais centrais da nossa sociedade, mas conseguiu superar um momento consideravelmente complicado, o que, colocado em perspectiva com o primeiro biênio do Segundo Mandato, acabam se materializando numa popularidade absurdamente alta de Lula. Some isso ao fortalecimento do Brasil no plano internacional e temos premiações como de Homem do Ano pelo
Le Monde e a aclamação do líder brasileiro também no exterior. Isso teve um impacto muito forte na direita que, apoiada pela mídia corporativa, antecipou o clima eleitoral e partiu para o ataque de forma pesada, baixa e, até o momento, ineficaz.

No espaço da oposição quem se fortaleceu como líder, usando-se do cargo de governador de São Paulo e da sua habitual tática de esmagamento de rivais dentro do próprio partido, foi José Serra. Apoiado por parte do grande capital paulista, pelo oligopólio midiático e pelas oligarquias rurais, ele venceu a tensão interna no partido contra o governador mineiro Aécio Neves, mas agora, graças a manobra final de seu adversário, terá de decidir a eleição - enquanto isso, Aécio vai para uma segura candidatura para o Senado e dará tanto apoio a Serra quanto o segundo deu a Alckmin em 2006, planejando emergir do processo como o novo líder da direita.

Por ora, Serra lidera as pesquisas eleitorais, o que é normal no Brasil, afinal, o eleitorado que normalmente declara intenção de voto um ano antes é aquela parcela que já está mobilizada, nomeadamente a oposição - se Serra detém 38% das declarações de intenção de voto, não é motivo para comemorar, afinal, trata-se da quantidade de votos que a direita - entenda-se, militantes ativos e simpáticos aos seus ideais - tem no Brasil mais os votos de alguns poucos centristas. Conjugando isso à popularidade de Lula, o governador paulista aparece numa liderança ainda instável como Marta Suplicy esteve nas eleições municipais de 2008 em São Paulo.

Muita água há de rolar em 2010, mas em 2009 O PT saiu no lucro como nos dois anos anteriores. Lula, aliás, bem mais do que o seu partido.

Mídia

Com a expansão da Internet no Brasil, processo que se radicalizou nos últimos anos, as relações entre os cidadãos e a mídia se alterou brutalmente. Se em 2007 a blogosfera se afirmou como um canal importante, em 2010 ela terá um peso extremamente grande sobre as eleições gerais. A mídia corporativa tradicional, por sua vez, experimenta um período de decadência acentuado, onde não apenas sua credibilidade caiu como também surgiram meios para que as pessoas possam denunciar e se insurgir contra isso. O editorial da ditabranda Na Folha de São Paulo e a consequente reação a ele - organizada quase que exclusivamente dentro da Internet - são provas desses novos tempos. Por outro lado, o advento do Twitter foi um ponto a se notar, modificando, inclusive, as relações dentro da blogosfera, tornando a difusão de informação mais rápida, mas deixando em consequência, o espaço para debates e discussões mais rarefeito.

Esporte

Em ano intermediário entre Olímpiadas e Copa do Mundo, a grande novidade ficou por conta da vitória do Rio de Janeiro na disputa para sediar as Olimpíadas de 2016, o que fará com que o Brasil sedie as duas principais competições esportivas do planeta em dois anos - a Copa do Mundo de Futebol será sediada aqui em 2014 - tal como aconteceu com os EUA em 1994/96 - Copa do Mundo e depois com as Olimpíadas de Atlanta.

No futebol, Dunga surpreeendeu e, discretamente, com uma seleção cada vez mais estrangeira na residência, Classificou o time antecipadamente para a Copa da África em primeiro lugar, na esteira de bons resultados, inclusive do título na Copa das Confederações.

Entre os clubes, o Barcelona conseguiu seu primeiro título mundial, batendo o melhor time em décadas do Estudiantes de La Plata - que, por sua vez, havia superado, com certa injustiça, o Cruzeiro na Libertadores. No Brasil, os dois principais campeonatos nacionais foram vencidos pelas duas principais torcidas, a Copa do Brasil ficou com o Corinthians enquanto o Brasileirão ficou com o Flamengo - sendo que o último acabou com um jejum de 17 anos.

Curiosamente, o Internacional de Porto Alegre, em pleno do seu centenário, acabou acumulando o vice de ambos os torneios. O Vasco ressuscitou das cinzas e venceu a Série B. O São Paulo, mesmo sem títulos, prosseguiu sua trajetória de bons resultados e estará na Libertadores novamente em 2010. A parceria do Palmeiras com a Traffic novamente foi um fiasco, desta vez, não veio um título sequer e a refugada na reta final do Brasileiro deste ano poderá consequências negativas para 2010.

Concluindo


2010 será, por certo, um ano mais agitado, com a Copa do Mundo e as Eleições gerais mobilizando o cardápio dos fatos e factóides relevantes. Espero que estejamos juntos lá, debatendo e questionando as coisas aqui n'O Descurvo.


segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A Temporada Verde



Ainda falando um pouco sobre futebol, resta uma análise do que foi a temporada do meu querido Palmeiras. Das incertezas da montagem de um elenco predominante jovem por Luxemburgo no início do ano até a decepção da perda não só do título como da vaga para a Libertadores na última rodada, muita água rolou, com um sobe e desce de expectativas bem grande.


Em um primeiro lugar, acho que a diretoria errou em manter Luxemburgo no cargo depois dos erros abissais que ele cometeu no Brasileirão 08, o que obrigaram a uma demissão do treinador ou uma reformulação quase total de elenco - a segunda hipótese foi concretizada, quase que automaticamente, numa decisão rara para o futebol brasileiro.

Por outro lado, Beluzzo assumiu a presidência do clube com a promessa de modernização de uma agremiação que, desde o fim dos anos 70, vive às voltas com o que Gramsci definiria por crise de hegemonia - excetuando a era Parmalat, um ponto fora da curva, quase tudo que envolveu o período de 78 em diante rimava com fracasso. Pesados prós e contras, Beluzzo não somente era - como ainda é - o melhor quadro dirigente alviverde.

