sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo

É, 2010 está prestes a terminar. Não podemos reclamar de uma coisa: Foi um ano longo e intenso. Tanta coisa, Copa do Mundo - e da Espanha campeã mundial, confirmando favoritismo acumulado nos últimos anos -, o longo período pré-eleitoral, as eleições que resultaram na vitória da nossa primeira Presidenta, Wikileaks e, ainda, a interminável saga de Cesare Battisti - ou a primeira pá de cal nos anos de chumbo italianos que Lula, depois de sua fala final, cismou em deixar para jogar apenas no cerrar das cortinas. Também foi ano em que a Argentina ganhou o Oscar  com o primoroso O Segredo dos Seus Olhos.  Por aqui, acho que o esforço de guerra para manter O Descurvo valeu a pena; depois de sobreviver ao primeiro ano - sempre tão duro para qualquer blogueiro -, creio que consegui não me perder neste ramo - que, no fim das contas, é a busca permanente pelo aperfeiçoamento da própria voz para, quem sabe, se fazer ler por um certo alguém em meio à multidão. Esta é a 264ª postagem do ano contra as 242 do ano passado - é, não sei como, mas aprendi a otimizar o tempo por aqui. Crescemos também em público, mantendo a mesma linha crítica e sem concessões de sempre. A blogagem ainda me intriga e continua sendo uma das experiências mais relevantes da minha vida - em meio às tantas experiências profundas que transformaram, irremediavelmente, a minha forma de sentir o mundo ao longo deste ano. Foi sensacional acompanhar blogs como A Navalha de Dalí do grande Murilo Côrrea, os sempre excepcionais Mundo-Abrigo e o Consenso, só no Paredão dos meus amigos Flávia Cera e Alexandre Nodari, os blogs puquianos dos gloriosos João VillaverdeTsavkko - além de seguir torcendo para que o meu amigo Ivan Sampaio perca o juízo de vez e caia nessa vida -, além dos blogões (no bom sentido) do grande Idelber Avelar - uma reverência, por favor - e do bom e velho NPTO (que, pelo visto, resolveram se revezar...). Aliás, saí do marasmo e comecei minha iniciação científica, fui convidado para uma monitoria bacana, enquanto a política estudantil me ensinava o quanto a reflexão e o debate sobre o contemporâneo consistem na verdadeira urgência da esquerda. Tantas coisas para dizer...Mas só me resta agradecer a quem acompanhou o blog ao longo do ano e torcer por um grande 2011.


um grande abraço e uma grande passagem de ano!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Lei de Mídia Venezuelana no Apagar das Luzes

Capa Original do Leviatã de Hobbes
Neste hiato entre o Natal e o Ano Novo, as coisas seguem seu ritmo próprio, é como se nada mais devesse acontecer - e o que acontece, mais parece que o faz por inércia, quase pedindo desculpas por ter acontecido. Um político profissional - sobretudo daqueles que exercem mando relevante no Estado - é suficientemente hábil para se aproveitar deste caro instante, imediatamente anterior ao apagar das luzes, para usar-se da dispersão geral para tomar decisões há muito planejadas, mas que demandam um certo piscar de olhos da multidão. No Brasil nem é preciso fazer longas digressões históricas, basta lembrar da recente votação na qual os parlamentares aumentaram os seus próprios vencimentos e os do Executivo, seguindo o efeito dominó do aumento dos rendimentos dos ministros do STF - o último movimento normalmente passa desapercebido pela opinião que é publicada, que se esquece do fato de é aquele o "teto constitucional". Nem é preciso entrar nos méritos ou deméritos do aumento, mas o fato é que ele é impopular, logo, há de se aproveitar uma boa oportunidade para aprova-lo. 

Na Venezuela, aparentemente, existe uma prática parecida e este profícuo período do ano foi utilizado para passar a sua nova Lei de Mídia - linkada aqui na íntegra -, que traz pontos polêmicos acerca da regulação da Internet. Para quem gosta de Direito Público, é um prato cheio: Colocar nas mãos da Administração a regulação da Internet - como já estavam a televisão e o rádio -, misturando boas medidas - como preocupação com os deficientes auditivos e reconhecendo de um modo geral a hiposuficiência dos usuários em relação aos meios de comunicação - com itens curiosos como a promoção da propaganda nacional(ista) e a vedação de coisas que façam "apologia ao crime" ou promovam, façam ou incitem medidas que ameacem alterar a Ordem. Isso, no entanto, é uma questão que transcende a questão venezuelana; como gente muito mais competente do que eu, como o Alexandre Nodari e o Murilo Corrêalembra, existem certas  peculiaridades na linguagem jurídica. O Murilo, aliás, tem um parágrafo primoroso sobre o assunto que  dialoga bem com o caso venezuelano:

Uma das hipóteses-mestras de minha dissertação [Do mesmo à ruptura: ensaios... (2009)] buscava avaliar se, e até que ponto, as teorias contemporâneas do direito (do neoconstitucionalismo à teoria do direito como interpretação, ou argumentação racional) serviriam como passagens móveis entre um esquema jurídico-disciplinar e a implantação do estado de exceção como paradigma de governo; nesse paradigma, o ponto de gravidade não é a ausência de normas, mas, grosso modo, uma indeterminação entre normas e fatos que gera uma zona de anomia, mantendo a totalidade do ordenamento jurídico vigente, mas suspenso, sem aplicação.

Não, a Exceção não depende exclusivamente da enunciação de uma determinação de suspensão da Ordem vigente - e consequente supressão de direitos -, pois ela pode ser operada pela própria indeterminação entre o que diz a norma - isto é, o tipo - e os fatos. Em nosso sistema, quem decide isso é o Leviatã: O poder soberano instaura a exceção na zona escura na qual ocorre o chamado processo de subsunção. Em temos mais concretos, acontece algo e esse acontecer não é entendido como fato jurídico por obra da natureza, tampouco ele é assim enquadrado na hipótese prevista em certo dispositivo legal, é o poder político instituído que realiza essa operação. A alegoria burguesa da segurança na lei - o legalismo - é um fantasma ou melhor, o rei está nu. Um belo exemplo disso é o tipo penal da apologia ao crime, prevista no direito venezuelano e na brasileiro também: Ao mesmo tempo em que as constituições modernas promovem a liberdade de expressão, existe um tipo no qual você é punido por ter discurso em favor de uma "conduta criminosa" - isto é, uma conduta que ofendeu um bem tutelado pelo Estado.

