quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Andamento da Campanha, os Rumos do PT e PSDB e a Mexicanização

Segundo as informações do tracking do Vox Populi encomendado pelo IG e pela Band, Dilma Rousseff está com 51% das intenções de voto contra 25% de José Serra e 9% de Marina Silva. Trata-se de uma diferença absurdamente grande que confirma a tendência surpreendente das últimas semanas: Muito embora uma eleição só se decida mesmo quando os votos são contados, os números que surgem apontam para uma vitória do PT  muito maior do que poderia se supor. Você poderia até argumentar, meses atrás, que Dilma iria vencer - talvez por uma boa margem -, mas afirmar que essa eventual vitória pudesse ser tão grande que a própria correlação de forças político-partidárias -  estabelecida no distante ano de 1994 - cairia por terra, já seria um pouco demais. Não é o caso. Por essa pesquisa, Dilma estaria com 60% dos votos válidos, o que daria um pouco mais do que 60 milhões de votos logo de cara. Serra teria 29%, o que está bem abaixo dos 40% que ele vinha mantendo  do Segundo Turno de 2002  para cá. Isso muda muita coisa.


Isso é fruto de vários fatores. Um deles foi o crescimento acima da média nos últimos anos - acompanhado de distribuição de renda - e como o país passou pela Crise Mundial, com baixíssimos danos especialmente para os trabalhadores. O país recuperou o rumo do crescimento econômico e, pela primeira vez, o fez respeitando as liberdades individuais e coletivas - muito embora, inúmeras reformas tenham ficado por fazer -, além de ter construído isso junto com políticas sociais efetivas. Por outro lado, não é só o discurso do PSDB que está em crise, mas a sua própria prática política - e isso é muito grave. Há outro ponto revelador é que a tese do fim do efeito "pedra no lago" como anteviu, há quatro anos atrás, Franklin Martins: O PSDB se ancorou numa estratégia de atuação distante da sociedade civil que demanda o apoio da mídia de massa - isso tem a ver com seu projeto de poder e sua forma de exercício político, portanto, não é um mero acaso -, no momento em que isso comprovadamente está perdendo a efetividade, o próprio partido entra em xeque. Os tucanos precisam renovar-se, mas pode ser que isso não seja possível - aliás, a direita se organiza por fora do sistema político-partidário, portanto, muito embora essa derrota a desagrade, ela é a desdita de um instrumento seu e não das forças reais que a estruturam, muito embora ela saia mesmo enfraquecida do processo.


Há muitas perguntas que surgem no atual momento. Uma delas é como se o PT tocará as reformas mais profundas que o país precisa - e se isso vai dar certo -, a outra é qual será o rumo da direita se uma derrota tucanas, com esses números, se confirmar 03 de outubro. Não falta quem já comece a levantar hipóteses. Uma delas, é a que o NPTO resenhou - de forma devidamente crítica - sobre a possibilidade de mexicanização da política brasileira que o Bolivar Lamounier levantou e o Limongi contestou. Não rola. O PT não se parece - felizmente - com o PRI - apesar de que ambos sejam organizações técnico-burocráticas, o ethos petista é outro e ainda guarda ligações com movimentos de transformação social, não sendo uma força estrategicamente articuladora dos fatores reais de poder estabelecidos. Embora alertar para os riscos de uma aliança entre PT e PSDB na reforma política - e uma aproximação entre os dois seria o pior dos mundos para a política nacional dos próximos anos seja lá qual for o tema - é válido, mas a única verdadeira mexicanização que eu concebo na política nacional é aquela que certamente decorreria das propostas de políticas econômica e de relações exteriores - e falo de diminuição do Estado e alinhamento automático com os EUA -  sobre as quais o PSDB se assentou nos últimos anos - e nenhuma mais.  


P.S.: Acrescentei uma frase antes de mexicanização para expor melhor minha ideia sobre o artigo.


P.S. 2: A terceira frase do segundo parágrafo continha uma informação errada que foi corrigida graças ao alerta do André Egg.

6 comentários:

  1. Olha, eu queria saber o que esse pessoal da "Mexicanização", "Argentinização", "Venezuelização" diria se um John McCain da vida apontasse o risco de "Brazilianization" dos Estados Unidos como uma ameaça. Certamente os chiliques no Baixo Gávea alcançariam níveis insuportáveis.

