domingo, 28 de agosto de 2011

Fim do Primeiro Turno do Brasileirão de 2011

Ricardo Gomes passa mal enquanto ambulância vem socorrê-lo (Lancenet)
O Primeiro Turno do Brasileirão se encerrou hoje. Infelizmente, o destaque não foi a enxurrada de clássicos, estrategicamente marcados para a última rodada, mas a o AVC sofrido pelo técnico do Vasco, Ricardo Gomes, durante o jogo contra o Flamengo - terminado em empate por 0x0. O estado de Ricardo, responsável por fazer o Vasco brilhar depois de anos de ostracismo, é gravíssimo.  

Em São Paulo, o Palmeiras quebrou um jejum incômodo contra o Corinthians, mas sua vitória - de virada, com direito a uma atuação de gala do recém-contratado Fernandão - nem tirou o título simbólico do rival, nem serviu para lhe garantir na zona de classificação para a Libertadores. 


No entanto, é um começo, uma luz no final de túnel depois de tantas controvérsias, sobretudo, da crise de Kleber. E uma luz amarela se acende no caminho corintiano, que está vivendo da gordura que acumulou no início do campeonato, mas desabou nas últimas rodadas.

O Botafogo segue fazendo uma campanha espetacular, bateu o Fluminense de virada e estaria na Libertadores hoje. O São Paulo só empatou com o Santos e segue sem vencer clássicos neste Brasileirão. O Peixe de Neymar é carta fora do baralho neste torneio e, talvez, o mesmo valha para o Flu de Abel Braga. Mas Botafogo e São Paulo estão na briga pelo título.

Elas por elas, o destaque mesmo deste Brasileirão é o momento do futebol carioca. Sim, os dois últimos campeões foram do Rio, mas há tempos que não víamos três times do Rio peitando o trio de ferro paulista - sobretudo quando o último está bem e quer muito ganhar o Brasileiro. 


Ronaldinho é o melhor jogador do Campeonato, enquanto Diego Souza e Juninho Pernambucano brilham no Fla - enquanto os paulistas padecem de grandes atuações individuais, dependendo muito do coletivo (quer seja o esquema tático, nos casos de Corinthians e Palmeiras ou o elenco amplo, caso do São Paulo).


Muito ainda está por se definir nesse verdadeiro rali no qual se constitui o Brasileirão. O Botafogo e o Vasco pelo visto chegaram mesmo e teremos seis times brigando. Fato interessantíssimo.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sucessão Paulistana: O Processo Interno do PT

Lula e Haddad (foto: Alan Marques/Folhapress)


O Partido dos Trabalhadores chegou ao seu auge na capital paulista no início deste século: Detinha a Prefeitura da cidade com Marta Suplicy, o que resultou em dividendos eleitorais no plano das eleições gerais, como se pode ver pelos resultados de 2002. Mas já ali, alguma coisa não estava certa, o que veio a ficar exposto na reeleição fracassada de Marta.

Era evidente o racha do partido assim como o afastamento dele da intelectualidade e, ainda, um relacionamento problemático com os movimentos sociais - sobre o último ponto, saía a atuação direta e orgânica na periferia, sobretudo com os movimentos de moradia, e surgiu um estranho fisiologismo. 

A difícil relação de Marta com os outros setores do partido não apenas lhe custou a reeleição como ressuscitou Serra em 2004. Sua candidatura equivocada em 2008 custou bem mais do que isso, ajudando a dar sobrevida ao DEM e ainda protelando a (necessária) renovação do partido em São Paulo.

O quadro que se desenhava até bem pouco não era nada animador. As velhas lideranças petistas construíram uma estrutura poderosa e começavam a monopolizar as candidaturas para o governo do estado e para a Prefeitura da Capital. De repente, as coisas começaram a tomar um tom curioso, que se resumia no "Marta ou Mercadante".

O velho Lula, que sempre apostou no campo majoritário na politica paulista e paulistana, viu o tamanho do seu erro quando ele foi exposto violentamente este ano: a indicação de Palocci para a Casa Civil de Dilma foi, de longe, sua pior aposta em anos.

Nesse sentido, a aposta em Haddad foi uma (grata) surpresa. Por um lado, seu ministro da educação é um verdadeiro encantador de serpentes: consegue se manter à esquerda no partido sem se isolar, coisa que José Eduardo Cardozo não conseguiu. Por outro lado, Lula ousou e apostou alto e certo.

Lula se deu conta do enorme potencial desperdiçado do PT paulistano. Por mais que o país venha se descentralizando, São Paulo não só é - como continuará a ser - a maior cidade brasileira por muitas décadas ainda. O preço de adular velhos aliados não competitivos eleitoralmente  é ser complacente com uma decadência que pode, é claro, atingir o partido em escala nacional.

A insistência de Marta em pautar sua candidatura é um erro. A bem da verdade não é bom para sua própria carreira nem para o partido. Ela é uma figura importante no Senado, mas que tem uma grande rejeição junto ao eleitorado paulistano - pelos motivos certos e errados - e não é capaz de aglutinar o partido e o eleitorado dele, nem mesmo sua própria corrente, em torno de si.

É bom recapitular uma coisa, as duas gestões petistas na pauliceia se encaminharam de formas diferentes: é verdade que ambas colocaram em prática bons projetos e não conseguiram ter um fecho administrativo que desse coesão à gestão, só que Erundina deixou sementes, Marta não.

Explico-me: a periferia, por conta de Erundina, ficou menos distante socialmente da urbe; a resultante daquela tensão de forças foi que aquelas regiões pobres passaram a ser vistas enquanto parte da Capital, embora como um parte menor - coisa que não eram até ali.

E grande parte da resistência contra o Malufismo nasceu das sementes plantadas por Erundina. Com Marta não, o partido saiu menor e mais desunido, passivo diante da escalada de Serra.  

As demais candidaturas, as de Zarattini e Tatto - ambos ex-aliados de Marta - não são viáveis seja em qual aspecto for. Por isso, meu ânimo com a candidatura Haddad. Não apenas porque as outras opções não são boas neste momento, mas porque, ainda por cima, ele agrega muita coisa.