O paradigma da apologia ao crime consiste numa dobra desse esquema: Ele depende da consideração do juízo de certa autoridade de que uma conduta foi criminosa e, também, de que outra conduta subsequente consistiu em apoio ou incentivo à primeira. O episódio mais contundente que concerne a esse item foi a proibição no ano passado da Marcha da Maconha no Brasil, ainda que aquele caso pudesse ser facilmente desmontado logicamente, foi sob os auspícios da apologia ao crime que o Ministério Público se moveu para proibir a realização da marcha em diversos estados, o que foi perfeitamente exitoso em vários lugares graças às decisões judiciais no mesmo sentido - e, no fim das contas, são as sentenças que dizem o que é o direito nesse nosso mundinho, a despeito da argumentação de cidadãos enxeridos

É isso que está em jogo na Venezuela, nada que tenha a ver com qualquer particular degeneração da "esquerda", tampouco com qualquer arroubo de totalitarismo, é a própria marcha incessante do Estado de Direito que está em curso ali, visando regular a vida dos cidadãos para dentro do espaço (virtual) no qual eles ainda encontram uma liberdade que há muito (e por toda parte) já não é mais possível experimentar fisicamente - nada muito diferente dos EUA e sua busca cruenta por Julian "wanted" Assange. Aqui, a questão é o projeto iluminista, sua racionalidade abstrata e seu fetiche da governança - no qual está perfeitamente inserido o bolivarianismo em seus vícios e virtudes - que se insurge contra nós. 




sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal

Os bichinhos de Natal na Avenida Paulista
Foi um ano tão intenso para mim que mais parece ter sido uma década, mas não nego a minha surpresa de acordar hoje e me lembrar que já é véspera da Natal; é uma impressão é paradoxal, se o ano parecia quase sem fim de tão denso, por outro lado, quando olho para um ano atrás, mais parece que o Natal passado foi ontem. E Dezembro - mesmo o bom Dezembro, sempre tão fugaz - foi tão longo com a explosão do caso Wikileaks - de um Julian Assange que deve passar o Natal livre, felizmente - e todo o (acalourado) debate que ocorreu na blogosfera nas últimas semanas que eu até titubeio sobre o que dizer. Repetindo o que eu falei ano passado, não sou religioso, mas isso não me faz desprezar o Natal, mudam-se os credos ele continua, como continuará, a ser comemorado; seja do paganismo ao consumismo, passando pelo cristianismo, e seja lá o que virá em seguida, se é que virá. Isso é o que importa no fim das contas, a função que o dia cumpre. Ainda estou por montar as reflexões finais sobre muito do que se passou ao longo do ano, mas estejamos atentos pelos próximos dias, a História não pára, agora mais do que nunca, turbinada pela Internet. Um Feliz Natal para todos os leitores/comentaristas do blog. 


Atualização das 21:28: Subi o post.

A Fala Final de Lula


Aliás, um ponto que não pode deixar de ser lembrado: Ontem, Luís Inácio Lula da Silva fez seu último pronunciamento como Presidente da RepúblicaFim de papo e fim de uma era. Oito longos anos passados em flash, a saga do presidente-operário chega ao fim e pela última vez o Lula-mandatário falou em rede nacional neste papel. Entre altos e baixos, foi o primeiro governo brasileiro a combinar desenvolvimento econômico com o social - e a construir isso em um cenário de respeito às liberdades coletivas e individuais. Também foi o governo que ousou tocar o único gênero de política externa cabível a um país como nosso, altiva e ativa que só ela. Tropeçou, é verdade, no que diz respeito à política-política, a política em seu sentido estrito, seja no relacionamento com as instituições ou no que toca a tentativa de reforma-las - ou mesmo avançar no desenvolvimento de mecanismos de participação. Também falhou na tentativa de considerar o dado ecológico na sua política de desenvolvimento econômico - assim como fez, exitosamente, com o dado social. Mas entre esses altos e baixos, acertou muito mais do que errou. Muito ainda se falará desse período nos livros de História - aquela Narrativa que nunca terminou, mas cujo desejo de conta-la quase se perdeu assim como a própria consciência do seu caminhar, não teve muito tempo. O sistema político que temos pode ser uma das peças encenáveis dentro da grande arena política, mas dentre todas, é aquela que me parece a melhor; ao menos aqui a plateia pode escolher os atores, embora não escreva a peça nem defina as personagens - mas como ator, ninguém conseguiu imprimir tamanho significado à personagem de Presidente da República, nem interagir tão bem com a plateia que o escolheu, quanto o fez o meu querido conterrâneo Lula. Sim, a democracia no fundo é isso e eu voto nos atores que me fazem sorrir, chega de trágicos. 

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

2010 e o Futebol Brasileiro

Brasil perde para a Holanda -- o episódio do ano (fifa.com)


O ano de 2010 está terminando e como não poderia ser diferente, o seu grande destaque futebolístico foi a Copa do Mundo. Há quem ache que cada Copa seja pior do que a anterior - ou quem se deslumbre com cada uma delas -, mas a verdade é que nem tanto ao mar, nem tanto à terra: Sim, existe uma degradação do futebol mundial por conta da mercantilização em seus variados espaços, de repente, grandes jogadores se tornam mais garotos-propaganda do que atletas e isso interfere diretamente no seu rendimento - e o mesmo se pode dizer dos altos salários e da alucinante exposição na mídia -, mas nem por isso, paralelamente a esse preocupante processo, não deixe de existir certas variações (positivas) na maior competição de futebol do planeta. Sim, a Copa de 2010 foi tecnicamente melhor do que a anterior ou a de 2002, embora passe longe da Copa da França de 1998 - de triste lembrança para os brasileiros. Os maiores problemas da Copa não estão nos gramados, mas o problema técnico existe também, só deve ser dimensionado corretamente.

Pela primeira vez em gramados africanos, vimos uma Copa incrivelmente homogênea e previsível do ponto de vista tático, embora, pelo menos, as equipes tenham optado por esquemas ofensivos - sim, o mundo comemora a volta dos três atacantes (ou quase, a figura do meia-atacante que joga aberto divide a opinião de especialistas se seriam meias avançados ou pontas que recuam, o que, na verdade, varia conforme a característica do jogador e a demanda da partida). Perdemos. Dunga, que  tinha vencido todas as competições anteriores à essa Copa, foi derrotado por contusões, suspensões e falhas individuais em um jogo contra uma pragmaticamente surpreendente Holanda. A Espanha acabou campeã com um futebol ofensivo, fluído e...de poucos gols. Aquela que foi a melhor seleção do planeta nos últimos quatro anos, venceu a Copa quase à base do 1x0, dominando o jogo e a posse, mas sem conseguir concluir grande coisa. Foi uma vitória sobretudo do Barcelona, base da seleção espanhola. E venceram justo a Holanda que chegou à final. Uma jovem e promissora seleção alemã e um surpreende Uruguai completaram a fatura.