Pois bem, o time começa o ano surpreendentemente bem, batendo e arrebentando no Paulistão, até que perde o rumo e o prumo e Luxemburgo não consegue, assim como em 08, reverter a trajetória de queda da equipe. De um início arrasador, o Palmeiras quase perdeu a liderança da Primeira Fase do Estadual para um ascendente São Paulo, mas acabou, logo mais adiante, sofrendo uma eliminação vexatória diante do Santos - não pelo rival, mas pela forma como se deram as coisas.

Luxa permanece como treinador, conduz o time a uma classificação surpreendente para a segunda fase da Libertadores - depois de um início titubeante -, mas tropeça nas quartas de final, diante de um fraco Nacional-URU, mesmo depois de ter, heroicamente, eliminado o Sport nos penâltis nas oitavas. O treinador, apesar do segundo fracasso, é mantido para o decorrer do Brasileirão.

A queda de Luxemburgo ocorre por um motivo tosco. Keirrison, até então estrela do time, acaba negociado com o exterior, usando o clube como mero trampolim, traindo o acordado com o próprio técnico, mas poderia, mesmo já tendo sido contratado, retornar ao Palestra Itália para ir para a Europa somente com o fim da temporada brasileira. Luxemburgo não concorda, afirma publicamente que não gostaria de trabalhar com o atleta nessas condições e acaba demitido pouco depois.


Venhamos e convenhamos, Luxemburgo poderia e deveria ter sido demitido no fim de 08, acho que ele cometeu erros suficientes naquele Brasileiro para tanto; até poderia ter sido demitido após o estadual ou da Libertadores, mas o motivo pelo qual e momento no qual ele foi demitido, realmente consistiram no primeiro grande erro da administração Beluzzo.


Ainda assim, o Palmeiras estava bem colocado no Brasileirão, mesmo disputando a Libertadores, acabou somando uma quantidade considerável de pontos. Beluzzo, no entanto, vai lá e comete o seu segundo grande erro e faz uma proposta pública para contratar Muricy Ramalho, recém-demitido do São Paulo, e acaba jogando o treinador contra parede. Acaba ouvindo um sonoro, mas educado não como resposta.

Beluzzo, com o rabo entre as pernas, passou a divulgar a versão de que não iria contratar técnicos medalhões para gastar o dinheiro com reforços - uma demagogia que fazia sentido na cabeça dos torcedores e ainda jogava a suspeita de mercenarismo sobre Muricy. O dirigente verde, ainda por cima, assistiu a um dos raros episódios de sorte do Palmeiras em décadas: O interino Jorginho, acometido pela magia que às vezes se abate sobre interinos, pôs ordem no time, juntou um elenco com os brios feridos pela saída de Luxemburgo e a rejeição de Muricy e desembestou a ganhar jogos, chegando à liderança do torneio.

Aí chegamos ao terceiro grande erro de Beluzzo. Tudo bem, ele teve duas chances até chegar nesse ponto, convenhamos que querer uma terceira chance seria demais também: Ele manteve as negociações com Muricy e anunciou o treinador justo quando o Palmeiras liderava o torneio. Isso foi um balde de água fria no elenco que havia se sentido rejeitado há pouco tempo atrás. A queda de desempenho do time da Barra Funda foi patente e rápida; de um time que jogava por música com Jorginho, veio à mediocridade.

Daí temos mais contratações;
Obina, uma incógnita vinda do Flamengo; Robert, um bom atacante reserva é trazido do futebol mexicano; Figueroa, uma boa revelação chilena é trazida do Colo Colo para a carente lateral-direita verde e Vagner Love, estagnado pelos anos num futebol de segunda categoria - como é o futebol russo atual -, é trazido a peso de ouro - consistindo no quarto grande erro de Beluzzo, esse, trágico. Mesmo a ideia de manter o excepcional Pierre tropeça numa das peças do destino: O excelente cabeça de área se contunde em um treino e acaba ficando meses afastado do elenco.

Aos trancos e barrancos o time se mantém na liderança do torneio até o seu ápice no torneio quando enfiou 3x1 no Santos. Depois daquele jogo as coisas desandaram, principalmente com declarações de Muricy falando que Diego Souza era "o único craque do time" - hã? Como assim e Marcos? -, soltando pelos cotovelos, ainda, algumas contradições do elenco que ele além de não ter resolvido, ainda aumentou. Disso daí em diante, ladeira abaixo. O que culminou na ridícula briga entre Obina e Maurício.

Depois de dezenas de rodadas liderando, o Palmeiras que era candidato a Libertadores de início, depois cismou em se apresentar como favorito ao título, acabou perdendo ambos com a derrota jocosa para o Botafogo na última rodada. As previsões para 2010 não são boas; Muricy é um morto-vivo no comando do time como Luxemburgo era de 08 para 09, mas não terá ao seu dispôr uma reformulação de elenco nem parecida.

Com o balanço de 09, provavelmente a parceira
Traffic vá rever muito dos investimentos que fez no Palestra Itália este ano, pois tudo leva a crer que o time fechará com contas não muito boas. As contratações de Leo pra zaga e Márcio Araújo complementam bem setores problemáticos do time verde, mas não resolvem. Vender Diego Souza pode ser uma grande pedida, o meio alterna demais e ainda não é o tipo da figura com maiores espíritos de grupos. A saída de Vágner Love, um jogador que eu já dizia à época que estava condenado a se estagnar ao deixar o Brasil tão cedo para atuar num futebol decadente, é um favor.

Pensando no elenco que ainda temos, Marcos ainda pode ser bastante últil enquanto Bruno não estiver pronto para ser titular; na zaga Maurício Ramos e Danilo podem subir de produção disputando vaga com Léo e ainda resta o experiente Edmílson - que, honestamente, não sei se terá pique para ser titular. Armero terá a figura do promissor Gabriel Silva pela lateral-esquerda, enquanto Figueroa tem tudo para fazer uma grande temporada pela direita; a manutenção de Pierre e Souza como volantes é positiva, ainda mais com a vinda de Márcio Araújo e a presença de Wendel que, não sei porque, não é mais utilizado na posição de origem; nas meias, Deyvid está em ascenção, mas eu faria uma força maior para manter Cleiton Xavier e vender Diego Souza - e não o contrário -, além de torcer para que
Valdivia volte; no ataque, manteria Robert, comemorei a saída de Vagner, mas não gostei de não terem mantido Ortigoza.

