terça-feira, 29 de junho de 2010

O G-20, a Ordem Mundial e o Aniversário de Honduras

(Cristina Kirchner na Cúpula do G-20 - Página 12)

Ontem, deparei-me com a declaração final do G-20 sobre mais esse capítulo da Crise Mundial. Esse peculiar clube dos Estados que, juntos, praticamente, monopolizam a produção econômica mundial. Sou do tempo quando ainda se falava em G-7. Os americanos, os japoneses, o Canadá e os quatro grandes da Europa - Alemanha, França, Reino Unido e Itália. Era um tempo de fim de festa - e de História - quando a União Soviética fez-se pó - com a fragmentação do país e uma crise aguda nos países recém-nascidos que apostavam numa transição absurda, para a felicidade de certos teóricos ocidentais -. a Iugoslávia se consumia no Guerra Civil sanguinolenta os holofotes ainda não se voltavam para China e Índia, enquanto o Brasil era apequenado pelos seus líderes.

A evolução do processo de mundialização do Capitalismo alterou profundamente a relação do sistema de produção com os Estados-nação, o que se configurava por uma nova configuração da divisão internacional do trabalho e do consumo, na qual o Estado deixava de ser a estrutura necessária para a manutenção do Capitalismo para se tornar instrumentos cômodos. Isso muda tudo. A informática é responsável em grande parte por isso, seja nas linhas de produção ou de comunicação. Nada de novo sob Sol, computadores e suas redes integradas são como as velhas alavancas, aumentam a eficiência do Trabalho, a sua peculiar natureza sob o sistema capitalista é como isso se relaciona com um sistema cujas unidades de produção, por excelência, funcionam de forma anti-sistêmica. Falo, portanto, de desemprego e avanço da desigualdade material.

Por outro lado, a alteração na relação de produção e comércio mundial nos leva a uma nova conjuntura que altera a relação de poder entre os Estados: Em dado momento, as potência ocidentais controlaram nacos consideráveis do mundo por meio do seu sistema financeiro e de instrumentos cambiais. Muito embora não produzissem mais, tinham moedas mais fortes, o que servia como mecanismo de controle. A mundialização das empresas as fez notar para outros fatores: O poder de comprar real das moedas. Se você instala uma empresa na China e aufere seus ganhos em dólar, não será nada animador, no entanto, caso o cálculo seja feito em cima do que aquilo pode comprar no mercado interno chinês, a história muda. Essa internacionalização fez economistas e analistas voltarem seus olhares para o tamanho real da produção ainda que, paradoxalmente, a dita economia financeira, tenha sofrido uma elefantíase, mas advirto: Nunca de forma descolada da realidade produtiva, talvez como sua parasita, mas o sistema financeiro não passa, como nunca passou de um instrumento político de realocação da mais-valia, ideologicamente legitimado .

O crescimento econômico mundial fez com que a China se destacasse. Comandada por uma tecnocracia que se corporifica no Partido Comunista, algo como uma imensa corporação monopolista nacional, o Trabalho é explorado - e a renda do trabalhador cresce em níveis muito abaixo de sua potente economia - e o país funciona como o fígado do mundo, recebe matéria-prima, processa exporta. A China mantém dessa forma boa parte do consumo mundial: Ela garante preços baixos e, ao mesmo tempo, usa parte desses ganhos para comprar títulos da dívida americana e papéis de todo tipo como forma de garantir mercados consumidores. Os trabalhadores, alienados da simples ideia do produto do seu trabalho são mal-remunerados, os tecnocratas, enriquecem.

Hoje, o chamado BRIC - grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China - detém mais de um quinto da economia mundial e dois quintos das reservas econômicas mundiais. A China é grande responsável por isso. Os quatro, juntos, formam um grupo deveras heterogêneo, mas que quando concordam em algo, possui um pode imenso para pautar o item na agenda mundial. A reservas monetárias, mais do que as bombas atômicas russas, chinesas e indianas. Isso esvaziou o poder desse G-7 - que no meio do caminho foi transformado em G-8, absorvendo a Rússia de Putin, suas bombas atômicas e seu Capitalismo de Estado. Mas ao invés de um G-11, fez-se um G-20 para completar todos aquele que realmente controlam o Capitalismo Mundial, restando uma fração pequena.

Ao meu pensar, o cerne da Crise Mundial é bastante simples: Trata-se de um esgotamento de um sistema econômica que, na prática, constitui-se como um projeto suicida - como bem define Paulo Arantes - e que, portanto, anda mesmo de mãos dadas com a esquizofrenia - se permitem o deleuzianismo. O modelo é um natimorto, uma tentativa de construção de um Capitalismo Mundial sobre as velhas estruturas nacionais, desprezando a lição de Lord Keynes, sem embargo, o maior defensor do Capitalismo que já existiu, que apontava para a construção de instituições internacionais e, inclusive, uma moeda mundial - para servir como referencial de troca. Sem isso, o Capitalismo Mundial teve de orbitar em torno da potência americana, mas seus líderes, incapazes de resistir aos acintes dos grupos de interesse específicos internos, viu-se incapaz de corresponder a tal tarefa.