A Seleção Brasileira, aliás, chegou a campo com a mais estrangeira de suas seleções, um problema crônico na sua lateral-esquerda - que assim com a direita nos anos 90 não apresenta muitas opções, embora naquele caso ao menos houvesse um Cafu -, uma das nossas melhores zagas, um grande goleiro, mas problemas na armação de jogadas - com um Kaká no sacrifício - e uma opção que só podia dar errado com Felipe Melo como volante. Apontem erros e acertos de Dunga - e ele acertou mais do que errou e tampouco foi retranqueiro -, mas o fato é que a safra atual do futebol brasileiro não é boa, das piores, aliás. Expressão de um esgotamento dos clubes nacionais, meros exportadores de craques para a Europa que perdem cada vez mais a capacidade de produzirem jogadores de alto nível. Mas o culpado acabou sendo um treinador que pagou pelas suas virtudes e não pelos seu defeitos: Do corte de privilégios do jornalismo da Globo seguiu-se uma campanha pública de execração, sem tamanho nem proporção, o que terminou em sua saída melancólica. Depois de um processo conturbado, a contratação de Mano Menezes - apenas a segunda das opções possíveis de Ricardo Teixeira - acabou sendo uma bola dentro, enquanto a mídia o tieta com a esperança de voltar a ter seus velhos privilégios e no afã de tentar apagar da memória do torcedor a era Dunga.

Apesar dos pesares, foi uma Copa boa de cobrir. A primeira a coberta aqui nesta Casa e em relação a qual guardarei boas recordações.

Nos gramados nacionais, novamente, problemas. Um Campeonato Brasileiro longo e modorrento com um calendário que pior não poderia: Atravessado no meio do ano, sem tempo para pré-temporada, com uma janela aberta durante o seu primeiro turno e uma Copa do Mundo separando sete de suas trinta oito rodadas do resto. Um pandemônio, no qual o Fluminense de Muricy, longe de jogar o que podia, comeu pelas beiradas e foi campeão - de um torneio no qual jogar um futebol morno, previsível porém eficiente é o melhor caminho para ser campeão. E Muricy sabe disso como ninguém. Um centenário Corinthians que contratou muito, mas sem critério, conseguiu, passando pelas mãos de três treinadores, se manter vivo na disputa até a última rodada - esbarrando em suas limitações óbvias. O vice, entretanto, foi o Cruzeiro, favorito de início, que se reconstruiu ao longo do torneio e, com um pouco mais de força, poderia ter sido campeão. O mesmo se pode dizer do Grêmio, um dos favoritos de início, que esbarrou em problemas internos até ser a melhor equipe do segundo turno e conseguir uma vaga para a Libertadores.

O melhor time de um ano de trancos e barrancos foi um Santos maravilhoso no primeiro semestre, campeão do Paulistão jogando o fino da bola e, razoável em um segundo semestre, onde decidiu uma Copa do Brasil praticamente já definida no primeiro semestre, mas que depois de um desmanche e da forma lamentável como Dorival Jr. foi demitido, acabou-se por se perder pelo resto da temporada, com um Neymar enquanto estrela solitária, mas incapaz de assumir responsabilidades firmes - e com sua falta de maturidade ainda estimulada pela direção santista que entre puni-lo pelo desagravo ao treinador e passar a mão em sua cabeça, demitiu o comandante que até ali vencera tudo no ano. Do Internacional de Porto Alegre, campeão da Libertadores com justiça, não faltaram oscilações ao longo do ano, seja no mal Campeonato Gaúcho que fez ou na surpreendente arrancada final para a vencer a Libertadores como um corredor queniano que parece morto, mas que desanda a correr nos quilômetros finais da São Silvestre - mas que lhe faltou o mesmo fôlego no Mundial Interclubes, quando foi eliminado, com justiça, pelo surpreendente Mazembe.  

Nas terras bandeirantes, Palmeiras e São Paulo fizeram uma temporada pífia, o primeiro vítima dos seus eterno (e graves) problemas internos - que nem com a contratação de ex-astros e o melhor técnico do mundo se resolvem -, enquanto o segundo padeceu por um desgaste depois de anos de apostas certas e títulos - mas tem estrutura para contornar os problemas, embora precise em repensar o seu estilo de jogo manjado, mantido pelos sucessivos técnicos que o time teve nos últimos anos. No Rio, o Botafogo de Joelzão jogou o que pôde, venceu o carioca desse ano e manteve-se nas disputa do Brasileiro - indo consideravelmente bem para um time com as suas limitações, enquanto seus vizinhos de estado, Vasco e Flamengo comeram o pão que o diabo amassou ao longo da temporada. O Atlético-MG, de bom primeiro semestre, mas com uma queda horrível em seguida enfrenta problemas parecidos com o do Palmeiras, entra técnico sai técnico (de ponta), acontecem contratações caras, mas as coisas não andam.

Para 2011 pouca coisa substancial parece que vai acontecer. Em termo de futebol nacional e sua administração, nada. Parte dos problemas citados, aparentemente são todos crônicos. Dentro dessa ordem, claro - mas ela não vai mudar. Enquanto nos preparamos para a Copa aqui - com nossas obras atrasadas em relação a quase tudo -, a grande onda que acidentalmente pegaremos é o da decadência econômica europeia; não será o futebol a passar incólume enquanto o edifício do Euro está a ruir sobre o terreno pantanoso no qual sempre esteve assentado. Isso manterá alguns craques por aqui, talvez outros retornem mais cedo do que eles mesmos supunham, mas o fato é que a dinâmica do nosso futebol continuará ruim.


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Meu Artigo no Amálgama sobre a Relação Brasil-Cuba

Segue aqui o início da minha mais recente colaboração para o Amálgama, do grande Daniel LopesTratei da questão das relações Brasil-Cuba no futuro Governo Dilma e tracei um breve panaroma histórico de ambos os países, seu momento atual e o que podemos esperar daqui em diante.