    Sem contar que o exemplo de partido que se eterniza no poder é sempre o mexicano (reconheço que até por proximidade cultural) mas podiam citar outros casos, como o Partido Liberal Democrata no Japão ou o Fianna Fail na Irlanda pra mostrar que esta hegemonia nem sempre é ruim (não, eu não acho que ela exista nem esteja próxima de existir).

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  2. Pepino,

    Creio que se Mc Cain falasse em brazilianation da política americana, ele usaria tom pejorativo - o que deixaria os setores conservadores da elite preocupados com a situação dos EUA e não com a imagem do Brasil, que eles já naturalizaram como "ruim" e "atrasada"; a indignação sobre essa fato hipotético viria dos nacional-desenvolvimentistas e da esquerda, justamente os setores que dão sustentação ao Governo petista. Esses setores conservadores se indignariam apenas se Mc Cain usasse tal expressão em um bom sentido - o que seria ilógico, mas se ele fosse tão racional assim não seria republicano -, o que provocaria gritinhos histéricos acusando aquele político de desconhecer o Brasil - e algum político americano poderia fazer algum elogio usando o Brasil como referência em certas áreas, afinal, não tenho dúvida que as nossas perspectivas, apesar dos pesares, é melhor do que as deles.

    Sobre o segundo ponto da sua análise, você acertou na mosca, meu velho: Por que não usar o exemplo de Japão e Irlanda, já que estamos tratando de um hipotético fenômeno de monopolização da política institucional por parte de um único partido pela via do voto? Concordo contigo, não é isso é que está acontecendo, mas o temor dessa hipótese - muito embora, remota - é infundado e estruturado de modo a desqualifica-lo preventivamente. Zizek, em um artigo seu chamado Em Defesa da Intolerância, expõe muito bem sobre uma das características fundamentais do discurso ideológico: Eu uso o exemplo que me convém, se sou um ideólogo tucano e me pego com a ideia de um projeto de não sei quantos anos de PSDB no poder - e de que o partido pode monopolizar a política nacional -, tiro da manga a ideia de que "assim o Brasil viverá uma era de desenvolvimento fantástico, tal como o Japão do pós-Guerra", mas caso haja o risco do PT conseguir o mesmo, saco o exemplo mexicano. O ideólogo o é, justamente, por não produzir em regra discursos que abordem as visões globais - enquanto observador que olha de um ponto -, mas por reivindicar uma visão global - e transcendental - para legitimar seu discurso que é estruturado nos fatos que lhe são convenientes - o ideólogo não quer esclarecer e libertar, seu papel é negativo, ele é o de encobrir o que sabe e é incômodo, para orientar as ações que deseja. Não estou dizendo, por exemplo, que o PT está livre disso, mas na prática, o PSDB produz muito mais ideologia do que o partido da estrela por conta da natureza do seu projeto.

    abraços

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  3. "ambos sejam organizações técnico-burocráticas"

    o que você quer dizer com isso?

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  4. Hugo, só uma correção. Quem levanta a possibilidade de Mexicanização é o Bolivar Lamounier. O Limongi contesta isso veementemente.

    As curvas das pesquisas indicam que o PSDB vai tomar uma surra da qual dificilmente se recupera. Tudo problema das estratégias deles.

    Os caras vão ter que repensar toda sua política, e os próximos anos vão ser o verdadeiro rearranjo político que o Brasil nunca teve nas suas "redemocratizações". Agora o caso é mais profundo que as mudanças do governo Vargas - naquela época não tinha trabalhador nem partido socialista no arranjo institucional. Era tudo populismo e modernização conservadora/autoritária.

    Quem fica na associação Lula/Vargas perde a maior parte do que deveria analisar.

    O que se avizinha para o PSDB/DEM é, pela primeira em suas histórias como partidos, terem de tentar chegar ao governo sem poderem partir de uma posição solidamente arraigada dentro dele. Ou seja, vão ter que aprender a fazer oposição. Serão capazes?

    O PT que nasceu como oposição, demonstrou-se capaz de ser governo. Ninguém mais tem dúvida disso.

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  5. Sonia,

    Eu quero dizer com isso que ambos são estruturas materializadas enquanto grupos fechados que trazem a política para dentro de si - com boa intenção, como sempre - e se ordenam por meio dos métodos mais aperfeiçoados possíveis com a finalidade de realizar mudanças econômicas e sociais de caráter programático. Em que se pese a diferença entre ambos - que sempre existiu e continua a existir -, não podemos dizer que mesmo o PT é braço de um movimento de trabalhadores, mas sim que ele foi somente o criador de organizações de trabalhadores como seu permanente instrumento de organização frente às demandas reais que as contradições capitalistas geram - o PSDB, por definição, poderia ser o mesmo, mas trata-se de uma estrutura social-democracia falsa, pois além de não ser braço de movimento proletário algum, ainda nutre relação de antagonismo com ele, muito embora formalmente, sua organização remonte a um partido social-democrata mesmo pelas características que eu elenquei no começo.