Haddad é, hoje, o nome petistas mais competitivo para as próximas eleições e, mais importante do que isso, de fazer uma campanha programática da qual será possível plantar novas sementes. E caso vingue, de conseguir fazer a gestão que São Paulo precisa, dando o fecho que faltou às gestões de Erundina e Marta.

O atual ministro da educação tem Lula e Dilma juntos a seu favor. Terá, por conta disso, uma votação expressiva na periferia - que não à toa deu um voto de confiança para o petismo -, mas tem condições de ganhar votos nos bairros mais ricos porque é capaz de animar a intelectualidade de esquerda - e reaproximar muita gente importante.

Dos outros partidos, infelizmente, nada de animador aparece, confirmando a triste sina da política paulistana dos últimos anos. Um PSDB sem projeto nem prumo, um Chalita neo-governista, um PSOL distante demais do debate público e preso a disputas intestinas dignas de Movimento Estudantil.

Nesse sentido, resta torcer pelo bom senso no processo interno de escolha do PT mais do que nunca. Que se reconheça a necessidade de renovação - que atende pelo nome de Fernando Haddad agora - e que se coloque o bem do partido -e, afinal de contas, da cidade - à frente de vaidades pessoais. 



domingo, 21 de agosto de 2011

A Queda de Kadafi

As notícias que chegam agora pelas agências internacionais - e TV's de todo mundo - é de que a (longeva) tirania de Kadafi está prestes a cair na Líbia. Não há como não comemorar a queda de um despotismo como aquele, mas aqui, as coisas não são tão simples quanto no Egito ou na Tunísia.

O primeiro ponto é como a revolta tunisiana se espalhou por todo mundo árabe, sobretudo o gigantesco Egito, derrubando a ditadura Mubarak. Revoltas multitudinárias, espontâneas e surpreendentes, que botaram abaixo uma série de regimes autoritários, cuja existência e persistência no poder era inacreditavelmente duradoura.

Nem na Tunísia, nem no Egito, as potências ocidentais mostraram-se muito animadas com os ventos revolucionários - o que certamente não era à toa, uma vez que eram seus aliados a cair. 

Em um primeiro instante, houve uma tentativa de deslegitimar os movimentos. Depois,  houve aceitava com ressalvas. Mas não resta dúvida que aqueles movimentos representavam uma derrota para americanos e europeus.

Já no caso líbio, estranhamente, o Ocidente não apenas se mostrou favorável ao movimento anti-despotismo local como lhe deu armas e o ajudou militarmente - de forma direta, inclusive. Não só, o movimento que se opôs a Kadafi, longe de lotar praças, tinha um caráter claramente militar e elitizado.

Com o cerco da Otan e o numeroso - e bem armado, embora amador - exército rebelde, era questão de tempo para o excêntrico Kadafi cair mesmo. A questão não é, portanto, uma avaliação moral do regime que cai, que não deixa muitas dúvidas quanto ao seu caráter, mas sobre o que se esconde por detrás de sua queda. 

E as evidências que temos não são muito animadoras. Os rebeldes locais, com suas conexões duvidosas e a Otan nas fronteiras - possivelmente em seu território - não significam nada muito alentador para as massas revoltosas do mundo árabe. 

As multidões rejeitam ao mesmo tempo o imperialismo e a tirania (seja de que tipo for), entretanto, tais tiranias, pró ou anti-americanas, são tributárias das condições políticas produzidas pelo primeiro fenômeno.  Essa relação nem sempre está clara e é nesse flanco que  Estados Unidos e Europa operam nesse movimento.

Portanto, levando em consideração os desdobramentos possíveis, a ingovernabilidade da nova Líbia ou mesmo a construção de um cavalo de tróia, temos o primeiro lance efetivo das potências na reação à onda revolucionária. Torçamos para que a Líbia pós-Kadafi escape à sanha da Otan, mas isso é um problema objetivo e imediato agora.

sábado, 20 de agosto de 2011

Devir Partisan







1. Vídeo de "По долинам и по взгорьям" (po dolinam y po vzogoriam, "pelos vales e pelas colinas"), canção partisan executada pelo Coro do Exército Vermelho - com cenas de partisans italianos, judeus, espanhóis, soviéticos e iugoslavos.

2. Versão de Le Partisan em inglês, por Leonard Cohen em 69.

3. Versão de Bella Ciao do Modena City Ramblers

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A PUC e o Escândalo do Ministério da Agricultura

O ex-ministro Rossi
Há poucos dias, assistimos a uma nova tempestade ministerial: dessa vez, foi na Agricultura, pasta então chefiada pelo peemedebista Wagner Rossi. Nesse tipo de escândalo, sempre nos pegamos com o mesmo de sempre, toda sorte de fraudes e favorecimentos, mas nessa ocasião, algo que me chamou a atenção pessoalmente: o mal-explicado envolvimento da PUC-SP na história toda.

Não que eu seja dos maiores entusiastas da situação em que vive a PUC hoje - na qual, sob o comando tirânico de sua mantenedora, o desrespeito à democracia interna tenha virado regra geral -, mas o simples fato de estar, de algum modo, envolvida em um escândalo desse porte torna tudo mais preocupante ainda. 

Apesar da insistência da Folha de São Paulo, que investigou o escândalo na Agricultura, em não ir tão a fundo no que diz respeito ao real envolvimento da Universidade - sempre elipsado, apesar dos fatos falarem por si só - , a notícia de que a PUC irá devolver o dinheiro ganho na licitação fraudada é autoexplicativa demais para passar batido.

É preciso que alguém investigue isso mais a fundo. A PUC é um dos mais relevantes centros de pensamento crítico de São Paulo, mas está em uma severa crise financeira há pelo menos sete anos, o que tem servido como álibi para toda sorte de medidas. Isso tem de parar em algum momento.