A Relação Brasil-Cuba no Governo Dilma

por Hugo Albuquerque
Cuba e Brasil nutrem uma relação mais profunda do que se pode supor a uma primeira vista. A ilha caribenha, pela força de sua Revolução, foi e é fonte de inspiração para a esquerda latino-americana, inclusive para aquela que governa nosso país hoje – muito do que o PT é se deve à experiência cubana. Se hoje Cuba enfrenta uma grave crise e precisa desesperadamente negociar sua reinserção, em termos razoavelmente dignos, no sistema internacional – capitalista até a medula -, o que coloca o país na dependência especialmente de seus vizinhos latino-americanos (Brasil à frente), por outro lado, grande parte das mudanças ocorridas no continente nos últimos anos são tributárias da inspiração cubana. Não, as mudanças que aconteceram nos últimos anos na América Latina não deixariam de ter ocorrido, mas em um cenário imaginário no qual não tivesse ocorrido uma Revolução Cubana, certamente elas seriam bem diferentes, tanto menos na sua relação ao modelo de relacionamento entre instituições e a sociedade civil e tanto mais pela concepções de autonomia em relação aos países ricos e sua doutrina social. Cuba, portanto, não é um ferido que ficará sem socorro pela parte brasileira.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Ainda a Blogosfera

Ainda tratando da repercussão do caso "Nassif-Feminazis" da blogosfera progressista, recomendo um excelente post de Idelber Avelar que pontua bem a questão do machismo na blogosfera e esse estado de coisas dos últimos dias: A busca incansável por um feminismo dócil, ou, não é de você que devemos falar - em relação ao qual eu só discordo mesmo quanto à referência à psicanálise freudiana, mas aí é outra questão, é só parte da minha descrença em relação às religiões mesmo, nada substancial. O próprio Nassif tornou a abordar a questão, citando, inclusive, o meu post sobre a questão, em um episódio no qual fez um tardio mea-culpa pelo ocorrido, mas ainda assim, novamente tropeçou na análise de inúmeros pontos - sobre os quais poderia discriminar um por um, mas a questão se resume no que eu postulei semana passada: Existe uma enorme diferença de fundamentos, perspectivas e interesses entre os jornalistas-blogueiros (e seus militantes) e a blogosfera de esquerda orgânica. Ora, ocorre uma confluência de interesses e valores, ora não, porque são mundos diferentes mesmo. Resumidamente, reproduzo aqui o que eu respondi ao Nassif sobre certas referências ao meu post:
Nassif,
Em tempo, já que não há link para o meu post - e isso é importante também neste caso para entender o contexto do raciocínio - cabe esclarecer algumas coisas:
1. Eu não me considero parte do grupo de "blogueiros pioneiros". Nem poderia. Meu blog não tem nem dois anos. O que eu não sou, com efeito, é um egresso da mídia corporativa, isso sim.
2. A minha crítica ao pessoal que veio do jornalismo não é nem tanto quanto aos fins e às pautas  tampouco pela importância na popularização do blog -, mas à forma de blogar. Falta de links, às vezes equívocos na hora de copiar e colar posts de outros blogs - é a forma de interação com a rede que é alvo da minha crítica - e as consequências disso, que não são pequenas ao meu ver -, não o fato desses blogs (inclusive este) ter uma forma alternativa.
3. Sim, é exatamente isso. Encontrar palavras que a própria razão desconhece. Não é uma crítica racionalista, nem poderia ser. É o simples fruto de uma análise na qual o conceito de "progresso" não está apenas inserido na consciência da nossa sociedade, mas dentro da própria escala inconsciente e se reproduz naturalmente nesse sentido - com os problemas que são decorrentes. Evidentemente, não é uma crítica moral, mas um convite à reflexão sobre algo que é tão normal que as pessoas nem se dão conta.
4. É extremamente positivo que gente de fora da academia venha para a blogosfera. E, sobretudo, que gente de fora do jornalismo venha para a comunicação. O ponto é que isso tem de existir, no meu entender, em um ambiente de crítica. Se escapar a isso e setores começarem a agir por reflexo, infelizmente, estaremos diante de um quadro de sectarismo, onde se milita por causas sobre as quais não se pensam os fundamentos, os meios e os fins. É isso que está em jogo, ao meu ver.
abraços
Hugo Albuquerque


Particularmente, o único episódio que ainda me causou perplexidade nisso tudo foi o comentário do Azenha ao dar repercussão ao post do Nassif - e uma referência vaga a uma "agressividade, que vai para além da crítica sempre necessária" - e um post curioso, dessas pérolas internéticas, na qual, em poucas linhas ele escreveu:



Pegava fácil
por Luiz Carlos Azenha
Eu gostaria de uma orientação das feministas: é politicamente correto ler conteúdo do Pegava Fácil?
Neste caso, estamos diante da transformação do corpo masculino em “objeto de consumo”?
Ou é um sinal da emancipação das mulheres?
Confesso que estou confuso.


Talvez seja só um sinal de infantilidade mesmo. Ou será que ele não entendeu que isso até agora isso não é uma discussão sobre o politicamente correto, mas sim, sobre o significado de certas palavras e gestos? Ou que não existe simetria entre a exploração da mulher e do homem, no que diz respeito ao gênero, na nossa sociedade? Mais do isso até, no contexto no qual isso foi dito no atual debate na blogosfera. Isso é uma discussão longa e séria, em um contexto no qual uma parte prefere agir com desdém e sarcasmo, subjetivando às outras partes com a identidade que que lhe convém - um rótulo, naturalmente. Como se rotula e para que se rotula é bastante revelador. De tudo isso, só se pode tirar uma conclusão: No fim das contas, o que importa mesmo são os meios, isso é o concreto de todo e qualquer movimento. 


O Desfecho do Governo Lula e o Pré-Dilma

Marisa e Lula na diplomação de Dilma -- André Dusek/AE
Na sexta-feira, Dilma Rousseff foi diplomada no Tribunal Superior Eleitoral junto ao seu vice, Michel Temer, diante da pequena quantidade de convidados que o evento comportava. Enquanto a fraternal troca de guarda se opera, o Governo Lula termina com resultados impressionantes de aprovação popular, de crescimento econômico - especialmente no segundo mandato -, geração de emprego, aumento da renda salarial e diminuição das desigualdades. O momento que o país vive explica a eleição da favorita de Lula em Outubro - e também dita a tranquilidade com a qual se opera aquilo que, antes de ser uma troca de Governo, é quase uma mera passagem de bastão mesmo. Lula entra para a história brasileira como o Presidente que não apenas promoveu das maiores melhorias econômicas e sociais como também o fez mantendo - e garantindo - amplas liberdades. Os desafios que Dilma terá pela frente são enormes, como não poderiam deixar de ser.

O Governo Lula terminará com uma taxa de crescimento próxima a 8%, o recorde de seu próprio governo e melhor resultado em décadas, depois da queda do ano passado, quando o país sofreu o impacto da Crise Mundial. Os níveis de renda salarial e emprego que passaram incólumes no ano passado, seguiram uma trajetória positiva. Concretamente, o que Dilma terá pela frente é o desafio da crise do câmbio, no qual o Real está supervalorizado tanto pela política  de juros quanto pelo movimento internacional do Governo americano desvalorizar o dólar - o que lhe joga um peso duplo, seja no campo da reorganização da política econômica, seja da quebra de braço diplomática -; também fica a questão inflacionária - concentrada em certos itens - e a necessária reorganização das contas públicas, entre a pressão de aliados e a demanda da diminuição do custo da máquina. 