Em suma, 2010, para o horror da torcida palestrina, os ventos são favoráveis, novamente para o
São Paulo - com sua auto suficiência e sua bela organização de Clube - e para o Corinthians - que se não fosse pelo demasiado ufanismo que o ano do centenário produz nas já ufanistas torcidas, levaria muita coisa mesmo. O verde corre por fora. É esperar para que Beluzzo aprenda com seus erros, que algo comece a se fomentado nas instâncias administrativas verdes para produzir mais nomes capazes de dirigirem os times e que Muricy abaixe um pouco a bola, reúna o elenco em torno de um projeto e, com um cadinho de humildade, coma pelas beiradas no estadual e na Copa do Brasil - mas talvez tudo isso seja pedir demais.


sábado, 26 de dezembro de 2009

Era do Pontos Corridos: O Desempenho dos Campeões

Resolvi analisar o desempenho dos campeões brasileiros na era do pontos de corridos. Criei um método bastante simples que funciona assim: Basicamente, a ideia consiste em somar os pontos obtidos e dividir pelo número de jogos disputados para se obter uma média - no entanto, como muitos desses times disputaram a Série B no período, resolvi contar os pontos obtidos na Série B obtida pela metade. Por sua vez, os times que pertencem a esse grupo e jogaram a Série C, tiveram o número de jogos computado como se tivessem jogado a Série B e não tivessem marcado nenhum ponto (casos do Bahia e do Guarani). Vamos ao Ranking:

São Paulo 1,793
Internacional 1,604
Cruzeiro 1,601
Santos 1,590
Palmeiras* 1,505
Flamengo 1,465
Corinthians* 1,417
Atlético-PR 1,400
Fluminense 1,342
10º Grêmio* 1,337
11º Atlético-MG* 1,281
12º Botafogo* 1,256
13º Vasco* 1,241
14º Coritiba** 1,209
15º Sport**** 0,875
16º Guarani***ºº 0,686
17º Bahia****ºº 0,553

* Cada asterisco representa quantas vezes a equipe jogou a Série B no período.
º Cada símbolo de grau representa quantas vezes a equipe jogou a Série C no período.


O Ranking não é lá muito surpreendente, o
São Paulo, vencedor de três dos sete torneios jogados nesse sistema - e que só ficou fora de uma zona de Libertadores em 05, justamente o ano da ressaca do seu último título da Libertadores -, figura como primeiro colocado disparado. Disputando o segundo lugar cabeça a cabeça, aparecem Inter e Cruzeiro, com uma diferença de um único ponto somado a mais pelo primeiro nesses sete anos, o que equivale a uma diferença de meros 3 milésimos na escala - o Cruzeiro, pelo menos, venceu o primeiro Brasileirão por pontos corridos, enquanto o Inter é o time mais azarado do período, acumulando três vice-campeonatos (05,06 e agora em 2009). O Santos, que já chegou a disputar com o São Paulo a primeira posição, vem em queda livre após dois campeonatos medíocres; o time da Vila Belmiro venceu o torneio em 04 e foi vice em 03 e 07.

Dos times que tiveram uma passagem pela Série B no período, o Palmeiras é a equipe mais bem colocada, apesar de ter refugado nos dois últimos campeonatos, nos quais, após insinuar que ia brigar pelo título, acabou perdendo o fôlego na reta final - em 2003 jogou a Série B porque caiu no último campeonato da velha era, depois fincou a quarta colocação em três campeonatos (04,05,08), deixou a Libertadores escapar na última rodada em dois deles (o7 e 09) e quase caiu novamente em 2006, um ponto fora da curva. Flamengo e Corinthians, apesar de terem vencido um campeonato cada, alternaram de mais no período, sendo que o alvinegro paulista, inclusive, amargou um ano na Série B.

O Atlético PR, por sua vez, se afirmou no cenário nacional e, apesar de só ter disputado o título em 04, disputou todas as edições da Série A. O demais cariocas tiveram um desempenho fraco assim como os outros grandes do PR, RS e MG, respectivamente, Coritiba, Grêmio e Atlético-MG, que viram seus arqui-rivais fazerem campanhas muito mais consistentes ao longo desses anos. Daí pra baixo, encontramos o Sport com quatro participações na Série B e apenas três na Série A - mais um novo rebaixamento este ano - e Guarani e Bahia, bisonhos, até com passagens pela Série C - apesar de que o Bugre voltará, ano que vem, a disputar a Série A. Apesar de eu não ter analisado com mais cuidado o desempenho daqueles que nunca foram campeões brasileiros, fica a menção ao Goiás, que disputou todas as Série A de 2003 pra cá com uma média rigorosamente igual a do Flamengo: 1,465.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Reflexões sobre o Natal


Hoje é dia de Natal, passei a noite de ontem em casa com meus pais como sempre fiz - mas que teve um significado especial, depois de tudo pelo que passamos recentemente com os problemas de saúde de papai. Como já disse aqui, não sou um sujeito religioso, o que não significa que eu seja contrário à religião por tabela, minha postura é alheia, enfim, aquilo que eu chamo de um laicismo sóbrio - como é com a maior parte das pessoas no Brasil moderno. Restou a essência da comemoração; um feriado com uma conotação forte no qual entes queridos se reúnem e festejam juntos, mas de uma forma contemplativa e não extrovertida como é regra na cultura brasileira - ainda que, paradoxalmente, essa manutenção do significado em si, seja permeado também por um avanço do consumismo.

Estava falando com um grande amigo meu ontem à noite, pelo gtalk, justamente sobre isso: Como, apesar de tudo, ainda resta uma marca muito forte em nossa cultura no que concerne a passagem da noite do Natal - ele perguntara onde eu ia passar a noite de ontem porque e eu lhe disse que ficaria por aqui mesmo, na casa dos meus pais e eu observei como, independentemente do avanço de uma cultura laica, ainda resta o entendimento do quão terrível deve ser passar a noite de ontem sozinho. Depois falava com a minha namorada pelo msn e percebia que, apesar de todos os trecos possíveis e imagináveis da nossa época resta ainda uma atmosfera especial - existe, com efeito, um anestesia de grande parte do significado das coisas, no caso do Natal, temos a conversão da festa quase que numa orgia ritual do consumismo, mas ainda resta um significado mínimo dele, algo que expressa uma essência mínima desse dia e remonta à comemoração do Solstício de Inverno na Europa pré-cristã e sobrevive até hoje, no Ocidente pós-cristão no dia de Papai Noel.