É preciso transparência administrativa. Tenha acontecido o que for, devolver o dinheiro é a coisa mais razoável a se fazer neste momento, mas isso por si só não basta. É preciso construir uma gestão democrática e aberta porque a burocratização leva a (des)caminhos dos quais nem sempre é possível ter volta.

P.S.: Governar, como nos ensinou Maquiavel, é uma atividade das mais complexas e inglórias. A Presidenta Dilma precisa conciliar o apoio necessário para governar o país - dentro de um sistema político problemático - com o igualmente necessário combate à corrupção cancerígena que devora Brasília. Não é uma tarefa fácil. Como divulgado em sua entrevista à CartaCapital, a faxina que a Presidenta está a promover passa ao largo do vão moralismo e visa acertar em cheio a paralisia do Estado. E Dilma está certíssima em assumir a vanguarda disso. A questão é como dosar o processo - e não perder de vista que grande parte desses problemas só acabarão com uma reforma política.



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Roda Viva com Haddad no XI de Agosto

Haddad nas Arcadas - Laura M.

Ontem, compareci a um evento muito interessante na Faculdade de Direito da USP, a boa e velha Sanfran, organizado pela Fórum de Esquerda, a atual gestão do CA XI de Agosto: uma roda viva com o Ministro de Educação - e possível candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PT - Fernando Haddad. 

No histórico pátio das arcadas, Haddad, além de ter se mostrado profundamente solícito, foi claro e preciso nas suas falas ao ser (bem) questionado pelos estudantes sobre temas centrais da sua gestão na Educação. 

O debate transitou por questões como Prouni, Reuni, aumento de verbas para a Educação, participação estudantil na política, mercantilização do ensino superior, ensino fundamental, plano de metas entre outras coisas. 

Haddad mostrou porque é, dentre os grandes quadros petistas de hoje, o mais bem preparado intelectualmente, demonstrando um misto de precisão técnica com desenvoltura - o que, junto com os grandes resultados que obteve em sua gestão no MEC, o deixa numa posição consideravelmente tranquila em debates públicos. 

Sim, o Governo Lula herdou um passivo considerável na Educação - sobretudo no que diz respeito ao ônus da tentativa de inclusão por  na Educação Superior por uma via mercantil - e teve de enfrentar o poderoso lobby da educação mercantil junto com uma demanda social e econômica por inclusão qualificada na Universidade Pública. 

Há muito ainda por fazer, mas houve uma ampliação sustentada do sistema que não é pouca coisa. Ainda mais se levarmos em conta a complexidade que é desfazer gargalos burocráticos na Universidade Pública e, ao mesmo tempo, forçar as instituições privadas a cumprirem sua função social.

Uma questão que este humilde redator colocou, logo no primeiro bloco de perguntas, foi sobre o Prouni, enfocando a crise pela qual passa hoje a aplicação do programa na PUC: como realizar um programa de inclusão nas universidades privadas, tendo em vista o agravante da mercantilização do ensino e o próprio desrespeito aos direitos dos bolsistas que elas promovem? 

Haddad não escapou à pergunta, ressaltou os esforços do Governo na melhora da fiscalização da qualidade das universidades privadas - e no que toca à aplicação do Prouni - e a necessidade de aprimorar o programa em si, citando também sua admiração pela massa que foi incluída na Universidade em sua gestão - e que, afinal de contas, jogou na lata do lixo da História às teses contrárias às cotas sociais e/ou étnicas

E assim seguiu o sereno e erudito Ministro da Educação de Lula, cuja trajetória é um alento para a renovação da esquerda paulistana - e da revitalização da própria cidade, deveras combalida nos dias atuais. Outros desafios, internos e externos, o aguardam, mas ao que tudo indica, as coisas estão caminhando bem.




domingo, 14 de agosto de 2011

Reflexões sobre o Pós-Lula

Édipo e a Esfinge - Moreau
Enquanto a política brasileira se rearranja no pós-Lula - e o país segue com a respiração suspensa a espera do choque da nova onda da crise econômica mundial -, é interessante ver como as forças políticas estão se realinhando e atuando. Dilma iniciou seu governo da mesma forma como fez campanha no Primeiro Turno das eleições presidenciais: em busca de uma distensão política, caminhando na inércia da figura pessoal de Lula enquanto buscava afirmar, no plano da administração, os projetos de reforma do Estado que assegurassem seus planos social-desenvolvimentistas. Enquanto isso, o PSDB se perdia em uma briga intestinal e, vejam só, FHC reapareceu da aposentadoria para dar algum norte ao partido.

O Brasil de hoje é um país social e politicamente muito mais complexo do que há dez anos atrás. E os partidos, incluso aí o PT, estão patinando na análise disso. Tanto que Dilma, mesmo depois do mau resultado do Primeiro Turno do ano passado, insistiu no erro, embora tenha parecido acordar nos últimos meses: uma vez que já se iniciou o bombardeio da mídia e  se reiniciou o wishful thinking perverso da oposição frente aos efeitos da Crise Mundial sobre o nosso país, ela resolveu correr os riscos inerentes à política e apostar, enfim, no movimento político em vez da inércia. E Dilma é capaz de fazer as coisas acontecerem. Não nos esqueçamos que ela foi uma das artífices da superação das duas piores crises que o país passou nos últimos anos: o Apagão e a primeira rodada da Crise Econômica.

A recente entrevista de Dilma à última edição de CartaCapital mostra um pouco dessa guinada: clareza nos motivos que levaram à escolha de Amorim para a Defesa, precisão nas preocupações que lhe fizeram comprar um briga arriscada nos Transportes para salvar o PAC, assertividade na análise da Crise Mundial do ponto de vista geopolítico (embora não tanto do ponto de vista econômico, ou melhor, ela vai bem até onde o keynesianismo consegue ser bom). Em termos gerais, a Presidenta demonstrou uma precisão que lhe sobra como administradora, mas, não raro, lhe falta como política - mas que aqui, a exemplo do antológico debate do Segundo Turno na Bandeirantes, não lhe faltou, o que aponta um caminho claro de interlocução.