A questão ambiental, fortemente pautada nessas eleições por conta da candidatura Marina Silva, segue na ordem do dia. As eleições pontuaram que Dilma não poderá passar por cima do tema, embora a natureza plural da composição do Governo aponte para uma direção em que a questão permanecerá em disputa. Com a Agricultura permanecendo nas mãos de aliados, é fato que não haverá aqui uma decisão quantos aos rumos da coisa como houve na economia. Talvez Marina tenha perdido uma bela oportunidade no Segundo Turno ao não ter forçado, em troca de um apoio formal, que a candidata Dilma aceitasse assumir um compromisso mais firme quanto à agenda ambiental - recuando em pontos negativos como o péssimo Código Florestal que está prestes a ser aprovado graças à peculiar aliança entre os ruralistas, o comunista Aldo Rebelo e o interesse do governo americano

No plano institucional propriamente dito, existe o compromisso da reforma política e a proposta nebulosa da "constituinte exclusiva" - dentro de um terreno de disputa cujas mudanças não são neutras, no qual a aprovação de itens como financiamento público de campanha e listas fechadas pode alterar consideravelmete o panorama eleitoral. Tudo que envolve essa reforma política, aliás, está longe de gerar um acordo entre as forças políticas do país. Aliás, outro terreno não menos pantanoso é o próprio Ministério da Defesa. Ministério problemático entre ministérios problemáticos, a manutenção de Nelson Jobim - amplamente referendado pelos militares - somada a divulgação de vasto material desabonador pelo Wikileaks em relação à sua conduta revela, antes de mais, o tamanho da problemática da relação entre as Forças Armadas, o Estado Democrático e a Sociedade Civil. Mesmo décadas após o fim da Ditadura e outras décadas do fim da Guerra Fria, as Forças Armadas continuam agindo de uma forma perigosamente autônoma, seja pelas manobras que derrubaram seguidos ministros da defesa - desde que FHC criou o ministério, prolongando a data de revelação dos arquivos da ditadura "em troca" do aval dos militares para o fim dos ministérios militares. Agora, pelo visto, estamos diante de um movimento inverso, no qual a figura de Jobim marca o inicio de um movimento de aparelhamento conservador do Ministério por eles, o que sob a máscara de uma tranquilidade nunca antes vista, esconde uma grave contradição institucional. 

A política externa, área mais bem-sucedida do Governo Lula, não sofrerá inflexões. Depois de oito anos exitosos, Celso Amorim deixa o cargo para dar lugar ao diplomata de carreira e atual número 2 da diplomacia, Antônio Patriota. A política de integração sul-americana deve continuar e se intensificar - depois de um ano no qual o crescimento do Mercosul, salvo a Venezuela, será primoroso - assim como o país seguirá orientado pela política Sul-Sul. Depois da profunda inflexão da diplomacia nos anos Lula, a continuação do processo pelos próximos anos poderá não mudar muito o que a oposição pensa de política externa, mas tenderá a fortalecer laços e intensificar conexões, o que tornará mais difícil qualquer eventual mais abrupta ao sabor de ventos eleitorais.

A essa altura, a equipe ministerial já foi confirmada, com a manutenção de muitos nomes, a entrada de alguns novos - mas algumas definições importantes de rumos. A equipe econômica, dividida entre desenvolvimentistas e monetaristas no segundo mandato do Governo Lula - o que ocasionou grandes tensões, naturalmente - terá a cara dos primeiros - com um Banco Central comandado por profissionais de carreira cumprindo funções mais técnico-administrativas do que políticas  -, teremos um Ministério das Comunicações forte - com Paulo Bernardo no cargo - como já deveria ter sido, um Ministério da Justiça novamente em boas mãos - com José Eduardo Cardozo - e uma Casa Civil nas mãos do controverso Palocci - que atuou na área econômica de Lula, justamente no grupo que perdeu proeminência no segundo mandato, mas agora encontra espaço na área política. Dilma não cedeu às pressões e manteve Fernando Haddad na Educação. Menos ministérios do que se supunha ficaram nas mãos dos PMDB, o que leva a crer que a bancada será recompensada com a primazia na negociação das emendas parlamentares.

Dessa composição ministerial, não resta dúvida de que Dilma acertou na racionalização da equipe econômica, o que já mostra as sutis diferenças entre ela e o seu mentor; enquanto Lula preferia um Banco Central forte em pé de igualdade com a Fazenda com, inclusive, líderes com diferentes perspectivas sobre economia - em vários momentos, conflitantes mesmo -, em relação aos quais Lula se colocava ao centro e acima para realizar a mediação - reminiscência clara da sua experiência sindical -, Dilma prefere seguir uma linha clara, em uma cadeia de comando que começa nela, se concentra na Fazenda com Guido Mantega subordinando um Banco Central na figura de mero executor de diretrizes técnico-administrativas de política monetária - o que indica que o Banco Central voltará a ser, na prática, a autarquia que nunca deixou de ser juridicamente, embora politicamente o mesmo não se possa falar; um reflexo claro da formação política de Dilma enquanto, fundada na racionalidade procedimental e na previsibilidade técnica.

A coordenação política do Governo ainda está em construção, mas teremos na Casa Civil o velho conhecido Antônio Palocci, político moderado, cuja carreira é marcada por uma rápida ascensão ao posto de comandante da economia no primeiro mandato de Lula que, no entanto, se sucedeu a uma abrupta queda após o escândalo do caseiro Francenildo - em relação ao qual Palocci foi absolvido judicialmente, mas que não deixou de ter sua sanção política. A indicação de Palocci, aliás, foi curiosa. Ele apareceu como conselheiro econômico da campanha de Dilma, mas sua ala sequer ganhou proeminência na condução da economia, o que parecia destina-lo irremediavelmente para uma atuação de bastidores, movimento suspenso, entretanto, pela sua indicação ao segundo cargo mais importante no Executivo. É sabido que Palocci tem uma capacidade de diálogo com amplos setores, mas é preciso bem mais do que isso em um cargo que ganhou importância em Lula - e que só mesmo Dilma conseguiu dar conta do recado ao longo dos últimos oito anos. Existe a chance do cargo perder parte das funções - e por tabela, da importância também -, mas o fato é que estamos diante de uma escolha profundamente incerta e que não encontra lá muita sustentação em meio a base petista.