George W. Bush antecipou aquilo que aconteceria em quinze ou vinte anos com suas políticas belicistas. Nem mesmo toda boa vontade do Partido Comunista Chinês em financiar suas aventuras bélicas, seria capaz de financiar a ponto de anular seu déficit nas contas pública que, junto ao déficit comercial - crônico, devido ao modelo consumista - corrói, dia após dia, a economia central. A tentativa de reequilibrar tudo com uma desvalorização do dólar representa uma saída simples no curto prazo, mas que só aumenta as nuvens negras no horizonte: Mesmo que os eurolíderes aceitassem tal medida covardemente, como aceitaram, isso só representaria uma transferência do desarranjo e não sua solução - pelo menos aqui parte-se do princípio que tirar a bomba do próprio colo para repousa-la no colo de quem está imediatamente ao lado não me parece estratégia viável.

A Europa merece um parágrafo à parte. Quando muitos analistas falavam na falência do modelo americano e a ascensão do modelo europeu, não restava outra coisa senão rir. O modelo europeu nada mais é que uma construção astuciosa das potências europeias para submeter as pequenas economias do continente - tudo sob os auspícios de lemas vazios envolvendo um dita solidariedade continental. Uma moeda única como instrumento geral de trocas para economias diferentes, com condições de equiparação falsas. Cedo ou tarde, os países periféricos ruiriam. Com os ajustes americanos, uma sobrevalorização do Euro - muito embora com um PIB capta alguma coisa maior do que a metade do americano, a moeda europeia ostenta, neste exato momento, uma taxa de câmbio 21% mais valorizado do que o dólar. A válvula de escape do comércio exterior à Europa é comprometida e traz à tona uma série de problema fiscais de países que nunca tiveram mecanismos reais para de equiparação.

A fagocitose fica clara. Euroautoridades aparecem com suas faces rosadas e escarnecidas culpando gregos, portugueses e espanhóis por sua irresponsabilidade. O programa de "ajustes" proposto para a Grécia, sem medo de exagerar, se coaduna com a mesma lógica genocída das terapias de choque do Leste Europeu nos anos 90 - e não deixa de ser ilustrativo de como o Capitalismo anda de mãos dadas com a esquizofrenia mesmo, até mesmo "terapias de choque" ganham seu lugar em momento de crise dependendo da escola do analista. Nouriel Roubini nos dá a real dimensão do choque quando compara a crise grega com a argentina de nove anos atrás. Voltemos à declaração final do G-20: É essa mesma lógica europeísta agora elevada ao cubo. Nada mais preciso do que a resposta da Presidenta da Argentina Cristina Kirchner sobre a tal lógica de ajustes: A Argentina é maior prova do desastre que a ortodoxia financista realmente é, seja pela hecatombe produzida nos anos Menem ou pela forma como o país escapou à sua falência, achando soluções diametralmente opostas a certo receituário.

Aqui não reside qualquer apologia à heterodoxia. Ambas, como os nomes suscitam, pertencem ao império da opinião e fazem jus ao seu nome. Ao menos os heterodoxos, por definição, não se pretendem os senhores da verdade e sabem que a real tarefa deles é achar as linhas de fuga que o Capitalismo necessita no campo da Política Econômica. Enquanto a ortodoxia é uma aguda forma de idealismo destinada a produzir contradições indissolúveis, a heterodoxia é uma forma de resolução das mesmas dentro da ordem, sem, no entanto, cogitar superar as causas - portanto, falo de uma máquina esquizofrênica de resolução de problemas pelas consequências.

Frente a isso, o sistema americano permanece incapaz de produzir saídas. O sistema político-partidário americano é incapaz de construir sequer resoluções para as consequências dos problemas, pois a flexibilização para se adequar a certas demandas parece impossível. Estamos às voltas com o primeiro ano do Golpe em Honduras, dia em que qualquer possibilidade do Governo Obama poder representar uma sobrevida ao modelo virou vapor. A História, portanto, vive - e estamos em um período de grandes e bruscas mudanças, comparável até aos anos 80.

2 comentários:

  1. É impressão minha, ou o Canadá sempre foi incluído no G-7 apenas para dar 'amém' ao Reino Unido? Oficialmente, o chefe de Estado canadense é... a rainha Elizabeth II.

    ResponderExcluir
  2. Luis,

    Depois da NAFTA - o famigerado projeto, cujas bases serviriam para construção da ALCA -, o Canadá também passou a servir para dar amém aos EUA - mas não há contradição nisso, ou eu muito me engano ou o Reino Unido de Thatcher em diante não discordou muito de Washington. Em tese, ele estava lá porque era uma das sete maiores economias do mundo à época da hecatombe no leste europeu - usando o critério do PIB convertido em dólares americanos. Atualmente, o Canadá ainda tem o segundo maior PIB per capta (em valores reais) entre os países que formavam esse G-7, sendo que ele tinha o maior nos anos 80 - seu valor é de aproximadamente 80% do PIB per captar americano. Essa perda de terreno se explicou pela maneira como a economia foi fagocitada pelos EUA - o que implicou, inclusive, no desmonte do seu Estado de bem-estar, o que reavivou os sentimentos nacionalistas no Quebec, província autonôma e francófona, que se opõe a esse alinhamento.

    abraço

    ResponderExcluir