Isso tudo vem na esteira de um ano profundamente intenso para mim - já devo ter dito isso por aqui, mas o que seria eu, sem as minhas repetições -, onde bons e maus momentos tiveram um significado muito profundo, talvez um contraste com a anestesia do significado das coisas que assistimos em nosso tempo, em nosso meio. A imagem, acima, por exemplo, é bem emblemática para mim. Trata-se da quinquilharia que estava amontoada numa das salinhas do 22 de Agosto - para quem não o conhece fisicamente, ele não tem uma geográfica tão amistoso, afinal, estamos tratando de um espaço que era a dispensa de um convento - e que arrumamos, a muito custo, durante os dois primeiros dias dessa semana.

Enfim, enquanto estávamos retirando tudo aquilo, nos deparávamos com vestígios de outras gestões, coisas engraçadas de outras épocas, jornaizinhos antigos, certificados de palestras de amigos nossos que já se formaram - e eu pensava nessa coisa do que a passagem do tempo na Faculdade, como vivemos aquilo como se fosse uma vida à parte com seu tempo de duração prefixado pelos anos da graduação, um tempo que nos traz e nos leva, renova o espaço, muitas vezes não deixando vestígios de nossa existência, ou fazendo deixando marcas que são desenterradas mais tarde, por outros num trabalho arqueológico. Em parte, isso é uma representação do que é, de fato, a vida.

Nós tendemos a ter uma visão linear do tempo - sem dúvida, uma herança bíblica que resta muito forte na nossa cultura - e, por conta dela, nos vemos perdidos em um busca paranóica, na qual tentamos deixar a nossa marca nas coisas para que nossa essência seja lembrada, expressa por meio da nossa obra, por meio de uma transcendência materialista e egoísta a qual atribuímos toda sorte de significados nobres, mas que ruma ao fracasso como um navio caminhando contra o rochedo.

A lição que fica, e o dia de ontem nos lembra, é como essa imortalidade desejada é impossível por meio dessa via, no fim das contas, é a nossa reunião - física ou virtual - com os nossos entes queridos, que apesar de ser fruto de uma data, é, naquele instante, alheia ao tempo, que dá significado a tudo isso; a eternidade, no fim das contas, não é fruto da conquista da
infinitude da existência, mas sim da sua superação, não é obra, mas sim a nossa comunhão com os nossos que propicia isso.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Plebiscito Latino-americano contra as Bases dos EUA na Colômbia

Eu não deixo de achar curiosos debates onde a questão da chamada "soberania nacional" é ponto de partida. O Tsavkko narrou no blog dele um debate no Twitter desse gênero sobre a proposta de Evo Morales sobre um plebiscito latino-americano sobre as bases estadunidenses na Colômbia. Eu ia escrever um comentário sobre isso, mas como ficou longo demais eu fiz uma análise sobre a questão usando método tópico, isto é, enxergando o problema por perspectivas diferentes para resolvê-lo. Usei a visão de três pensadores: Marx, Hegel e Kant.

(I) Para Marx, uma análise minimamente razoável do que é um Estado-nação leva a assertiva de que ele nada mais passa de uma criação ideológica da burguesia que chegava ao poder - e buscava criar uma forma de organização política de aspecto patriarcal para satisfazer seus interesses. Cientificamente, não o Estado-nação não existe realmente, apenas ideologicamente - e só continua a existir porque enquanto as forças motriz reais do Capitalismo Global ainda não convergiram em torno da forma exata que uma super-estrutura global deve ter. Por ora, o Estado-nação não é mais um estrutura estrategicamente necessária para a existência do Capitalismo, tratando-se de algo, à luz da conjuntura atual, taticamente útil.

A rigor a instalação das bases estadunidenses na Colômbia é uma expressão do temor do Capital Global em relação à potencial organização dos trabalhadores da região no sentido de assumirem o controle - e consequentemente dividirem os lucros - das riquezas energéticas da região - ou mesmo o medo de que os governos social-democratas da região assumam o controle desses e redistribuam os lucros para o seu respectivo capital nacional, sendo a segunda hipótese a mais provável.

(II) De acordo com uma abordagem hegeliana do DI, teríamos que os países, caso seu direito interno permita, podem sim fazer um plebiscito sobre o que quer que seja - ou sobre quem seja. Claro, isso abre a possibilidade de confronto, mas qualquer teoria de DI que tome a soberania nacional como valor absoluto abre espaço, por tabela, para a possibilidade perene de confronto.

(III) Numa abordagem kantiana, os plebiscitos são válidos e necessários; por essa perspectiva, temos: (a) a fronteira é o instituto que concretiza a existência do Estado-nação, sendo ele decorrência de um contrato entre os povos soberanos que se margeiam, o DI prevalece logicamente sobre o Direito Interno, portanto a opinião da comunidade internacional é superior a de um Estado-nação isolado (b) o reconhecimento da Comunidade Inernacional é o elemento que garante a efetividade de um Estado-nação - seja por parte dos membros fronteiriços ou não , portanto, ela pode debater sobre questões como essa - em alguns momentos, até deve. Por essa perspectiva última, a atitude do Governo boliviano também é válida - e necessária, haja vista que a instalação dessas bases é algo que precisa no mínimo ser debatido.

Enfim, escolha qualquer uma dessas três abordagens e você encontrará que existe a possibilidade de contestação das bases gringas na Colômbia sim - seja pela meio que for. Eu, pessoal e humildemente, entendo que essa questão deve ser debatida sim pela comunidade internacional, pois a existência de tais bases serve, publica e notoriamente, para executar uma política para toda a região, não para apenas para a Colômbia.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Uma Crônica de Quase Final de Ano

Não, eu não tenho espírito natalino. Mas não nego que um dia já tive, talvez lá pelos tempos em que eu ainda era liberal - por volta dos meus oito ou dez anos de idade -, mas felizmente, a gente cresce. Ainda assim, somos escravos desses referenciais cronológicos-culturais - com efeito, um fenômeno social. As aulas na PUC, por exemplo, acabaram só ontem, o que me deu uma sensação estranha: Acabar as aulas me deparando com o final de ano. Fiz uma prova de recuperação, mas fui bem nela, felizmente.