Nas negociações do Congresso, apesar de boatos da impensa e blefes fugazes de políticos peemedebistas, nada parece ter ameaçado o costume firmado de que o partido com a maioria relativa em cada Casa tem a primazia de indicar o Presidente de cada uma delas; como PT e PMDB representam as duas maiores bancadas de ambas as casas - e a coalizão governista é majoritária em ambas também -, isso parece mais assegurado ainda. Pelo menos as negociações na Câmara estão bem claras e o PT gozou da primazia de discutir internamente o candidato que apresentaria à base governista; a indicação de Cândido Vacarezza, que parecia certa, não resistiu às suas atitudes precipitadas depois de se ver sob uma pressão cerradas das alas esquerdas do partido - o PT pode ter mudado muito, mas dar entrevista nas páginas amarelas da Veja falando mal do movimento sindical para se mostrar "moderado", ainda é um tiro no pé. Esse movimento impensado forçou uma movimentação conjugada entre setores da CNB - corrente hegemônica do Partido - e a esquerda petista - Mensagem, Movimento PT e Articulação de Esquerda - contra sua candidatura o que resultou em um "nome de consenso", o deputado gaúcho Marco Maia, ex-torneiro mecânico e ex-dirigente da CUT. No Senado, a tendência é algum velho cacique do PMDB retomar o comando da Casa, nada de novo sob o Sol.

A tendência, como resenhado e anotado, é de que o Governo Dilma seja mais preciso do que o Governo Lula, embora tenda a ser menos criativo. É provável que testemunhemos menos erros nos próximos quatro anos e isso não se deverá apenas ao aprimoramento do projeto mantido, mas também ao perfil da liderança de Dilma. No cenário internacional, assistiremos a profundas mudanças com uma crise muito grave na Europa e os impactos da ascensão chinesa no campo geopolítico. Dentro do Brasil, embora o Governo Lula não tenha tomado medidas diretamente anti-capitalistas nos oito anos em que passou no poder, sabemos bem que quando o assunto é Capitalismo, as coisas são bem mais paradoxais do que parecem; a dinâmica impressa nos últimos anos por Lula não importou apenas em crescimento econômico, mas também em fortalecimento do emprego e da renda, enquanto os próximos anos tenderão a obrigar o Governo a fortalecer o próprio mercado interno, o que alterará a correlação de forças entre as classes sociais. Por ora, a posição ambivalente do PT é sustentável, mas resta saber se ele será capaz de administrar as mudanças que ele próprio provocou o que, em outras palavras, significa que o partido precisará tomar uma decisão sobre a qual lado ir e em política, naturalmente, não existem espaço vazios. O debate é longo e ingrato.


P.S.: E dois assuntos ainda restam por resolver, mas que pelo jeito devem ficar para o próximo Governo: A decisão sobre a extradição de Cesare Battisti - a menos que aconteça uma reviravolta nos próximos dias, o que não é impossível - e - aí é certo - a escolha do novo ministro para o STF, assunto pendente desde a aposentadoria de Eros Grau, em Agosto deste ano. Ambas as decisões, concernentes à área jurídica e misteriosamente proteladas, somadas às escolhas do Governo Lula para o STF lançam boas questões sobre as dificuldades da cúpula petista em digerir problemas jurídicos ou judiciários. Esse é um assunto que mereça um post específico. 


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Algumas Reflexões sobre a "Blogosfera Progressista"

A Blogosfera, nossa musa
Em Agosto deste ano que está às vésperas de se encerrar, aconteceu o primeiro encontro de blogueiros progressistas. Sim, eu estive lá. Apesar das minhas ressalvas a certos itens da organização e ao próprio nome do evento - como eu ressaltei à época e anotei aqui mesmo -, eu não deixei de ir porque considerei importante um encontro de porte entre blogueiros do país inteiro. Isso fazia parte daquilo que esse blog se propõe, de ser um instrumento crítico à avalanche de informações que nos soterra e, ao mesmo tempo, tentar dar uma utilidade prática a essa pequena máquina no sentido de produzir alguma intervenção social útil, em meio a essas tristes tempos que testemunhamos - embora, claro, soubesse das limitações objetivas óbvias do evento. Agora, com o caso de Luís Nassif e as feministas - narrado nesse bom post da Cynthia Semíramis - algumas contradições vieram à tona e é necessário pontuar algumas outras coisas por aqui.

Antes, cabe uma recapitulação. Este meio no qual escrevo era, no nosso país, um espaço profundamente incipiente há menos de dez anos. A pequena Internet brasileira, quando debatia, o fazia em listas de e-mails, fóruns e alguns poucos blogs, enquanto o grande debate transcorria na grande mídia tradicional. A expansão da Internet por meio do crescimento econômico dos últimos anos proporcionou um ingresso massivo de público na rede. Gente ciosa pela informação em tempo real e por interatividade que, no caso nacional, também gente que não aguentava mais uma mídia que deixava cada vez mais o jornalismo de lado para se pôr no papel de oposição. Nesse momento, alguns jornalistões copiam o modelo de blog americano, não mais como um diário virtual qualquer, mas algo que tem uma função clara no debate público.

Ainda assim, os blogs que aparecem nessa época ainda tinha fortes ares de artigos de periódicos apesar do meio virtual, até mesmo na linha editorial que seguiam em seu conteúdo - um Noblat, por exemplo. Para além de pequenos blogs, passam a surgir blogs de jornalistas famosos, muitos dos quais defenestrados da grande mídia por não seguirem a linha oficial. Paralelamente, acadêmicos e intelectuais começam a escrever um material de bom nível, independente e crítico pela rede. Tudo muito embrionário, antes do grande boom do segundo mandato de Lula. Essa blogosfera da intelectualidade, em muitos momentos, concorda com essa blogosfera jornalística "não-alinhada" - até pelo fato de ambos os espaços ser majoritariamente esquerdista, ainda que não apenas -, embora não se misture com ela, seja em linguagem, perspectivas ou mesmo em propósitos. 

