terça-feira, 21 de dezembro de 2010

2010 e o Futebol Brasileiro

Brasil perde para a Holanda -- o episódio do ano (fifa.com)


O ano de 2010 está terminando e como não poderia ser diferente, o seu grande destaque futebolístico foi a Copa do Mundo. Há quem ache que cada Copa seja pior do que a anterior - ou quem se deslumbre com cada uma delas -, mas a verdade é que nem tanto ao mar, nem tanto à terra: Sim, existe uma degradação do futebol mundial por conta da mercantilização em seus variados espaços, de repente, grandes jogadores se tornam mais garotos-propaganda do que atletas e isso interfere diretamente no seu rendimento - e o mesmo se pode dizer dos altos salários e da alucinante exposição na mídia -, mas nem por isso, paralelamente a esse preocupante processo, não deixe de existir certas variações (positivas) na maior competição de futebol do planeta. Sim, a Copa de 2010 foi tecnicamente melhor do que a anterior ou a de 2002, embora passe longe da Copa da França de 1998 - de triste lembrança para os brasileiros. Os maiores problemas da Copa não estão nos gramados, mas o problema técnico existe também, só deve ser dimensionado corretamente.

Pela primeira vez em gramados africanos, vimos uma Copa incrivelmente homogênea e previsível do ponto de vista tático, embora, pelo menos, as equipes tenham optado por esquemas ofensivos - sim, o mundo comemora a volta dos três atacantes (ou quase, a figura do meia-atacante que joga aberto divide a opinião de especialistas se seriam meias avançados ou pontas que recuam, o que, na verdade, varia conforme a característica do jogador e a demanda da partida). Perdemos. Dunga, que  tinha vencido todas as competições anteriores à essa Copa, foi derrotado por contusões, suspensões e falhas individuais em um jogo contra uma pragmaticamente surpreendente Holanda. A Espanha acabou campeã com um futebol ofensivo, fluído e...de poucos gols. Aquela que foi a melhor seleção do planeta nos últimos quatro anos, venceu a Copa quase à base do 1x0, dominando o jogo e a posse, mas sem conseguir concluir grande coisa. Foi uma vitória sobretudo do Barcelona, base da seleção espanhola. E venceram justo a Holanda que chegou à final. Uma jovem e promissora seleção alemã e um surpreende Uruguai completaram a fatura.

A Seleção Brasileira, aliás, chegou a campo com a mais estrangeira de suas seleções, um problema crônico na sua lateral-esquerda - que assim com a direita nos anos 90 não apresenta muitas opções, embora naquele caso ao menos houvesse um Cafu -, uma das nossas melhores zagas, um grande goleiro, mas problemas na armação de jogadas - com um Kaká no sacrifício - e uma opção que só podia dar errado com Felipe Melo como volante. Apontem erros e acertos de Dunga - e ele acertou mais do que errou e tampouco foi retranqueiro -, mas o fato é que a safra atual do futebol brasileiro não é boa, das piores, aliás. Expressão de um esgotamento dos clubes nacionais, meros exportadores de craques para a Europa que perdem cada vez mais a capacidade de produzirem jogadores de alto nível. Mas o culpado acabou sendo um treinador que pagou pelas suas virtudes e não pelos seu defeitos: Do corte de privilégios do jornalismo da Globo seguiu-se uma campanha pública de execração, sem tamanho nem proporção, o que terminou em sua saída melancólica. Depois de um processo conturbado, a contratação de Mano Menezes - apenas a segunda das opções possíveis de Ricardo Teixeira - acabou sendo uma bola dentro, enquanto a mídia o tieta com a esperança de voltar a ter seus velhos privilégios e no afã de tentar apagar da memória do torcedor a era Dunga.

Apesar dos pesares, foi uma Copa boa de cobrir. A primeira a coberta aqui nesta Casa e em relação a qual guardarei boas recordações.

Nos gramados nacionais, novamente, problemas. Um Campeonato Brasileiro longo e modorrento com um calendário que pior não poderia: Atravessado no meio do ano, sem tempo para pré-temporada, com uma janela aberta durante o seu primeiro turno e uma Copa do Mundo separando sete de suas trinta oito rodadas do resto. Um pandemônio, no qual o Fluminense de Muricy, longe de jogar o que podia, comeu pelas beiradas e foi campeão - de um torneio no qual jogar um futebol morno, previsível porém eficiente é o melhor caminho para ser campeão. E Muricy sabe disso como ninguém. Um centenário Corinthians que contratou muito, mas sem critério, conseguiu, passando pelas mãos de três treinadores, se manter vivo na disputa até a última rodada - esbarrando em suas limitações óbvias. O vice, entretanto, foi o Cruzeiro, favorito de início, que se reconstruiu ao longo do torneio e, com um pouco mais de força, poderia ter sido campeão. O mesmo se pode dizer do Grêmio, um dos favoritos de início, que esbarrou em problemas internos até ser a melhor equipe do segundo turno e conseguir uma vaga para a Libertadores.