    Isso poderia - e mereceria - ser melhor analisado em um post, mas é curioso que se o velho Marx e Engels estimulavam a organização de partidos de trabalhadores nos fins do século 19º, não é porque acreditavam na democracia burguesa, mas porque era importante, naquele momento, construir estruturas astuciosas capazes de penetrar naquela esfera de representação farsesca para denunciar sua própria natureza - em momento algum eles pensaram o Partido enquanto organização autônoma do movimento dos trabalhadores ou mesmo capaz de tomar-lhe as vezes de sujeito transformador, isso é uma ideia que nasce depois, talvez em Berstein, mas encontra sua formulação definitiva em Kautsky, cuja obra é o grande ponto de inflexão nessa história.

    PT e PSDB, embora não sejam organizações anti-democráticas em essência, também não estão fora da tradição do vanguardismo e trazem consigo - especialmente no segundo caso - o vício de origem de não reverter o grande mal da democracia burguesa que foi o de ter tirado a política da Praça Pública e a confinado nos salões nobres dos palácios ou nos edifícios da burocracia - é evidente que o PT tem milhões de vezes mais porosidade e ligações reais com a "sociedade civil" do que seu rival, mas tem justamente porque não se confunde nem pode ser deduzido dela, ele não é instrumento de atuação da classe proletária, mas sim uma verdade em si mesmo enquanto sujeito transformador.

    abraços

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  6. André,

    Obrigado pela correção, foi ato falho, irei corrigir.

    Sobre o ponto, contesto a tese da mexicanização pelo caráter meramente ideológico que essa afirmação carrega porque (I) Muito embora o PT deva conseguir uma expressiva vitória em Outubro, ela não o converterá em algo do porte do PRI (II) Mesmo que essa hipótese remota acontecesse, o PT não é mesmo o PRI. Trata-se, portanto, de mais terrorismo contra a vitória acachapante que o PT pode ter - a produção da superstição do, mesmo que não goste da oposição, vote nela para equilibrar melhor o poder. Enfim, afirmação manjada entre afirmações manjadas.

    Concordo perfeitamente contigo sobre o erro da comparação Lula/Vargas, basta lembrar por exemplo de que na era Vargas, havia uma aliança horizontal com a oligarquia rural que fazia com que os trabalhadores rurais não tivessem direitos trabalhistas, o que diminuia a eficácia da própria CLT. Ali, tratava-se de um projeto de modernização, embora profundo, de natureza conservadora. O que Lula fez foi outra coisa e a intelectualidade tradicional do Brasil teve dificuldade para entender isso - e tem até agora, seja no PSOL ou no PSDB/DEM, ela continua não entendendo o que se passa -; houve um impacto semelhante ao de uma revolução com as políticas de absorção da miséria e as de desenvolvimento nacional, o que aumentou brutalmente a renda da classe trabalhadora, alterando de forma radical as relações sociais (e a própria forma de ver política) em meio à classe trabalhadora.

    O PSDB sempre se quis um partido urbano e aliado a setores da pequena burguesia, assentado no esquema da mídia de massa para se conectar à sociedade civil. Essa concepção é coisa dos anos 80 ou 90, insistir com isso agora deu nesse naufrágio. Além da crise na cidade, isso fez com que os tucanos dependessem de uma aliança horizontal - e não como a do PT, que submete as oligarquias regionais - com lideranças particularmente arcaicas geralmente ligadas ao DEM, justamente, os setores mais afetados pela política lulista. Então, mais do que um problema discursivo, ele é prático também - e envolve não só o programa como sua capilarização pelo nosso imenso território. Sem uma profunda reforma interna, o PSDB corre sim o risco de sumir - mas ele pode voltar ao jogo sem isso, caso o PT falhe no processo de execução das reformas ou resolva contemporizar se aliando a ele por realpolitik como aconteceu em Minas. Por ora, PT e PMDB darão as cartas mesmo e os tucanos precisarão fazer a autocrítica não feita dos anos 90, isso é o que temos de concreto.

    abraços

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