Apesar da queda em sua popularidade, Dilma ainda segue em alta e, é bom frisar, essas pequenas oscilações no meio do primeiro ano de mandato presidencial são comuns  - como comprova a tabela de avaliação dos presidentes de Itamar para cá; Dilma inicia mais bem avaliada do que Lula e FHC (sobretudo em relação ao segundo mandato do último). É claro que ela tem a vantagem que nenhum outro presidente teve: ser eleita como continuidade de um mandato bem-sucedido em relação ao qual ainda é possível colher frutos diretos. Essa herança bendita certamente está ajudando a amortecer alguns erros graves de início, mas as últimas movimentações ministeriais apontam para uma recuperação disso no médio e longo prazo.

A crise que se põe imediatamente, e não é desprezível, é do relacionamento do Planalto com o Congresso. Isso também não chega a ser novidade, uma vez que esse deve ser o grande problema do sistema político brasileiro, um semi-presidencialismo sem premiê e com um sistema eleitoral para o Parlamento que é um convite ao fisiologismo. Mas é fato, também, que existe pouco tato na articulação política - que precisaria ter sido aprimorada, ainda mais dentro de uma proposta de tornar a máquina mais eficiente, o que, por si só, já causaria certos abalos junto à gigantesca (e heterogênea) base governista. O custo político desse mau relacionamento pode atrapalhar a recuperação do governo; isso não é das tarefas mais fáceis: conseguir um ponto de equilíbrio entre um bom relacionamento com a base sem arruinar projetos inteiros.

Enquanto se passa tudo isso, a oposição, eleitoralmente reduzida pelo último pleito, segue andando em círculos. Primeiro, o PSDB gastou boa parte do início de ano em brigas internas bastante pesadas, depois, a atuação de Aécio no Senado passou longe de ser o que se esperava de um líder oposicionista - como não poderia ser diferente pela falta de um projeto; a Convenção do partido, que serviria para pôr um fim nisso, apenas arrefeceu um pouco os ânimos. Mesmo meios de comunicação simpáticos ao partido não conseguiram fugir de palavras como "impasse" na cobertura do evento. Serra, de fato, é o grande entrave para a renovação do partido, mas, ao mesmo tempo, não pode ser posto para escanteio, haja vista a gravíssima falta de quadros do partido - ainda mais na capital paulista na qual o PT se mostra com belas chances de levar ano que vem, ainda mais se o PSDB não apresentar um nome de peso histórico.

Do ponto de vista programático, o PSDB não consegue escapar ao udenismo - que eleitoralmente funciona medianamente, mas está longe de ser suficiente para governar o país - e se afasta politicamente de onde deveria se aproximar: a saber, de sua própria origem social-democrata. Sim, como diz o novo programa do partido aprovado em 2007, a social-democracia venceu no Brasil - só faltou concluir que talvez por isso o partido perdeu, àquela altura, duas eleições presidenciais consecutivas para depois perder mais uma.

Além disso, chegamos ao ponto que realmente interessa, isto é, a questão central do Brasil contemporâneo: o que fazer diante do novo Brasil que está em construção? É o problema iminente para o qual nem petistas, tampouco tucanos têm uma resposta clara e unificada. Quem colocou isso no debate público foi FHC, em sua volta à cena, numa manobra formalmente boa porque tirava a atenção da mídia de cima do impasse do partido. O resultado, como já debatemos por aqui, não foi bom. O artigo de FHC, O Papel da Oposição, é um documento longo e pedante demais, no qual o ex-presidente confunde seu papel de político com o de sociólogo e o resultado é, novamente, mero wishful thinking: o PT perderá sua base porque ela está enriquecendo. 

Lula, no alto do seu genialidade, pegou um flanco discursivo de FHC e tascou-lhe uma resposta na lata: enquanto o FHC dizia que o PSDB não deveria mais se importar com o povão, Lula respondeu que o povão é a razão de ser do Brasil. Uma resposta politicamente perfeita, FHC cometeu um deslize elitista - um ato falho que, a bem da verdade, nasce da confusão do discurso político com discurso sociológico e revela, ao mesmo tempo, sua identidade de classe - e viu o ponto gravitacional do debate ser alterado pelo seu adversário.

O ponto é que a saída retórica de Lula, sustentada por um raciocínio sociológico intuitivo muito mais sofisticado do que o de FHC, não é amplamente majoritário nas próprias fileiras dirigentes do PT. Não faltam correntes, com a do atual presidente do partido, Rui Falcão, que a partir dali morderam a isca e começaram a defender que o PT se torne, mais e mais, um partido de classe média. A própria Dilma, em sua (boa) fala de Primeiro de Maio, faz referência a um raciocínio parecido - e "transformar o Brasil em um país de classe média" é uma expressão que aparece por várias vezes na entrevista à CartaCapital. 

O erro aqui é metodológico: a sociologia americana nos legou categorias de análise social que são, por sua vez, meramente ideológicas, tomando categorias de renda (as chamadas classes A, B, C, D e E) por classes sociais (que, dentro de qualquer raciocínio decente, tem a ver com a posição que o sujeito ocupa na cadeia produtiva). Essa estrutura pseudo-analítica tem a ver com a necessidade burguesa de subtrair da análise sociológica a identificação do fenômeno da forma como se estrutura o processo produtivo - ela nos ordena, portanto, que analisemos, as relações sociais que se iniciam a partir daí, isto é, do que já foi produzido (e não da produção), o que exclui a questão social (o velho clássico Capital x Trabalho) do mapa sociológico e, principalmente, leva a erros sérios se você estiver usando essa ferramenta como se ela fosse científica e não ideológica.

Sim, os trabalhadores brasileiros estão melhorando de vida enquanto trabalhadores, portanto, não há que se falar em nova classe social. É evidente que isso produz mudanças, mas não há realinhamento social (ainda), mas apenas financeiro (o que pode ser causa de realinhamento social, mas ainda não o é).  Usando um exemplo concreto, um comerciante da periferia de São Paulo pode ter atingido, com sua padaria de médio porte, a renda do advogado que mora em um bairro de elite, e atua num ONG de direitos humanos, mas isso não quer dizer, em momento algum, que eles pensem de forma parecida - ou que votem no mesmo (e caso votem, certamente não será  por motivos sequer parecidos).