Aliás, eu poderia ter tido problemas acadêmicos sérios neste semestre: Além de uma campanha para Centro Acadêmico extremamente polarizada - e, por tabela, extenuante -, só faltou cair uma bigorna na minha cabeça - levando em conta alguns problemas pessoais meus até o problema de saúde que o meu pai teve. Foi por um triz, mas, feliponicamente, no melhor espírito bola pro mato que o jogo é de campeonato, acabei atingindo algumas metas importantes, vivi experiências profundas e minimizei danos.

A minha experiência aqui n'O Descurvo, aliás, tem sido muito produtiva também, para quem é jovem, se intriga um cadinho com essa epocazinha em que vivemos e ainda vive numa cidade como a São Paulo de hoje, a blogosfera além de um instrumento político cada vez mais poderoso - e válido -, também é uma válvula de escape interessante na medida em que te ajuda a conhecer pessoas interessantes - não só as que moram longe e você dificilmente conheceria pessoalmente como também as que moram ou estudam do seu lado e você não conheceria jamais por conta dessa impessoalização pós-moderna, levada às últimas consequências na Pauliceia do século 21º.

Enfim, 2009 foi um ano bastante intenso na minha vida - que passa cada vez mais rápido, vejamos, já tenho 22! Que absurdo! -, ainda que eu mantenha lá as minhas preocupações sobre o futuro: Tudo bem, todas as pessoas, em todas as épocas, devem ter tido preocupações sobre o futuro, mas tem uma coisas que me inquietam e não podem passar batido - sim, a paranoia salva vidas.

O que mais me preocupa - e me intriga - é um avanço de um pesadelo hobbesiano, com seus desdobramentos
kantianos - o segundo é um caminho possível para a realização do primeiro, na verdade, o mais efetivo - no qual vemos uma hipernormatização da vida caminhar pari passu com o avanço do pensamento - e da prática- policialesca. Os avanços sociais e políticos que estamos assistindo parecem ser, em sua maior parte, frutos inerciais do que foi feito sob a bota da Ditadura. Isso precisa - e pode - ser revertido.

Politicamente falando, 2010 será um ano particularmente tenso, onde dois projetos de país se degladiam nas eleições gerais mais estéreis da Nova República e talvez no quadro mais negro da nossa história: A melhor opção será manter tudo como está, o que implica em dizer que a possibilidade da superação dialética, presente em todas as eleições - e momentos políticos - anteriores, nos foi retirada e o conservadorismo é agora a única saída - pelo menos, saída aceitável.

Os otimistas hão de argumentar que isso deve ao fato de que o passado do nosso presente é melhor do que o passado do nosso passado, mas eu tenho de lembrar que se isso é verdade, também pode se dizer que o futuro do nosso presente é pior do que o futuro passado. Combatamos esse futuro, então - e o façamos na única esfera possível: O aqui e agora, supondo que eles não sejam a mesma coisa.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Cartas Chilenas


Nos dois últimos dois finais de semana, tivemos o resultado de duas eleições pelo continente Latino-americano, Uruguai e Bolívia, ambas com vitória ampla da esquerda, mas como já alertava, no Chile a conjuntura era outra e a direita tinha sérias chances de vencer a eleição presidencial depois de anos por meio da candidatura de Sebástian Piñera - e com o racha que houve na coalização que unia o centro à esquerda, concretizado nas candidaturas do ex-presidente Eduardo Frei, de Marco Enríquez-Omínami e de Jorge Arrate. Objetivamente, o problema disso é que a direita chilena ainda não superou realmente o fantasma de Pinochet, portanto, uma vitória lá, equivaleria a um retrocesso institucional.

O Chile, em 1973, foi palco do mais sanguinolento Golpe de Estado dentre todos os golpes que se abateram pelo continente sul-americano que, por sua vez, decorreu numa das impiedosas ditaduras da região, sob o comando do general Augusto Pinochet. O país sofreu uma reforma de cunho liberalóide com a privatização das estatais para grupos econômicos nacionais e para grupos estrangeiros, liberalização e abertura da economia chilena.

Nos fins dos anos 80, a economia chilena havia sido estabilizada da crise dos anos 70 - causada pelo boicote interno e externo ao governo Allende bem como de equívocos causados pelo primeiro - às custas de reformas de cunho pouco democrático - especialmente na previdência social - e da entrada de capital estrangeiro nos negócios que envolvem o Cobre, principal riqueza do país, mantida nas mãos do Estado. Isso produziu enormes desigualdades sociais e, ao fim da década de 80, acabou provocando a fomentação que abalou o regime. Particularmente, a crise no Japão, principal parceiro comercial chileno no fim dos anos 80 e início dos anos 90, ajudou fortemente nesse processo.

A despeito desse cenário catastrófico, a manutenção do domínio que Pinochet tinha das estruturas do Estado somado ao apoio externo - e interno do oligopólio que enriqueceu às custas de suas políticas - permitiu que a transição fosse, em grande medida, controlada por seu grupo político. Uma união de uma série de partidos pró-democracia, notadamente socialistas e democratas-cristãos, formou a coalização denominada Consertación, o que resultou na primeira aventura bem sucedida da esquerda - ou pelo menos da centro-esquerda - na América Latina do pós-ditaduras.

Em decorrência do processo que começa com o governo do centrista Patrício Alwyin, primeiro presidente eleito depois de 17 anos da ditadura Pinochet e segundo democrata-cristão a ocupar a cadeira presidencial, o Chile passa por um tardio período de abertura e, daí por diante, com os governos do atual candidato democrata-cristão Eduardo Frei e dos socialistas Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, a política social é tocada: Os índices de qualidade de vida melhoraram ainda que a desigualdade social permaneça altíssima - com um índice de Gini em torno de 0,55, o que chega a ser maior do que o brasileiro -, o desemprego dos fins dos anos 80 diminuiu, mas ainda permaneceu alto e o mea-culpa das forças armadas locais não se materializou no mesmo por parte da elite civil que as usou como mero instrumento.

Pinochet morre sem ter sido punido, mas sob processo por crimes contra a humanidade e, mais tarde, depois da revelação de roubo de dinheiro público - o que pôs abaixo o mito da honestidade do general, cultivado por muitos populares, quase como um moderno mito da bondade do Tzar. Há poucos anos, os membros da elite que enriqueceu com sua ditadura não gostariam mais de tirar uma foto com o pai benemérito da pátria, ainda que não tenham, em momento algum, renegado os meios que lhes enriqueceram.