O melhor time de um ano de trancos e barrancos foi um Santos maravilhoso no primeiro semestre, campeão do Paulistão jogando o fino da bola e, razoável em um segundo semestre, onde decidiu uma Copa do Brasil praticamente já definida no primeiro semestre, mas que depois de um desmanche e da forma lamentável como Dorival Jr. foi demitido, acabou-se por se perder pelo resto da temporada, com um Neymar enquanto estrela solitária, mas incapaz de assumir responsabilidades firmes - e com sua falta de maturidade ainda estimulada pela direção santista que entre puni-lo pelo desagravo ao treinador e passar a mão em sua cabeça, demitiu o comandante que até ali vencera tudo no ano. Do Internacional de Porto Alegre, campeão da Libertadores com justiça, não faltaram oscilações ao longo do ano, seja no mal Campeonato Gaúcho que fez ou na surpreendente arrancada final para a vencer a Libertadores como um corredor queniano que parece morto, mas que desanda a correr nos quilômetros finais da São Silvestre - mas que lhe faltou o mesmo fôlego no Mundial Interclubes, quando foi eliminado, com justiça, pelo surpreendente Mazembe.  

Nas terras bandeirantes, Palmeiras e São Paulo fizeram uma temporada pífia, o primeiro vítima dos seus eterno (e graves) problemas internos - que nem com a contratação de ex-astros e o melhor técnico do mundo se resolvem -, enquanto o segundo padeceu por um desgaste depois de anos de apostas certas e títulos - mas tem estrutura para contornar os problemas, embora precise em repensar o seu estilo de jogo manjado, mantido pelos sucessivos técnicos que o time teve nos últimos anos. No Rio, o Botafogo de Joelzão jogou o que pôde, venceu o carioca desse ano e manteve-se nas disputa do Brasileiro - indo consideravelmente bem para um time com as suas limitações, enquanto seus vizinhos de estado, Vasco e Flamengo comeram o pão que o diabo amassou ao longo da temporada. O Atlético-MG, de bom primeiro semestre, mas com uma queda horrível em seguida enfrenta problemas parecidos com o do Palmeiras, entra técnico sai técnico (de ponta), acontecem contratações caras, mas as coisas não andam.

Para 2011 pouca coisa substancial parece que vai acontecer. Em termo de futebol nacional e sua administração, nada. Parte dos problemas citados, aparentemente são todos crônicos. Dentro dessa ordem, claro - mas ela não vai mudar. Enquanto nos preparamos para a Copa aqui - com nossas obras atrasadas em relação a quase tudo -, a grande onda que acidentalmente pegaremos é o da decadência econômica europeia; não será o futebol a passar incólume enquanto o edifício do Euro está a ruir sobre o terreno pantanoso no qual sempre esteve assentado. Isso manterá alguns craques por aqui, talvez outros retornem mais cedo do que eles mesmos supunham, mas o fato é que a dinâmica do nosso futebol continuará ruim.


9 comentários:

  1. Vixe, Hugo, como bom coleiro de botequim discordo de um bocado de coisas na tua análise. :P

    Mas pra não ficar feito aquele estilo de posts polêmicos "recorta e comenta" vou falar mal só da sua leitura da copa.

    A Espanha já estava jogando o seu belíssimo futebol de toque de bola desde a primeira partida, quando perdeu pra Suíça, mas apesar disso, os comentaristas que só sabem enxergar o que diz o placar, já bancavam que a Espanha seria o fiasco da copa.

    A Espanha ter marcado poucos gols curiosamente reforça o quanto eles formam uma equipe fantástica, mas poucos perceberam o porquê. Simplesmente porque eles jogaram com 10 jogadores em todas as partidas da copa. O seu centroavante, Fernando Torres, aquele que deveria fazer os gols, foi sem dúvidas um dos piore atacantes dentre TODAS as seleções, não fez um gol sequer e deu menos de 10 chutes a gols em toda a copa!

    Lógico que pesou a teimosia do Del Bosque - na verdade, Guardiola foi muito mais técnico dessa seleção, como você mesmo lembrou, Hugo, ao falar em "vitória do Barcelona" - que colocou o reserva Llorente apenas no segundo tempo de duas partidas.

    Enfim, o centroavante fazedor de gols da equipe esteve entre os 5 piores atacantes da copa, fazendo com que a Espanha jogasse com um jogador a menos nos 7 jogos, mas mesmo assim, apesar disso, sagraram-se campões. Mais mérito impossível.

    Essa copa simplesmente nos apresentou uma das melhores seleções de todos os tempos. Assim como o Brasil de 58, 70 e 82, como a Holanda de 74, ou a Hungria de 54, a Espanha de 2010 vai continuar a ser aclamada daqui a 20 ou 30 anos. Só por isso, essa copa já valeu a pena.

    Aí me vem a lembrança de um Casa Grande repetindo em vários jogos "a Espanha tem que chutar de fora da área, só quer fazer gol bonito, tocando bola". Nossa, como um comentarista que está assinto jogar uma das melhores seleções de todos os tempos pode querer que joguem como um time limitado qualquer?

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  2. Reli o que eu escrevi e acabou parecendo que não discordei de nada. :P

    Bom eu discordei mesmo da ideia de que os poucos gols da Espanha foram um defeito dessa seleção e de que essa copa não tem tanto para ser lembrada. Discordo basicamente da ideia de que a Espanha "só" jogou muito bem. Quem jogou bem foi o Brasil de 2002, essa Espanha é para a história.

    --

    Só mais uma, sobre o Dunga:

    Amante do bom futebol que sou, torci pra Espanha e Argentina durante toda a copa. E também torci contra a "seleção sem meias" de Dunga desde o primeiro jogo, e isso sem ter que segurar "a minha verdadeira ṕaixão pela amarelinha".

    Primeiro porque sabemos que esse papo de nacionalismo e patriotismo é uma tremenda bobagem, mas também porque como amante do histórico futebol brasileiro não poderia achar bom que o estilo Dunga de montar times virasse um modelo ideal. Isso sim seria o fim do bom futebol brasileiro e não a internacionalização dos jogadores, que só é um problema mesmo pros clubes brasileiro, mas nada tem a ver com a queda de desempenho de seleção nenhuma.

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  3. JG_,

    Sim, sim, meu velho, mas o fato é que a Espanha jogou bem e, ao mesmo tempo, não marcou muitos gols. Assim, as duas coisas ao mesmo tempo. Mas é aqui que está o problema, gol não é mero detalhe; os problemas que você bem aponta com Torres - e mesmo com Llorente, que quando entrou foi mal também - assim como a inexistência de outras saídas para transformar volume de jogo em gols é o que impediu, no meu entender, que a Espanha de 2010 possa ser considerada como uma das maiores campeãs mundiais de todos os tempos.

    abraços

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  4. Agora, sobre o Dunga, bem, jogávamos com Kaká na armação e Elano - que foi muito bem - como meia-atacante pela direita e Robinho fazendo o mesmo pela esquerda. A falta de condições físicas do primeiro - e a ausência de um reserva à altura - bem como a grave contusão que tirou o segundo da Copa foram perdas grandes para o time. Podemos questionar as opções dele para a cabeça de área e o fato de ter jogado no mesmo esquema que dezenas de seleções dessa Copa (em uma variação que quase todas chegaram a jogar ou podiam jogar, ainda) - mas o segundo pecado, foi praticamente geral.

    Sobre a internacionalização do futebol brasileiro, não, não foi ela a responsável pela crise no futebol brasileiro - nem é isso que eu coloquei -, mas sim a maneira como se deu essa internacionalização. Hoje, isso provoca uma erosão na formação de grandes jogadores e estraga tantos mais. Quantos jogadores temos produzidos para certas posições e quantos não se estragam tão logo com essa dinâmica de ter de ir para a Europa? Não acho que seja culpa de Dunga o fato de terem faltado meias-armadores na Seleção nem dos dois melhores meias do Brasileirão terem nascido na Argentina.

    abração

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  5. Mas, Hugo, a falta de um 9 de primeira não era um defeito deles, eles tinham o Villa, que fez os mesmos 5 gols dos outros 3 artilheiros da copa.

    Ele poderia tranquilamente ter caído pelo centro ao invés da esquerda, como faz no Barcelona atual (revezando esse setor com Messi).