Ambos, no entanto, são simpáticos a Lula - ou pelo menos não o perseguem com tochas - em um momento em que a mídia nacional, na contramão da sociedade e até da comunidade internacional, assume uma posição amplamente negativa. A aproximação entre ambos os espaços se dá com a aproximação do processo eleitoral. É mais ou menos nesse clima que sai o encontro de "blogueiros progressistas", organizada pelo núcleo duro da blogosfera jornalística pró-Dilma, por um Nassif, Azenha, Rodrigo Vianna e um Paulo Henrique Amorim. Gente com boa quantidade de acessos fruto da popularidade obtida na grande mídia que facilitou o (bom) trabalho que fizeram na rede - e aqui não entro no mérito do trabalho, mas na sua eficiência de difundir notícias e atrair público. Em seus defeitos e virtudes, esses jornalistas não se confundem com acadêmicos que construíram suas carreiras na blogosfera e ainda que defendam o voto no PT - e até militem em favor disso como fizeram na campanha -, exercem uma função crítica como é o caso do Idelber Avelar ou do Celso de Barros

O nome, na verdade, foi uma saída política dentro do próprio comitê organizador para manter gente como PHA que, como todos sabem, não é homem de esquerda nem dado a esquerdismos - ao mesmo tempo em que, na costura vertical de sua organização buscava ser mais plural possível, o que, convenhamos, destoa da esquerda, mas não deixa de ilustrar um pouco do que o governo de Lula, em seu amplo arco que vai da direita popular evangélica - e da direita nacional-desenvolvimentista - até as alas esquerdas do PT. Nesse sentido, o encontro foi positivo porque ele foge ao modo como se estabelece a hegemonia midiática - patrimonialista e oligárquica - em um novo meio que está, econômica e politicamente ainda em disputa, e com limitações sérias quanto ao grau de mudanças que esse acordo é capaz de estabelecer (sobretudo aquilo que ele pode ceder).

O termo "progressista", em um país de forte influência positivista como o nosso, é antes de tudo agregador.  Quem é contra o progresso, afinal? Eu duvido que até mesmo a direita atual se diga contra - talvez essa tenha sido uma das poucas brigas ganhas na história do debate político brasileiro, afinal, pelo menos parte da direita monarquista do século 19º era contra (os conservadores), depois isso virou tema superado. A doutrina de progresso e desenvolvimento nacional foram de tal forma inseridas no inconsciente brasileiro que isso contaminou a própria esquerda nascente; se uma leitura vulgar no materialismo já leva ao desenvolvimentismo, como advertiu Marx na Crítica ao Programa de Gotha e Benjamin em suas Teses sobre o Conceito de História, o viés positivista, a marcha incessante pelo caminho reto da História  em direção à evolução, nunca deixou de ser um fantasma presente na história, até mesmo, da nossa esquerda.  Trata-se de uma concepção naturalizada em nossa ideário que marca uma oposição ao Atraso - à inércia do Brasil coronelístico que não consegue pensar a economia para além da escravidão ou similares. A questão do Progresso continua posta porque esse Atraso continua a existir, embora o primeiro seja apenas uma linha de fuga em relação ao segundo, com seus problemas todos como bem sabemos. O enorme desafio da esquerda brasileira é resolver essa questão e, ao mesmo tempo, se livrar da tradição do progressivismo, o que passa antes de mais nada, pela sua reflexão.

O problema aqui não é que o comitê organizador deliberou conscientemente em favor desse equívoco histórico, mas é que ele só referendou algo que está inscrito no desejo,  no inconsciente de nossa sociedade, e, ao mesmo tempo, constitui-se em um equívoco histórico em relação ao qual já pagamos um preço alto. É justamente a inconsciência do gesto o fato que constitui o grande erro da questão em específico, é ainda estar sujeito a esse desejo e alheio a essa reflexão, o que mostra que o projeto em questão não reconhece a natureza e o tamanho do desafio real que se apresenta. No fim das contas, não há um blogosfera progressista, existe um grande arco de blogs cujos editores, no calor causado pela maneira como o debate político foi estabelecido nos últimos anos - sobretudo o último debate eleitoral -, tenderam a um apoio à continuidade do projeto do PT por meio da eleição de Dilma Rousseff, mas isso é um acordo político, o que cria aliados, mas não faz companheiros; talvez isso seja a expressão de uma faceta do projeto lulista sobre a sociedade civil. A própria falta de identidade entre os atores levou a isso, a uma representação de algo tão natural quanto o símbolo do progressivismo. 

Chegando ao caso concreto, temos a peleja de Nassif com as feministas. Antes de mais nada, repito aqui o que disse no Twitter, ele está errado e ponto final. Ainda que tenha recuado no fim das contas, fez mal, deu desculpas ruins e sai manchado dessa conversa toda. A questão aqui não está em criticar o feminismo - ou ter transformado em post o comentário de um leitor que o fazia -, mas de fazê-lo em bases infantis, leigas e ofensivas como o post em questão e ter reagido mal às críticas, seja pelo Twitter ou no blog. Isso não é novidade em certos temas que Nassif tenha posições fixas em matérias que ele não tem conhecimento de causa. Basta relembrar como ele polemiza em questões das cotas raciais ou em relação à revisão da Lei de Anistia - temas que, ao contrário da maioria de seus leitores, ele é contra. Sobre esse seu modo de polemizar, aliás, o caso em tela não é nenhuma novidade, como já tratei aqui mesmo há quase um ano. É uma falta de conhecimento de causa, somado a problemas estruturais do blog - transformar comentários de leitores, em meio a polêmicas, em post sem publicar um contraponto, publicar muito material de fora, às vezes sem link etc etc - e sua profunda incapacidade autocrítica.

A questão despertou uma série de outras tantas, a inquietação quanto ao significado dessa blogosfera progressista e gerou críticas para quem é contra ela - pelos motivos certos ou errados. O que, convenhamos, é um debate bizantino. Não existe essa unidade e mesmo que existisse, Nassif responde pelo que faz e não uma hipotética rede de blogs. O fato ocorrido também não me causa muito espanto, quem chegou na blogosfera ontem deve imaginar que Nassif é algum petista histórico, quando, na verdade, ele é um jornalista da área econômica que nutre posições historicamente centristas e se afastou do PSDB na medida em que esse se afastou do próprio centro político - enquanto o PT preenchia também esse espaço. Isso não justifica as atitudes dele de modo algum, mas ajuda a entender como se desenrola o jogo pela análise de suas matizes. Desse modo, há quem esteja usando-se da oportunidade para atacar o "bloguismo progressista" e há quem em nome desse fantasma esteja blindando o Nassif. Ambos estão errados. Enquanto os primeiros devem tentar entender do que se trata a conversa toda, os segundos tem de entender que a crítica é central nesta atividade aqui. Nassif não é um personagem sem suas matizes e contradições e seu papel histórico na blogosfera não se confunde com os erros que comete - e vice-versa. Neste meio, não divinização que resista, nem demonização que persista. Critica-lo aqui é, antes de mais nada, saudável, mas é preciso determinar o campo. Eu, da minha parte, espero que todo o potencial da Internet sirva para a construção de movimentos mais orgânicos e colaborativos, mas é uma luta difícil.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Wikileaks e o Brasil