Nesse sentido, ainda que seja tenha um quê de absurda, a propaganda televisiva veiculada ontem pelo DEM, estrelada por um militante negro e favelado seu, é mais sensato do que a leitura de FHC - com a qual, aliás, ela polemiza -, pois nela, o DEM tenta se mostrar palatável para o "povão" e não esquecê-lo. É claro que em se tratando do DEM, muito longe de ser um partido liberal razoável, a peça destina-se ao ridículo: a questão não é provar que existem eleitores e militantes negros e favelados seus, mas sim mostrar onde estão seus dirigentes negros e favelados. Como a intenção da inserção não é, claro, mudar o viés ideológico do partido, mas sim fazê-lo ser eleitoralmente viável dentro de sua proposta ideológica, isso faz sentido. Só que não será uma linha de propaganda funcional, por si só, que vai reverter a espiral de queda que vive o partido: o DEM, historicamente bem votado no nordeste e entre um eleitorado pobre e miserável, perdeu eleitores diretamente para o PT na medida em que o Governo Lula atuou diretamente no reconstrução social de suas bases eleitorais.

Há, portanto, um plano eleitoral - sujeito ao discurso da propaganda e à ideologia - e outro plano propriamente político - que está sujeito sinais, a bem da verdade, inconscientes frente à realidade política, social e econômica - algo que só é possível frente a erosão, e a atomização, da estrutura do grupo que o Capitalismo produz. É fundamental ter consciência da cisão entre esses dois planos e, ainda, saber que mais importante do que saber operar neles - e entre eles -, é dar sentido prático à ideologia como forma de leva-la ao próprio exaurimento. O PT, por ora, ainda não foi devorado pela esfinge que erigiu, mas o dia da verdade quanto a isso está próximo de chegar.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uns Versinhos

A Noite Estrelada - Van Gogh


Perdido na vida, sozinho no mundo
sonhando com as remotas ondas do mar
e um céu de estrelas profundo,
pequenos maremotos ao luar...


Cá, tombaram há muito todas as constelações
para, na forma de neons, jazerem na terra
testemunhas urbanas de tantas paixões
ou mesmo da vida que se encerra


Pequenos sussurros ao vento
grandes gritos de medo
na aridez cinza de cimento
o novo se dilui no mesmo


Sigo como nômade em linha de fuga
cambaleante e ao léu
bailando ao som de um música muda
e sonhando com a moça da rima de mel


terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Primavera Chilena

A bela líder estudantil Camila Vallejo 
Se o mundo vive tempos particularmente agitados, o Chile, pauta frequente por aqui, deve ser o ponto culminante do continente hoje. Dono de riquezas minerais incalculáveis nos Andes, o país conseguiu construir a partir disso uma sociedade bastante desenvolvida para os padrões sul-americanos sob um marco essencialmente liberal - ao contrário do Brasil moderno, apesar dos governos Collor e FHC tenham tentado subverter o ethos social-democrático da Constituição de 1988 em sua infância. Tornamos a repetir aqui: isso chegou ao seu limite. O liberalismo chileno está posto como política de Estado e nasceu do golpe que instituiu a Ditadura Pinochet - e dentro desse campo, trata-se de um experimento sofisticado; o ponto é que a funcionalidade de uma dada política só pode ser verdadeiramente mensurada na época da crise: e sistemas muito liberais padecem justamente pela falta de medidas de contingências quando as crises vêm, algo perfeitamente normal dentro do Capitalismo (que, em si, é uma crise social e, embora sua racionalidade econômica possa ser duradoura como prática, ela sempre estará exposta a crises cíclicas). O que nos interessa aqui hoje é um ponto específico desse momento: as revoltas estudantis que estão a parar as escolas e universidades do país, angariando franca adesão dos estudantes, professores, reitores e diretores bem como de toda a sociedade civil - para o horror do governo Piñera que vê sua aprovação desabar. Para colocar a cereja no bolo, enquanto as autoridades chilenas tropeçam como amadoras ao enfrentar a situação com dura repressão policial, do outro lado ascende Camila Vallejo Dowling, presidenta da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (FECH), um verdadeiro fenômeno político na forma de uma belíssima estudante de geografia de 23 anos, comunista, inteligentíssima, articulada, apaixonada e apaixonante - o pior dos mundos para a direita chilena. A questão central da problemática educacional chilena é simples: lá, a educação é praticamente toda privada, mercantilizada e bastante cara. Isto é, quem não pode pagar precisa se endividar para poder estudar e, ainda, a transformação da educação em negócio produz um óbvio desvio de finalidade no qual a formação dos estudantes torna-se um mero detalhe em um jogo voltado para o lucro - e, por favor, não confunda "lucro" com "entradas", é evidente que não há almoço grátis, mas a educação depende de um financiamento que sustente sua existência e lhe permita realizar a finalidade de formar cidadãos, o que é bem diferente de usar escolas e universidades como meio de ganhar dinheiro, pois aí, a finalidade torna-se tirar excedentes monetários (usados livremente pelo capitalista, a despeito das demandas estudantis ao mesmo tempo em que mensalidades são fixadas voltadas para esse fim, o que ainda reproduz desigualdades sociais) e não usar um patrimônio para educar crianças e jovens. Esse é um problema não muito estranho aos nossos ouvidos brasileiros, pois o passivo de universidades mercantis legado pelos anos FHC é o grande nó górdio da educação superior do Governo Dilma - o que não se resolve apenas com a retomada de investimentos nas universidades federais - ao mesmo tempo em que, ainda por cima, vivemos às voltas com a desgraça da Escola Pública. Por outro lado, o êxito das mobilizações estudantis chilenas - que envolveram toda a sociedade - são um tapa na cara do movimento estudantil brasileiro, que há muito tempo está preso em práticas herméticas, tornando-se incapaz de dialogar com os próprios corpos estudantis que representam, imagine só com a sociedade. Se o futuro da esquerda chilena é fundamental para o continente, os rumos do movimento estudantil são a pedra de toque do processo. 



sábado, 6 de agosto de 2011

O Governo Dilma e o Pós-Jobim

"A história universal não é senão uma teologia, se ela não conquista as condições de sua contingência, de sua singularidade, de sua ironia e de sua própria crítica”
(Deleuze e Guattari) 

Céu azul no Planalto Central
Duas formas distintas (e, de certa maneira, antagônicas) de interpretação da realidade - e, por conseguinte, meios de intervenção na mesma - sempre dividiram o pensamento ocidental. A primeira delas, nascida com  Parmênides de Eleia, se ancora na noção de que há um Ser profundo, unitário e totalizador - em suma, que as coisas têm uma essência -, enquanto a outra, oriunda do pensamento de Heráclito de Eféso, parte de um premissa oposta: o rio no qual entramos hoje não é o mesmo que o de ontem - não há uma essência nas coisas, elas são de acordo com a função que exercem e a história nada mais poderia ser do que um amontoado de cortes, motivados pelos devires de cada época, em um cenário de franca contingência. 

O veio principal da tradição iluminista, fundada em Kant, vê a História como uma linha reta, dotada de um propósito como se, no caso de ser possível voltar a fita da História, chegaríamos exatamente ao mesmo ponto de hoje - uma verdadeira Teologia, capturada mais tarde pelos positivistas que tanto influenciaram nosso ideário. O pensamento marxista se opõe a isso, sobretudo pela forma como ele posiciona a História, em resposta ao pensamento hegeliano - mas é mais tarde, nos pós-estruturalismo, que isso tomará proporções inacreditavelmente maiores e subversivas.

Essa breve digressão filosófica diz mais respeito ao atual momento do debate nacional do que parece: a queda de Nelson Jobim da Defesa e a ascensão de Celso Amorim é um corte profundo no Governo Dilma dado por ela mesma. Depois do colapso de Palocci - uma tragédia anunciada, um erro desmedido -, Dilma deu um golpe de mestre no Ministério dos Transportes quando derrubou a camarilha que, nada-nada, estava atravancando o PAC e pondo em risco a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio: ainda colocou Blairo Maggi em xeque e, no fim das contas, bancou o técnico - e especialista em transporte ferroviário - Paulo Sérgio Passos no cargo.

Com Jobim, um interlocutor dos militares junto ao Governo, ela soube não cair no jogo dele: o bloqueou quando ele tentava assumir o controle do seu Governo, o isolou no momento em que ele pedia para ser demitido - e, com falas descompensadas contra a Comissão da Verdade, buscava sair deixando um crise - e o demitiu quando ele finalmente errou. Pior do que isso, substituiu Jobim por um nome não só mais capaz do que ele como também extremamente popular na base lulista. 

Há quem não entenda a sutileza dessas mudanças, mas vivemos um novo momento, sem dúvida: Dilma esteve engessada entre uma ala próxima muito preocupada em contê-lo e transforma-la em figura anódina - que apenas capturasse a herança de Lula por inércia e se fingisse de morta no debate público - e quem desejava vê-la agindo de acordo com os desígnios diretos de Lula - o que nem o próprio gostaria de fazer. 

Sobre o primeiro item, o preço a pagar para não atritar com ninguém era, realmente, o desgoverno. A tensão com a base no caso dos Transportes foi uma aposta: Dilma viu que o ônus de tensionar com um partido médio da base como o PR era menor do que não realizar as obras de infraestrutura necessárias para o país. No caso de Jobim, esperou o momento certo para derruba-lo e iniciar o primeiro projeto sério para a Defesa do país.

No que toca ao segundo, é fato que nem o melhor dos motoristas é capaz de arrumar o retrovisor do carro corretamente quando o automóvel é guiado por outro. Dilma depende de uma certa linearidade para funcionar; Lula poderia muito bem colocar Henrique Meirelles no Banco Central e manter Mantega na Fazenda, mas Dilma jamais conseguiria trabalhar assim - para o bem ou para mal, a forma dela arranjar o complexo Lulista é, e tem de ser, outro. Isso valeu logo de cara para o BC, depois para a Casa Civil e agora para a Defesa.

São riscos claros, mas a opção que Dilma tomou é igualmente límpida e cristalina: é melhor perder pela ousadia de fazer as coisas do que pela inércia ou a ilusão de fazer um omelete sem quebrar os ovos. Renato Rovai não poderia estar mais certo ao traçar um paralelo entre a demissão de Jobim e o debate da Bandeirantes no Segundo Turno: foi um dos raros momentos quando Dilma foi Dilma e assumiu o controle do jogo, dando um corte - no adversário, à moda do futebol, e na História. Isso ajuda a criar não apenas um ambiente de otimismo e empolgação, mas também a reverter um cenário adverso que causa todo o tipo de confusão. 

Como ainda bem anota Idelber Avelar, todo tipo de barrigada blogosférica e jornalística se sucedeu aos parcos instantes entre a queda de Jobim e a nomeação de Amorim. Isso, de fato, é um problema tanto da qualidade da oposição que ambientalistas e a extrema-esquerda faz ao Governo quanto, acrescentamos aqui, do cenário de confusão e incertezas dentro dele mesmo - além do modus operandi de uma certa ala governista que confunde apoio ao governo, que é ele mesmo uma coalizão ultra complexa, com algum delírio paranoico purista de apoio incondicional a decisões que, a bem da verdade, são resultantes da tensão de forças em seu interior.

