domingo, 21 de fevereiro de 2010

O Socialismo e o Novo Programa do PT

Temos debatido por aqui nos últimos meses, os desdobramentos da história do Partido dos Trabalhadores, agremiação partidária do Presidente da República e que completa trinta anos agora em 2010, justamente quando se disputará a sucessão presidencial num claro choque dos projetos que têm monopolizado a cena nacional desde a implementação da Constituição de 88. Recapitulando, os três documentos fundamentais precisam ser compreendidos para se juntar as peças do quebra-cabeças petista: O Manifesto de Fundação - que marca o nascimento do primeiro partido de esquerda brasileiro assentado sobre a lógica de autorganização dos trabalhadores e de espontaneidade das massas -, o Manifesto dos 113 - que afirmou o PT enquanto instrumento estratégico e não tático, quase que sua verdadeira carta de fundação - e a Carta ao Povo Brasileiro - que marcou a formalização de um movimento que já tinha se iniciado nos anos 90 e apontava para a fixação do partido enquanto uma agremiação de centro-esquerda, afirmando-se enquanto instrumento de produção do desenvolvimento nacional e distribuição de renda.

No que toca o último documento, a palavra "socialismo" sai de cena assim como a opção classista do partido - em suma, ele se dirige ao "povo" e não aos "trabalhadores". A palavra socialismo tem um significado mais ambiguo do que se pode imaginar; ela incorava desde os sonho de justiça social dos chamados utópicos até a ideia da defesa de um Estado democrático e popular que traçasse políticas em prol da coletividade. Em Marx, ela aparece com adjetivo científico para se diferenciar das demais concepções de socialismo para se apresentar enquanto um estágio no qual após ter tomado o poder, a classe trabalhadora socializa os meios de produção num processo que conduzirá ao Comunismo - estágio onde as contradições sociais estariam dirimidas e o homem estaria emancipado da opressão promovida pelo Capital -; para os anarquistas, socialismo era também a tomada dos meios de produção pela classe trabalhadora, o que abriria espaço para uma democracia popular - não uma ditadura classista na acepção marxista do termo. O movimento social-democrata, que também se reivindicava socialista, nasceu sob a lógica da organização dos trabalhadores em uma agremiação partidária para disputar espaços dentro daquilo que Marx denominava por "democracia burguesa" e assim conduzir a um processo de reformas que conduziria ao Comunismo - mais tarde, o Comunismo sai do horizonte social-democrata para dar lugar a um "capitalismo com face humana".O Comunista Gramsci via um caminho diferente, no qual a luta parlamentar não excluiria a luta revolucionária dos trabalhadores.

O PT nasce como uma mistura de socialistas cristãos - ligados à Teologia da Libertação -, social-democratas e socialistas no sentido marxista - desde leninistas até trotskystas (mais adiante defenestrados) e outros mais ligados ao eurocomunismo -, mas na prática funcionava de uma maneira não muito diferente ao Partido Comunista Italiano, de óbvia inspiração gramsciana, sem desprezar a luta pelos espaços no Estado ao mesmo tempo em que buscava vínculos reais com a sociedade civil, em especial, com os movimentos sociais de reivindicatórios de uma transição progressista da Ditadura Militar para a Democracia. A década de 90 opera modificações muito fortes na linha do partido por conta da profunda modificação da função do Estado promovida nos anos FHC, o que traz o partido para uma social-democracia nos moldes kautskyanos: A busca pela divisão do produto do Capitalismo - e não dos seus meios de produção - por um Estado democrático e popular torna-se o norteador do Partido quando no governo, a despeito de suas alas mais à esquerda que são atropeladas. Ainda assim, o novo norteador não traz abertamente o termo "socialismo", não é buscada uma redefinição para ele - afirmando, talvez, a concepção kautskyana de socialismo -, simplesmente ele se torna o óbvio evidente no projeto.

Agora, à luz do seu 4º Congresso, o PT traz o Socialismo de volta ao programa, "mas sem rupturas", o que significa que o Partido está disposto a afirmar a Social-Democracia - ou o "socialismo democrático" para não gerar nenhuma confusão de ordem lógica com o seu rival, o PSDB - enquanto ideologia partidária, o que a mídia corporativa já usa como factóide no sentido de afirmar uma "'radicalização' do partido às vésperas das eleições", em um terrorismo não muito diferente daquele visto em 2002 que reflete apenas e tão somente a radicalização da própria mídia. O grande ponto é que nada muda. Talvez a popularidade de Lula e o bom desenvolvimento da candidatura de Dilma simplesmente deram tranquilidade para o partido trazer à baila uma discussão que nem precisa ser pública para ser conhecida, bastava analisar a natureza das políticas do atual governo. Qualquer análise que vá para além da retórica midiática vai apontar apenas para a afirmação pública do discurso que na prática tem orientado as ações do PT nos últimos tempos, se fosse realmente uma guinada à esquerda, o candidato à Presidência seria, no mínimo, um Tarso Genro e não Dilma - que há pelos menos trinta anos sustenta posições de centro-esquerda , desde que ajudou Brizola a construir o PDT até o momento em que ela debandou do partido em 2000 junto com a ala mais à esquerda dele no Rio Grande do Sul. 

Um eventual governo Dilma teria mais precisão administração administrativa do que o atual, menos imaginação do que ele e talvez, pelo tempo de Governo do PT, traria mais segurança para o partido ousar - o que só resultou em benefícios para o país como provam as ocasiões que em ele teve a coragem de quebrar certos paradigmas herdados. O novo programa petista, ou pelo menos os debates sobre ele, mostram apenas o assentamento das modificações instituídas nos últimos anos - muitas vezes recebidas com sorrisos amerelos pelos petistas - ao mesmo tempo que sua admissão pública também é fruto do sucesso de algumas políticas de governo que moveram sim o país um pouco para a esquerda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário