quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os Desafios do Governo Dilma

A Ministra Ana de Hollanda em coletiva de imprensa - Agência Brasil.
O Governo Lula foi responsável por duas imporantes reformas: A transformação da política externa, tornando o Brasil um país que se move de acordo com os seus interesses e não reage com políticas de alinhamento automático às potências - sem, no entanto, cair no vazio do nacionalismo raivoso - e, também, a construção de uma política econômica que, em certa medida, se põe em função da sociedade - a última, marca indelével da social-democracia,  ou seja, a manutenção de um sistema econômico que põe as pessoas em função de seu funcionamento (por conta da sua capacidade de produzir riqueza) e criar uma política econômica que serve, em tese, de contra-peso a isso - algo com problemas no horizonte, mas que produz bons efeitos no presente. Faltou, como sabemos, uma reforma no sistema físico da organização política, isto é, no próprio Estado e em seus mecanismos, embora, reitero, a  mudança na lógica e na ética tenham sido de importância lapidar para um começo de conversa. Também faltou a esperada conciliação entre ecologia e economia. As duas faltas correspondem aos dois grandes desafios a superar agora em escala macro, sendo que para o primeiro, Dilma tem propostas razoáveis e é possível que saía algo bom (e reformas políticas são como o conserto de um carro, se não são feitas produzem tragédias, se são, passam desapercebidas, especialmente se forem boas, além de consumirem tempo e recursos). A questão ecológica, ponto forte da campanha de Marina Silva, ainda é um desafio que resta em aberto. Para além de toda a parafernália dos aspectos macropolíticos, existem fatores micropolíticos que não são menos importantes do que os primeiros, talvez sejam até mais intensos, embora menos amplos. Aliás, uma parte relevante do PT nesse quadriênio é administrar essa agenda de sintonia fina na conjuntura que ele próprio ajudou a construir. Questões como educação, cultura e saúde são algumas delas. Há muito o que ajustar, de início, a Cultura é de longe o pior ministério desse início de Governo, promovendo retrocessos em relação a gestão surpreendentemente boa de Gil continuada por Juca. A Ministra da Cultura Ana de Hollanda cometeu belos erros no que toca à controvérsia das licenças Creative Comuns e pela sua simpatia às políticas pró-ECAD - o que suscita uma das políticas de direitos autorais mais burras da face da terra, se é que isso é possível. O mesmo podemos dizer da política de segurança pública articulada em torno do Ministério da Justiça, que precisa administrar melhor seu medo de não cair numa candura de esquerda em relação ao problema da criminalidade para não cair de costas no seu exato oposto. Nada disso, no entanto, significa um adeus a Lula, mas a manutenção de seu projeto, isto é, a continuidade de uma ampla discussão e uma ampla disputa em torno de setores e temas, um projeto cujos resultados práticos, desde nomeação de ministros até políticas implementadas, é apenas a resultante de uma tensão de forças (por dentro e por fora do PT) enorme. Muitas vezes, essa articulação ao melhor estilo sindical-trabalhista descamba para a admissão de setores cujos valores ameaça a própria forma proposta (ainda que mesmo dentro dela, a presença de forças e proposta assimétricas concorram como se simétricas fossem). Dentro desse projeto, Lula, mesmo com sua imensa capacidade política, só conseguiu render frutos ao se aliar a uma pessoa com a capacidade gerencial de Dilma. Talvez, hoje, precisemos que Dilma faça o caminho contrário: Sua incontestável capacidade gerencial - o que já se expressa na política econômica - carece de uma figura propriamente política. Eis aí o motivo de me ressentir com a figura de um Palocci na Casa Civil - alguém cuja capacidade de interlocução é boa apenas com certos setores, mas não de um modo geral -; seja como for, o Governo atual depende mais do que nunca da combinação que fez o segundo mandato de Lula render frutos, ainda mais por ter desafios maiores pela frente. À esquerda cabem dois desafios muito fortes, se desinvestir dos modelos idealistas que sempre lhe perturbaram e compreender que, no momento, a única máquina com tamanho e amplitude suficientes para transformar o país é o PT, mas que essa constatação também não significa um alinhamento imediato - é preciso ser autônomo sabendo que isso não é igual a se opor e apoiar sabendo que isso não significa perder a autonomia de pensamento.


Atualização de 31/01/11: Interessante essa entrevista do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), líder da bancada do partido na Câmara, sobre as recentes decisões do MinC: "Creative Commons está na política do Governo" - aparentemente, surgiu alguma reação de dentro à atual política da Cultura e o debate está aberto. Menos mal, mas vá para frente.



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