Sobre a leitura errada de certas áreas do campo governista, não é possível concordar com gente do porte do Rudá Ricci que insiste em teses como a do eu falei, eu falei no que toca aos Transportes - ou a sua compra ingênua da crise que a mídia está tentando criar no que toca à entrada de Amorim na Defesa: se Dilma capitulasse a isso, ela estaria optando por não realizar um governo em prol de fazer alianças (e antes um governo sem alianças do que alianças sem governo). De posições como a de Eduardo Guimarães não é possível concordar em nada: não existe unidade em uma coalizão complexa como a de Dilma (nem pode existir) para existir uma linearidade entre os problemas ministeriais, tampouco para dizer que essas mudanças foram um erro - mas sua posição é recorrente de certas alas governistas, tentando achar uma razão (ou falta dela) em decisões que decorrem de um atrito de racionalidades.

Em muitos momentos, Dilma se esquece ou subestima a importância de movimentos como esse. No entanto, se ela se desprender dos grilhões e for capaz de imprimir esse ritmo de forma constante, dando uma função histórica à racionalidade administrativa que domina como poucos - se movendo pelas dobras da História e estabelecendo cortes nela no momento preciso -, fará, por certo, um governo melhor até do que o de Lula, em que pese o cenário mundial. Seja como for, ela acertou dessa vez e o ar é outro no Planalto agora. Se ela não aprendeu essa lição nas eleições do ano passado, é bom ter aprendido agora e não se limitar a lampejos.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Amorim volta ao Jogo (ou "Jobim, só o Tom")

Amorim: sem mais fardas
Nelson Jobim caiu agora há pouco e em seu lugar no ministério da defesa assume o ex-chanceler de Lula, Celso Amorim. Jobim é, seguramente, das figuras mais controversas da República e isso não se deve apenas ao fato do seu exótico gosto por fardas ou por suas declarações bombásticas: Egresso de uma tradicional - e conservadora - família de políticos do Rio Grande do Sul - que lutou contra Vargas em 32 -, ele foi deputado constituinte pelo PMDB - quando fraudou a redação do atual texto Constitucional -, dando sustentação, anos mais tarde, ao governo de Fernando Henrique Cardoso - no qual foi ministro da justiça, pasta que abandonou para ser ministro do STF. Aposentou-se voluntariamente da Suprema Corte - Casa que chegou a presidir -, pois lá suas ambições não tinham  espaço para se realizar e aceitou o cargo de Ministro da Defesa do Governo Lula e, desde então, vinha protagonizando uma atuação tragicômica no seu carreirismo. Até há pouco.

O ridículo de um ministro da defesa que vestia fardas, dava declarações demagógicas para agradar um oficialato que não entende que a Guerra Fria foi-se há muito e, ainda, falava pelos cotovelos sobre tudo não apenas não tinha lugar como era profundamente temerário. A criação do ministério da defesa, para quem não sabe, foi a melhor medida de FHC no plano institucional - dentre tantos erros como a emenda da Reeleição e a erosão do ethos social da Constituição -, porque livrou o Brasil dos ministérios militares, reforçando a primazia do poder civil sobre militar, peça essencial para a construção do Estado de Direito. Os militares, apesar de terem contado com a leniência do então mandatário, não hesitaram em fritar os seguidos ministros da defesa - problema que Lula também enfrentou, mesmo que também tenha sido para lá de hesitante com o resgate da memória nacional no que tange o ciclo militar. 

Portanto, todas as vezes que Jobim vestia farda, além de cometer um crime - sim, porque de fato (e de direito) o é -, ele jogava essa conquista fora, acenando para a submissão do poder civil à tutela militar, fato gravíssimo em um país que mal acabou de sair de uma ditadura militar. Nem se fala então de sua atuação contra a abertura dos arquivos da Ditadura, além da sua truculência e seu desrespeito aos familiares dos presos políticos ainda desaparecidos, sua atuação tinha um projeto claro: defender a ditadura que vive no aqui-agora, a herança tirânica que ainda atua no Estado brasileiro e atravanca a Democracia. Isso, sem falar na sua atuação como leva e traz dos americanos, como confirmado por Wikileaks. Jobim era, portanto, uma gambiarra que Lula achou em um momento de crise para evitar tensões com os militares, mas ele, uma vez que percebeu que não conseguiria galgar grandes posições, resolveu implodir o jogo, dando declarações explosivas que visavam causar sua demissão e provocar junto uma crise no Governo Dilma: seja no aniversário de FHC, quando disse a Fernando Rodrigues que votou em Serra ou, para colocar a cereja no bolo, uma entrevista na Piauí na qual atacou seus colegas de ministério.

Embora a reportagem na Piauí não tenha sido ainda publicada, os trechos que vazaram tornaram sua situação insustentável. Mas a manobra de Jobim foi um tiro no pé. Ele saiu como ministro falastrão, incapaz de se portar com responsabilidade e respeito no debate público. A crise que ele tentou criar, na verdade, foi na sua própria carreira - ou no que resta dela. Dilma, por sua vez, agiu rápido ao nomear o ex-chanceler de Lula, Celso Amorim, como ministro da defesa: trata-se do ministro mais bem-sucedido do governo anterior ao lado da própria Dilma, além de ser figura profundamente popular entre a base petista (ainda que não seja um petista de origem) com uma interlocução fortíssima nos bastidores (dentro e fora do Brasil). Seria difícil imaginar um nome melhor neste momento. 

Reconstruir as Forças Armadas, tanto física quanto programaticamente, é o grande desafio estratégico do Brasil; é preciso que elas sejam inseridas no jogo democrático e que esqueçam a polaridade da Guerra Fria para, assim, ajudar na edificação de uma estrutura internacional multilateral e, ao mesmo tempo, defender as nossas riquezas naturais. Superar o período da ditadura - como fizeram as FFAA  da Argentina e do Chile - é um movimento importantíssimo para a reconciliação nacional. Dilma acerta aqui como já acertou na questão do Ministério dos Transportes quando assumiu o risco de enfrentar um partido com um tamanho razoável - o PR - para desatravancar o PAC que estava posto em risco pelo esquema instalado naquele ministério. Depois de ter quase inviabilizado seu governo, o que teria acontecido se cedesse às  chantagens de Jobim quanto ao sigilo eterno dos arquivos da Ditadura, Dilma corrigiu o erro em grande estilo. Seu governo sai maior depois dessa.