A direita chilena jamais superou o paradigma de Pinochet e sempre representou as tendências dessa elite. Em suma, é como se no Brasil o DEM fosse uma opção possível e que a elite brasileira massivamente ainda tivesse ilusões com a ditadura - uma parte relevante talvez sinta saudades dela, mas longe do que existe no Chile, onde há uma adoração pró-ativa em relação a Pinochet que nem é tão velada assim.

A série de governos de centro-esquerda não produziu mudanças profundas na sociedade chilena, eles tocaram políticas sociais razoavelmente eficientes, mas sempre tiveram uma política recuada, seja pelo domínio da direita em setores-chave do Estado, pelo medo de repetir Allende ou por sua própria natureza heterogênea - além das próprias características do Partido Socialista que, ao contrário de um PT, nunca teve vínculos intensos com as bases da sociedade civil.

Michelle Bachelet termina seu governo com uma aprovação gigantesca, tocando uma política de centro, não resolvendo o problema das perseguições aos mapuche e cometendo um erro político muito grave: O recuo excessivo em algumas pautas para garantir a governabilidade e a realização de uma falso nivelamento entre os setores da política chilena como forma de garantir a governabilidade, o que pôs a direita local, de maneira falsa, no mesmo patamar que os demais atores políticos - em termos de forma, ou seja, da própria relação com a democracia burguesa - sem que isso jamais tenha acontecido.

O resultado da eleições foi claro
: o direitista Piñera teve 44% dos votos contra aproximadamente 30% do Democrata cristão Eduardo Frei, 20% de Enríquez-Ominami e 6% de Jorge Arrate. Em suma, sabe-se que poucos votos dos dois candidatos derrotados podem migrar para Piñera, mas poucos deles já seriam suficientes para lhe garantir a vitória no Segundo Turno - a ser realizado no dia 17 de Janeiro.

Mesmo longe de ser o candidato ideal, Frei tem uma política bastante diferente da de Piñera, inclusive - e especialmente - no que toca os planos de cada um para a política externa; enquanto o primeiro pretende tocar adiante uma política de integração firme com o continente latino-americano e com o mundo, o segundo insiste em um já superado americanocentrismo cuja opção talvez atenda unicamente interesses específicos que gravitam em torno de sua candidatura, mas passa longe de beneficiar o Chile - assim como não beneficia nem um pouco o Brasil e pode ser um entrave muito relevante ao processo de integração sul-americana em relação ao qual o Chile, exceto nos governos socialistas, sempre teve uma posição por demais recuada.

Isso vai também ao encontro dos anseios de vários setores do confuso e contraditório governo Obama, principalmente do seu Departamento de Estado que insiste ainda numa retórica hostil e cada vez mais ridícula ao passo em que encontra cada vez menos correspondência econômica ou geopolítica para, ao menos, fazer isso ter algum sentido - e mesmo ter efetividade, pois essa política sempre interessou só e somente só determinados grupos de interesses específicos e não ao interesse nacional estadunidense, haja vista o próprio apequenamento do país relativamente ao mundo.


domingo, 13 de dezembro de 2009

Os Desdobramentos da Crise do DEM

(imagem retirada daqui)

O DEM é uma longa e confusa história: Ele se chamava até bem pouco tempo PFL, uma cisão do PDS, nome que a ARENA tinha assumido no final dos anos 70 - e essa última agremiação, por sua vez, era o partido oficial da Ditadura Militar criado para reunir os apoiadores do regime quando o ato institucional nº2 pôs fim aos partidos existentes dando origem a um artificial bipartidarismo. Em suma, ele nasce daquela agremiação que deveria ser a base parlamentar do regime na farsa institucional decorrente do Golpe de 64.

O
PFL nasce pelas mãos de alguns nomes como ACM, Jorge Bornhausen e Marco Maciel, todos apoiadores da Ditadura do início ao fim e democratas de última hora, produzindo uma cisão no PDS só mesmo quando o barco afunda ao apoiar a candidatura de Tancredo pelos motivos errados. Eles indicam Sarney como vice e, depois da fatalidade da morte do titular, ganham mais ainda com a transição - especialmente no que toca tudo que envolve as concessões de telecomunicações -, gravitaram em torno de Collor e depois ganharam ainda mais em cima do Governo FHC, atingindo seu auge político.

O partido, se declarando cinicamente como centrista, toca adiante uma política de decididamente de direita, que não é exatamente um último eco do Brasil velho, mas sim ele próprio em pessoa, se representando e lutando para garantir que as mudanças inerentes ao caminhar da história e às demandas da política não o alterem em essência. Isso explica a sua adesão à Nova República e depois ao Tucanismo, em todas as ocasiões subvertendo as instituições e anestesiando o potencial transformador presente no fim da Democracia ou mesmo na eleição de FHC - como se fosse um gramscianismo de sinal invertido.

O fato é que a desgraça do partido começa com certas atribulações no segundo mandato de FHC, quando desentendimentos com os tucanos suscita que o PFL ficaria relegado a uma posição de permanente coadjuvante na coalizão governista - que naquele momento, ainda por cima, já sofria os efeitos da reprovação popular em decorrência de seus fracassos econômicos. Além, claro de controvérsias internas sobre o lançamento ou não de candidato próprio para a presidência e a própria sabotagem da candidatura presidencial de Roseana Sarney em 2002. O apoio de sorriso amarelo do partido, rachado, a Serra resulta numa diminuição na sua bancada no Congresso e depois o mesmo se vê em 2006.

Claro, o maior golpe ao PFL foi o desmonte do esquema político de ACM no nordeste com a derrota do candidato do próprio na Bahia e de seus asseclas pelo nordeste, o que força o partido a uma modificação meramente estética, seja com a mudança de nome ou com a tática de alçar seus nomes jovens - ou nem tanto - na linha de frente do partido. Aí, surge o DEM, primeiro partido a não ter partido no nome desde a volta do pluripartidarismo (79) e não ter um acrônimo como sigla, mas suas inovações param por aí. Isso também não evita a profunda derrota eleitoral do partido nas municipais de 2008, onde tirando a vitória bisonha de Kassab em São Paulo - por questões conjunturais e a própria incompetência petista.

