quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Caso Neymar e o Estado da Arte do Futebol





(Dorival e Neymar -- Agência Estado)

Na quarta-feira passada, em jogo válido pela 22ª rodada do Brasileirão, o Santos venceu por 4x2 o Atlético-GO na Vila Belmiro. O que era para ser um jogo sem sal entre a melhor equipe do primeiro semestre e um sério candidato ao rebaixamento tornou-se, de repente, além de um jogo movimentado, também o olho do furacão da maior polêmica do campeonato atual: O técnico Dorival Jr. vetou o atacante Neymar de bater um pênalti, o que resultou em enorme bate-boca entre os dois, no qual, ao que parece, muita coisa que estava presa eclodiu de uma vez só. Banco de reservas, torcida e até mesmo o treinador adversário, Renê Simões, ficaram do lado de Dorival.

Depois da tempestade, Neymar deu uma coletiva de imprensa emocionada, falando sobre si mesmo em terceira pessoa e pedindo perdão; enquanto isso, Dorival permanecia irredutível, exigindo uma punição mais dura - enquanto até mesmo o empresário de Neymar, como é recorrente no futebol brasileiro atual, enfiava seu bedelho onde não era chamado, defendendo o seu ganha-pão. A diretoria, perplexa, tentava pôr panos quentes e tocar a vida. A insistência de Dorival na punição forçou a diretoria santista para além de suas capacidades; pressionada, ela demitiu ontem o treinador, jogando publicamente sobre suas costas a culpa de toda crise numa das demissões de treinador mais desastradas, em décadas, no futebol paulista.

Muito embora se possa criticar a paranoia punitivista de Dorival, a discussão sobre o autoritarismo das relações treinador-jogador é, se muito, lateral nesta questão: O futebol de hoje, mesmo com o recuo da orgia de gastos na Europa, ainda é movido a consideráveis fluxos de capital, especulação e mutretagens de um modo geral; a sociedade do espetáculo e da velocidade transforma o futebol num espetáculo que é cada vez mais uma encenação dele mesmo, alimentando o ego de jovens atletas - que rapidamente perdem essa condição, tornando-se meros garotos-propaganda -, especialmente os oriundos do Brasil, do resto da América do Sul e da África, negociados como gladiadores para o circo romano. 

As mudanças operadas no futebol brasileiro nos anos 90, com o fim do Passe, acirram esse processo nessas terras ao provocar a desvinculação dos jogadores de futebol do controle dos clubes, sem lhes conceder qualquer tipo de liberdade - ao contrário, a opressão apenas foi transferida na medida em que eles tornaram-se propriedade de empresários que, da venda de ilusões pueris de grandeza, os controla (e os adestra) perfeitamente. O jogador é transformado em senhor da situação, quando, na verdade, só é senhor das próprias ilusões e dos próprios delírios de grandeza. O efeito prático disso foi a erosão das relações humanas no mundo do futebol. Não são poucos os jovens talentosos da atual geração de atletas brasileiros que se tornaram um blefe - e você não precisa fazer um esforço tão grande assim para pensar em exemplos recentes -, tanto menos por falta de talento do que por falta de juízo. 

Renê Simões, quando se referiu com dureza à insubordinação de Neymar tinha razão em grande parte: Ele não é um craque nem um adulto ainda e, apesar de todo oba-oba de uma imprensa esportiva sem pauta - e seu conhecimento de causa -, mas sim um garoto que precisa ser urgentemente educado. Eu, entretanto, sou um tanto mais pessimista. Não existe Neymar, existem neymares no futebol nacional, tampouco existem condições razoáveis para que se eduque alguém no meio futebolístico de hoje. A derrota do Brasil nessa Copa, tragédia creditada integralmente ao seu ex-treinador, é só parte de um enredo maior na trama dos (des)caminhos do futebol nacional. As falsas expectativas que se avolumam em relação à próxima Copa - que, por sinal, seremos a sede -, só servirão para alimentar mais ainda tal processo.

  

2 comentários:

  1. O lambarí pescado - e frito - de ontem foi uma delícia.

    He, he.

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  2. Eu imagino. Aliás, ontem, por incrível que pareça, torci por vocês - depois de tudo que aconteceu, fiquei menos simpático a esse time do Santos; por outro lado, também gosto desse time do Corinthians, ele é consistente e honesto no que faz e pode fazer.

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