    Deixando Villa no centro e Navas de ponta, por exemplo, faria com que eles não tivessem que ter jogado com um a menos a copa inteira. E mesmo que Navas ou David Silva não sejam mega-craques, são bons jogadores, e davam banho em todo o meio-campo do Brasil, com exceção de Kaká em seu melhores momentos.

    A verdade é que a Espanha tinha opções à Torres e Llorente. Jogaram num 4-2-3-1, com Busquets e Xabi Alonso de volantes, e entre os 4 da frente - com Xavi, Iniesta e Villa garantidos - qualquer um entre Pedro, David Silva ou Jesus Navas teria feito muito mais pelo time do que o zumbi Torres.

    Enfim, insisto, jogar com 10 e fazer poucos gols foi culpa da teimosia de Del Bosque. E apesar do técnico que os deixou sem nenhuma referência na área, "deram um jeito" e foram campeões dando espetáculo. Mais mérito, pra mim.

    Pô, e além do quê, o Brasil de 82 nem ganhou a copa e o povo paga pau, por que um defeito (que pra mim tá mais pra mérito) diminuiria o recital que eles deram?

    Pois é, só o tempo vai dizer se eles entrarão pro panteão ou não, e quem está certo nessa, eu ou você. Mas digo logo que sou bom de previsão, hein, acertei quase todas as minha apostas pra essa copa. ;)

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  6. JG_, o ponto é que se Del Bosque coloca como Villa como centroavante ele poderia fazer tudo isso, o que era uma hipótese, mas não se concretizou. Aliás, nas partidas finais da Espanha, Villa chegou a ser deslocado para o comando de ataque, onde ele não rendeu tão bem ao mesmo tempo em que volume de jogo pela esquerda diminuiu. Respeito seu ponto de vista, para mim também a Espanha mereceu o título, mas só acho que não chega a tanto.

    abraços

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  7. Dunga só levou um meia de verdade pra copa, Kaká, que vinha de meses sem jogar por lesão, e tinha feito duas temporadas pífias no Milan e Real Midrid. Elano é segundo volante, Julio Batista é segundo volante, Ramires é segundo volante, Daniel Alves é lateral...

    Enfim, Dunga queria um time em que os meias marcam duro, logo, chamou "volantes que saem pro jogo" pra fazer o papel de meias e de marcadores ao mesmo tempo. Como dizia a piada corrente: ele queria um time cheio de Dungas. Mas isso só funciona quando os adversários também estão em baixa e você tem um Romário a seu favor pra compensar.

    Em prol do meu argumento anti-Dunga eu ainda coloco esse postaço aqui:
    http://copafricana.blogspot.com/2010/07/o-mais-patetico-foi-ver-o-luis-fabiano.html

    Já tinha visto, Hugo?

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  8. Só pra esclarecer - e encerrar né, já que você já pôs o seu e eu já pus o meu, e ficou nisso :) - eu não tou indo pro "se"**, tou dizendo que o fato deles terem jogado bem e ganhado com 10 jogadores em campo, é mais um mérito.

    Que não é que "eles não tinham mais nada pra botar e isso é um defeito", mas sim que poderiam colocar qualquer coisa no lugar do Torre, ter eles tinham, e mesmo com o técnico jogando contra e não botando, ganharam e "enamoraram". Mérito.

    --

    **Até porque esse papo de "se" é conversa da turma do Armando Nogueira, e eu curto mais o estilo PVC, gosto mais do futebol assistido do que do futebol contado em crônica saudosista. Pescando o bordão Abujanra, em se tratando de futebol, prefiro uma "história de vida" à "uma obra".

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  9. JG_,

    Elano na seleção jogou mais avançado pela direita, é só rever os jogos. Concordo sobre o Daniel Alves, talvez ele poderia ter colocado o Nilmar por ali - com sérios prejuízos para a marcação, é verdade. O ponto é Dunga não teria como fazer brotar meias que não existem, hoje, no futebol brasileiro. Volto a dizer, os dois melhores meias em exercício em nosso futebol são argentinos, Conca e Montillo, e nem sequer jogam na seleção deles. É cômodo falar do Dunga diante desse fracasso, de tempos em tempos, é necessário que apareçam uns bodes expiatórios mesmo.

    E sobre a Espanha, sobre esse ponto, temos sim um ponto de discordância: Um jogador não foi tirada do time, faltava gente para posição - embora muitos grandes times da história não tenham tido centroavante brilhantes, mas eles conseguiam compensar com saídas táticas que permitiam o time fazer gols de outras formas. A Espanha time o problema e não tinha uma adaptação para o problema. Fez poucos gols e teve dificuldades sim.

    abraços

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