Agora, o escândalo de José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal - e único governador eleito pela legenda em 2006 - é mais uma pancada na agremiação; Arruda contava com uma boa avaliação ao mesmo tempo em que articulava uma série de esquemas que agora vieram à tona e comprometem muito mais do que a sua administração isoladamente, mas também a cúpula do seu partido, - assim como os nomes de Michel Temer e do próprio Serra que estava articulando a presença de Arruda como o seu vice na eleição presidencial de 2010.

Isso paralisa o DEM às portas de 2010; longe de mim acreditar que tudo será solucionado ou que as devidas punições serão realizadas, mas em parte, algumas cabeças irão rolar - de um modo como não aconteceria há dez anos atrás - e isso terá sim um ônus político pesado para o DEM, haja que vista que esse escândalo forçará seu principal aliado, o PSDB, a repensar sua política de alianças, um desastre já que a agremiação demista anda a reboque dos tucanos em boa parte do centro-sul do país. Isso trará dificuldades para os interesses do Brasil velho, há tempos dependente de uma aliança com certos setores da burguesia brasileira organizados em torno do PSDB.

As chances de um Arruda vice de Serra foram para o vinagre, sendo que a própria cabeça do governador do DF rolou dentro do partido - mesmo sob as ameaças de levar muitos dirigentes demistas junto, o que já está se confirmando - e, pelo andar da carruagem, isso também tornará praticamente impossível a presença de outro demista na chapa de Serra, o que não acaba com o descalabro dela, mas ajuda a freia-la. Isso é bom para a democracia brasileira.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Reflexões sobre o Partido dos Trabalhadores



No que toca o período imediatamente posterior à abertura da Ditadura Militar - lenta, gradual e segura como diriam seus artífices -, um ator fundamental começa a se delinear no horizonte político brasileiro: O Partido dos Trabalhadores. De debates entre variados setores da esquerda, resultou, em poucos anos, uma agremiação política que unia elementos das estruturas dos sindicatos do ABC, dos movimentos de chão de fábrica de São Paulo, das comunidades eclesiais de base, da intelectualidade, de pequenos grupos socialistas - vanguardistas ou não - e afins que constituíram o primeiro partido de esquerda com vínculos efetivos com a sociedade.

O primeiro grande debate que permeia esse partido é se ele deveria ser tático ou estratégico. Sobre isso, nunca se chegou por meio dos debates internos a uma conclusão clara. A resposta para tanto está em um dos pontos de virada na história petista que se desenha na esteira da derrota de Lula na campanha para governador do estado de São Paulo em 82; o sindicalista que parou o ABC no fim dos anos 70, sofre uma fragorosa derrota eleitoral e movimentações em torno da dissolução do PT no PMDB - ou mesmo no PDT - ganham força: O coro dos defensores da tese do PT enquanto partido meramente tático cresce e o ano que se segue é duro para o partido. Mas em 83 é escrito o documento que muda a história do PT e define os seus rumos: A Articulação dos 113, texto assinado pelo referente número de membros do partido - dentre eles, Lula - defendendo a continuidade da existência do PT manifestando-se contra a dissolução dele em "uma frente oposicionista liberal como o PMDB" ou àqueles que se deixam "seduzir por uma proposta 'socialista' sem trabalhadores, como o PDT"

Esse documento muda o funcionamento do partido ao longo dos anos 80; os signatários dele se tornam uma corrente dentro do partido assumindo-se como os petistas puros e surge aí um antagonismo com as correntes com identidade mais forte; a Articulação, por motivos óbvios, passa a controlar aos poucos as estruturas de um partido que a cada dia que passa vai se institucionalizando mais e mais. As causas para isso não se limitam às práticas políticas internas do partido, mas também ao próprio arrefecimento da Teologia da Libertação, o que atinge as alas católicas do PT, responsáveis principais pela política de base do Partido. Setores vanguadistas em sentido estrito são adestrados ou expulsos, mas lateralmente à sua organização enquanto partido de massas, vai se estruturando organismo burocráticos que trazem em seu cerne certa medida do vanguardismo e do dirigismo que alegavam combater.

Já no fim dos anos 80, quem dá as cartas no jogo na esquerda brasileira é o PT. O Antagonismo entre a Articulação e o resto do partido está resolvido com a hegemonia do primeiro; a questão agora é decidir quais os rumos que o partido seguirá; o PT, enquanto partido de massas, seguirá o caminho da revolução ou do reformismo? É nesse clima de intenso debate interno que o partido vence as eleições em uma série de municípios importantes e que disputa a Presidência da República com reais chances de vencer. Enfim, Trata-se daquilo que o velho Maurício chamou de o Dilema da Estrela: Branca ou Vermelha.

Obviamente, alguns fatores colaboram para a resolução dessa contradição; o fim do bloco socialista serve de impulso para os setores que ainda alimentavam ilusões quanto ao leninismo aderirem a um discurso social-democrata; a esquerda católica enfraquece, mas mesmo assim, ela sempre foi inercialmente social-democrata; a Articulação, com seu pesado núcleo sindicalista sempre tendeu para esse lado, ainda mais com o seu fortalecimento eleitoral nas duas últimas eleições dos fins dos anos 80. Esse é o quadro que estava no ar nos anos 90, mas não havia uma definição clara.

A cartada final mesmo é a Carta ao Povo Brasileiro. Ela inicia essa quarta fase do partido e é o marco da escalada que conduz Lula à Presidência da República. Se antes o processo de institucionalização petista era interno, agora, o partido já institucionalizado se integra perfeitamente ao sistema político-partidário nacional e disputa a hegemonia dessa maneira. O problema petista passa a ser o mesmo dos partidos social-democratas pelo mundo: Se a estratégia é ocupar as instituições burguesas para subvertê-las, obviamente, passa a existir uma demanda pela criação de uma tecno-burocracia interna capaz de permitir que o partido atinja essa finalidade - e aqui falo de uma social-democracia do pós-guerra, sem a emancipação humana no horizonte visual, apenas pensando em administrar melhor as coisas e arrefecer a miséria capitalista.