O Mapa da Mina
O caso Wikileaks continuou repercutindo fortemente, seja pela prisão contestável de Assange quanto pela repercussão dos cables, cuja divulgação segue a todo vapor ou mesmo pela repercussão do assunto junto à Ordem Internacional. Se Assange continua preso na Inglaterra com futuro incerto e apesar dos boicotes ao site do Wikileaks propriamente dito, fato contornado por uma ação conjunta sem precedentes na qual hackers do mundo todo têm se desdobrado para manter canais de divulgações das informações. Ainda, líderes importantes do mundo em desenvolvimento com Putin - sarcasticamente, como lhe é peculiar - e Lula se pronunciaram contra a prisão do fundador do Wikileaks - e, claro, das duas falas a de Lula é que se sobressaiu, seja porque falamos de um líder que termina seu segundo mandato extremamente popular, depois de ter vencido eleições limpas ou pelo fato de que o seu Governo tenha respeitado firmemente as liberdades individuais, embora tenha sido alvo de uma campanha dura de certos setores da mídia corporativa em sentido contrário, numa contradição que ele soube explorar bem em sua fala (ver na quebra de página):

Em suma, Lula, em sua melhor forma política, traz à baila o calcanhar-de-aquiles da mídia corporativa que lhe fez, ao longo dos últimos oito anos uma verdadeira oposição canina, ao mesmo tempo em que também pega seus colegas líderes do mundo desenvolvido, arautos da civilização, no contrapé. Essa fala tem mais peso do que se pode supor no que concerne o que será o futuro Governo Dilma e isso tem pouco a ver com política externa, dado que Lula apenas referenda a linha adotada pelo Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos; a questão aqui é a política de comunicação: A pauta passou a ser levada a sério depois de anos cedendo o Ministério para um homem do sistema como Hélio Costa sem ganhar nada em troca - de bom, claro.

Seja a primeira entrevista de Dilma não sendo dada para a Globo, a indicação de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações ou mesmo a entrevista de Lula para os blogueiros e essa sua fala apontam para um horizonte claro: Os petistas perceberam que sua própria - e elementar - sobrevivência eleitoral demanda a expansão da Internet e das opções em meios de comunicação em massa e, mais ainda, que é quase impossível conceber um cenário de trégua por parte do grande establishment midiático, capaz até de transformar bolinha de papel em rolos de fita - na falta de chance de surgir, quem sabe, com uma bigorna.  Mais até do que isso

Por outro lado, a  jornalista Natalia Vianna continua divulgando os cables que dizem respeito ao Brasil - ao todo, eles chegam a mais de 5 mil - em blog recém-lançado em parceria com a CartaCapital. O que chega até agora é o incômodo americano com a política articuladora de Lula que põe a estratégia de Washington em xeque: Ao mesmo tempo que não rompeu os EUA, a política externa altiva e ativa de Amorim rompeu com o atlantismo , negociando com interlocutores do mundo inteiro, mesmo adversário estratégicos americanos,  o que exige do Departamento de Estado um grau de sofisticação no trato com o Brasil que ele nunca precisou ter. As notícias que chegam pelos cables sobre o Brasil se dividem em três eixos centrais: O detalhamento da articulação política americana em torno das nossas reservas minerais (sobretudo, energéticas), o lobby para a venda de caças para a Força Áerea e as análises do processo eleitoral.

Se no terceiro caso esbarramos com o já sabido desconhecimento crônico dos americanos sobre a política nacional mais alguma especulação sobre a doença de Dilma, a sutil preferência por Serra e quetais, no segundo e primeiro caso temos informações mais relevantes; se na questão da venda dos caças se manifesta o incômodo claro com a política externa e a proximidade brasileira com os franceses - assim como o nome dos ministros amigos, o que traz à luz de forma cada vez mais clara a face de Jobim e seu papel de contra-ministro, seja nas relações internas ou externas -, no primeiro caso, topamos com detalhes cada vez mais claros de um jogo no qual converge a política estratégica dos EUA para cima dos nossos recursos naturais e o jogo eleitoral brasileiro, o que revela a grande diferença entre PT e PSDB hoje: Os lados que cada um deles ocupa no grande tabuleiro internacional.

Sim, estou falando das posições de bastidores do candidato Serra que vieram à tona hoje, inclusive, repercutindo na grande mídia; como eu coloquei aqui durante a campanha eleitoral, um dos grandes itens dessa campanha presidencial era o Pré-Sal, posto que não havia mesmo concordância entre os dois candidatos e os dois projetos: Se o PT postulou um modelo de soberania energética e distribuição dos lucros da exploração, o PSDB insiste num modelo privatista, cujos lucros gerados invariavelmente tendem a ficar por cima e, mais do que isso, nem por dentro, para além do que aponta toda a parafernália retórico-tecnocrática ou, mesmo, os ensurdecedores silêncios de Serra na campanha passada, em relação a esse tema, inclusive. E volto a dizer, o Wikileaks cumpre nesse tema aquilo que é a sua grande utilidade prática, colocar definitivamente certos assuntos fora do campo da teoria da conspiração: Sim, há provas de que o interesse americano sobre a exploração Pré-Sal num regime de concessões é claro e envolveu manobras nos bastidores, inclusive, para frustrar modelo de partilha proposto pelo Governo Lula, com a anuência do nosso Serra.

Sim, isso também revela que estamos em um patamar primário de debate da política energética, onde basicamente tudo gira em torno em como explorar o modelo posto - com suas deficiências e problemas vários que, no entanto, passam batido -, mas existe um diferencial aí que são os interesses que se articulam em torno de um projeto e outro e o que isso pode efetivamente retornar para a sociedade; em um, temos um modelo nacional e socializante, no outro,  o enquadramento no jogo do Capitalismo Internacional e suas grandes empresas no comando. Isso faz muita diferença. Tudo isso, aliás, ajuda a descortinar grande parte do jogo que está em disputa neste exato momento e que teve um capítulo importante durante Setembro e Outubro. Mantenhamos os nossos olhos abertos.

Atualização das 19:29: Passei o vídeo para a quebra de página para não atrapalhar os arquivos (a mudança de formato do Youtube ficou uma droga mesmo), mas ele está linkado na citação de todo modo.

Atualização II 14/12 às 16:46: Seguem os links para os cables sobre a questão petrolífera e sua íntegra copiada e colocada abaixo da quebra de página: 28/01/0815/04/08,  30/06/08, 21/01/09, 27/08/0902/12/2009 e 21/12/09 (caso você não saiba inglês, jogue os textos no tradutor do Google e salve as informações.