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Solyaris e o Contemporâneo

Hari e Dr. Kelvin - Solyaris

O debate político mundial anda bem carregado. Os grandes projetos políticos estão, a rigor, morrendo como moscas - enquanto isso, o meio-ambiente agoniza silenciosamente. As nuvens negras no horizonte ainda parecem pequenas, mas a falta de vento, o mormaço e o silêncio indicam que choverá - e forte - tão logo. A questão é saber se depois do dilúvio ainda haverá algo. Por mais que debatamos a grande narrativa por aqui - isto é, o grande drama histórico em que o Ocidente encalacrou a Vida -, a pedra de toque é mesmo existencial. Nos últimos cem anos, pouquíssimos artistas - e aí incluo também os políticos - conseguiram captar isso tão bem quanto o cineasta soviético Andrey Tarkovsky.

Tarkovsky, com seus dramas psicológicos, passava ao largo de agradar aos burocratas do cinema soviético: seus filmes escapavam à fórmula megalômana e ufanista que dominava até mesmo o melhor do cinema soviético - e isso chega a ser impressionante dado o cenário irrespirável daquele país. O fracasso do projeto soviético, que dão um ar de ridículo à grande parte da sua produção cultural, nada mais foi do que parte do fracasso do projeto teológico do Ocidente, dado que aquele socialismo não deixava de ser uma variante do Mesmo tal como fascismo e liberalismo. O que Tarkovsky viu, munido de sua inegável virtù renascentista, é o dilema psicológico do Homem quando ele se depara com o Paraíso e encontra um vazio grande demais para suportar impunemente, isso o faz escapar a esse ridículo e torna sua produção incrivelmente atual. Um exemplo disso é Solyaris. 

Quando Tarkovsky se depara com a fantástica ficção científica de Stanislaw Lem, ele encontra ali uma ponta solta que lhe permite fazer o que sempre quis: discutir a condição existencial da nossa espécie frente ao desenvolvimento tecnológico, ou a falácia de pós-humanismo - e, também, acidentalmente deflagrou a discussão sobre o virtual, expresso tanto menos em antevisões sobre o futuro da informática e mais na própria fantasia sobre a qual construiu sua obra, aqui, a própria natureza do planeta que nomeia a película. Certamente, os soviéticos se depararam com esses grandes dilemas antes mesmo dos habitantes dos países capitalistas ricos, uma vez que sua construção política girava em torno da mais aguda forma de progressismo que a humanidade já conheceu: dos méritos da NEP até Gagarin (para depois descer ao inferno em Tchernobyl), a União Soviética era rigorosamente calcada em uma marcha expressa e declaradamente incessante para frente.

A impotência da ciência e da tecnologia humana frente ao misterioso Planeta Solyaris - capaz de conhecer qualquer ser humano melhor do que ele mesmo e, assim, tornar real seus desejos mais recalcados - é o mais potente soco no estômago que se poderia ser desferido contra a teologia materialista soviética, mas os burocratas estavam animados demais com aquilo que julgavam ser a resposta soviética à Odisseia no Espaço de Kubrick para entender o que realmente financiaram. O recado é claro, nenhuma tecnologia ou ciência é capaz de produzir o fantasioso negativo-do-homem no qual sempre se constituiu o "Homem Novo" soviético, isto é, a objeção à potência do humano tal como ela é, em prol de uma realidade impossível no qual nossa espécie teria superado a si mesma a qualquer custo. Podemos bombardear Solyaris o quanto quisermos, quem sabe destruí-lo, mas jamais destruiremos aquilo que lhe permite frear a nossa marcha incessante: a própria produção desejante que não é outra coisa senão nossa natureza

O sovietismo só fez pela negatividade - e a (tentativa de ) redução da diferença ao Mesmo da contradição à Hegel, pondo-se em um eterno movimento rumo a um futuro que jamais poderá ser por sua própria condição ontológica (o que não deixa de estar em Marx, embora ele tenha sido traído aí) - o que o Fascismo, de maneira muito pior, fez pela estética, negando a natureza do homem por meio de uma supressão que o remete a um futuro que nada mais é que um passado que nunca existiu - e aquilo que o liberalismo, por sua vez, (tenta) faz(er) pelo atomismo, anestesiando a relação entre as coisas, ficando os pés em um presente oco no qual só é possível querer morrer ou (se) consumir. 

De um jeito ou de outro, o homem está preso a um dilema, a uma camisa-de-força kitsch na qual sua existência plena está posta em xeque, mesmo que, não raro, ele não perceba. É a percepção disso que Solyaris provoca, mesmo no Dr. Kelvin: de repente, ele está diante de sua amada Hari, há muito morta, virtualizada pelo planeta em plena estação orbital para onde ele foi enviado como salvador. Há uma beleza profunda na tensão que existe entre Kelvin e a emoção intensa da lembrança da Hari feita presente pela provocação do planeta - é um sublime amoroso que desfaz o mesmo. A aparição de Hari é o próprio drama da existência, sobretudo, nos termos que ela se estabelece hoje em dia, com as nossas relações cada vez mais virtualizadas: ao mesmo tempo em que o virtual promove uma ampliação da nossa potência, isso tem desdobramento dolorosos, perturbação óbvia como decorrência do aumento de intensidade da nossa interação.

Solyaris em toda solidez de sua beleza é maravilhoso: E Tarkovsky, mais do que Lem, soube como colocar toda a parafernália ficcional científica como alegoria para discutir o que realmente interessava e, assim, fazer uma anti-ficção científica na forma de drama existencial: sai o otimismo - ou o pessimismo - frente ao pós-humanismo - comuns à ficção científica - e entra a afirmação do diferencial humano (o que importa no reconhecimento de nossas próprias limitações); seja em uma estação orbital ou em uma caverna, somos nós que estamos lá, o que nos põe diante do que realmente interessa, como as nossas ambições são vãs e nossas perversões são pequenas. O que Tarkovsky trouxe nos anos 70 é o que está posto de forma clara hoje, isto é, o buraco é muito mais embaixo.