Isso nos conduz a um problema objetivo: As instituições burguesas não são neutras; elas são passíveis de tranformação, mas também transformam quem as ocupa. Levando em consideração o que realmente são as instituições brasileiras, explica-se o que houve com o PT nos anos do Governo Lula. O Governo atual não significa pouca coisa; ele conseguiu preservar o avanço dos direitos individuais e trouxe avanços relevantes no que toca ao desenvolvimento econômico e social do país, mas em contrapartida as instituições corroeram consideravelmente o potencial transformador do PT.

Outro ponto não menos relevante, é que com isso, o PT caiu na arapuca-mór do Estado brasileiro: Se perdeu em meio à relação antagônica entre uma ordem jurídica moderna instituída verticalmente - e sem a construção dos devidos espaços políticos correspondentes para recepcionar essas mudanças na base da sociedade brasileira - e uma ordem política arcaica em certa medida também anacrônica - e e esse equívoco, notem, é uma espécie de herança maldita do positivismo, afinal, algo não muito diferente ocorreu quando da instauração da República. Essa evolução social do país vista nos últimos anos, por si só, não resolve essa questão, ao contrário, ela vai até onde essa contradição permite que ela vá.

O PT hoje é uma das maiores agremiações políticas do país caso pensemos no peso que ele tem nas instituições e as posições que ele ocupa, mas sua importância em meio à sociedade civil diminuiu: O partido da estrela sempre foi uma aguda singularidade na nossa história política justamente por ter sido o único partido brasileiro a ter vínculos reais com a sociedade, mas isso está se perdendo de maneira severa e de um modo muito rápido. Faltam grandes teóricos de política e economia e a porosidade para intelligentsia se estreita na medida em que o próprio espaço para a reflexão diminui - diante da afirmação de um pragmaticismo que sempre existiu lá dentro e decorre de certos vícios da esquerda mundial pós-Revolução de Outubro, mas que agora se acirra. Isso se revela, por exemplo, na forma como as escolhas são tomadas internamente, como escreveu recentemente Alexandre Nodari - em um texto que eu tenho lá as minhas discordâncias, mas que tem ótimos momentos, principalmente quando cutuca certas feridas que precisam ser cutucadas.

Sobremais, a tentativa de superação do PT por meio da fundação do PSOL, por sua vez, também se mostra um equívoco; o novo partido não consegue se livrar de certos vícios que remontam ao PT e ainda os reproduz com acentuada velocidade; ele também não consegue se colocar como uma antítese capaz de superar o projeto lulista - por sua vez, é preciso ressaltar que ele nasce de uma racha verticalmente realizado por uma série de quadros petistas que não conseguiram, ao longo desses últimos quatro anos, se aproximar da sociedade, caindo no hermetismo pequeno-burguês que durante décadas marcou a esquerda nacional.

Hoje, o reformismo petista, mesmo com a queda gradual e decidida do seu potencial transformador, ainda é o único pólo real capaz de produzir avanços sociais no país - e continuará o sendo até quando (e se) surgirem opções efetivas à esquerda e até quando (e se) a sua marcha atual lhe permitir produzir qualquer avanço que seja. Se acontecer a pior das hipóteses do segundo ponto conjugada a pior do primeiro, estaremos em um processo de exaustão da política nacional com consequências catastróficas. Resta ponderar o quanto os avanços sociais produzidos nos últimos anos poderá servir para oxigenar esse quadro. É hora da esquerda parar para pensar e largar mão da atitude binarista em relação ao momento histórico que estamos vivendo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Bolívia: Evo vence Novamente

(Foto retirada daqui)

Evo Morales Aimá foi reeleito
presidente da Bolívia em Primeiro Turno com uma excelente votação: Aproximadamente 62% dos votos contra 23% do principal candidato de oposição, o extremo-direitista Reyes Villa. Essa marca fica abaixo do que Morales previu, 70% dos votos, mas bem acima dos 53% que ele teve na sua primeira eleição e, convenhamos trata-se de uma marca suficiente para que ele governe com tranquilidade; ademais, o seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), registrou uma importante votação e ficará com algo em torno de 25 das 36 cadeiras do Senado e 88 das 130 cadeiras da Câmara Baixa.

A reeleição de Evo só foi possível com a nova Carta Magna boliviana elaborada durante o seu primeiro governo e aprovada mediante votação popular - tal processo era vedado pela Constituição anterior. A atual Constituição Boliviana também estabeleceu um poder maior para o Presidente da República, o que aproxima o modelo de Estado boliviano de uma Democracia participativa, mas com a figura de um líder garantidor sobre ela; ela também trouxe adventos como a permissão de voto para as colônias bolivianas pelo mundo assim como avanços no que concerne às áreas do meio-ambiente, direitos sociais, direitos das populações indígenas etc. Enfim, na prática, tal carta transformou a nossa vizinha em uma Social-Democracia - pelo menos do ponto de vista jurídico.

Pesados prós e contras, a Bolívia refundada durante o Governo Morales é um país muito melhor do que era há dez anos atrás, mas não se pode perder do horizonte visual o risco que a não existência de instrumentos contra-majoritários podem gerar em um futuro próximo - a existência de mecanismos de freios e contra-pesos em modelos de organização estatais clássicos não representa em prejuízo da Democracia -pelo menos até onde ela chega nesse tipo de modelo -, mas sim numa verdadeira vacina contra a sua possível degeneração, traindo a sua lógica em um primeiro momento para preserva-la mais adiante (sim, por isso vacina: Ela traz em seu conteúdo os componentes do veneno ou da moléstia como forma de subvertê-la).

De qualquer forma, a eleição de Morales foi a segunda vitória de um esquerdista na região nesses últimos dias; no último final de semana,
como noticiado aqui, o ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica
venceu as eleições uruguaias, marcando a continuidade da esquerda no poder em seu país ao vir na esteira (e com o apoio) Tabaré Vazquez - que pode não ter sido tudo aquilo que poderia ser, mas pelo menos promoveu um processo de reformas efetivo e honesto em relação ao qual Mujica será, muito provavelmente, um avanço por meio da chamada Frente Ampla. No entanto, a esquerda - e aí entendam tudo que estiver da parte canhestra do plano até o seu extremo - corre riscos no Chile, pasmaceira do Governo Bachelet produziu a possibilidade da direita voltar ao poder - sem ter superado o paradigma de Pinochet ainda...