terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Primavera Chilena

A bela líder estudantil Camila Vallejo 
Se o mundo vive tempos particularmente agitados, o Chile, pauta frequente por aqui, deve ser o ponto culminante do continente hoje. Dono de riquezas minerais incalculáveis nos Andes, o país conseguiu construir a partir disso uma sociedade bastante desenvolvida para os padrões sul-americanos sob um marco essencialmente liberal - ao contrário do Brasil moderno, apesar dos governos Collor e FHC tenham tentado subverter o ethos social-democrático da Constituição de 1988 em sua infância. Tornamos a repetir aqui: isso chegou ao seu limite. O liberalismo chileno está posto como política de Estado e nasceu do golpe que instituiu a Ditadura Pinochet - e dentro desse campo, trata-se de um experimento sofisticado; o ponto é que a funcionalidade de uma dada política só pode ser verdadeiramente mensurada na época da crise: e sistemas muito liberais padecem justamente pela falta de medidas de contingências quando as crises vêm, algo perfeitamente normal dentro do Capitalismo (que, em si, é uma crise social e, embora sua racionalidade econômica possa ser duradoura como prática, ela sempre estará exposta a crises cíclicas). O que nos interessa aqui hoje é um ponto específico desse momento: as revoltas estudantis que estão a parar as escolas e universidades do país, angariando franca adesão dos estudantes, professores, reitores e diretores bem como de toda a sociedade civil - para o horror do governo Piñera que vê sua aprovação desabar. Para colocar a cereja no bolo, enquanto as autoridades chilenas tropeçam como amadoras ao enfrentar a situação com dura repressão policial, do outro lado ascende Camila Vallejo Dowling, presidenta da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (FECH), um verdadeiro fenômeno político na forma de uma belíssima estudante de geografia de 23 anos, comunista, inteligentíssima, articulada, apaixonada e apaixonante - o pior dos mundos para a direita chilena. A questão central da problemática educacional chilena é simples: lá, a educação é praticamente toda privada, mercantilizada e bastante cara. Isto é, quem não pode pagar precisa se endividar para poder estudar e, ainda, a transformação da educação em negócio produz um óbvio desvio de finalidade no qual a formação dos estudantes torna-se um mero detalhe em um jogo voltado para o lucro - e, por favor, não confunda "lucro" com "entradas", é evidente que não há almoço grátis, mas a educação depende de um financiamento que sustente sua existência e lhe permita realizar a finalidade de formar cidadãos, o que é bem diferente de usar escolas e universidades como meio de ganhar dinheiro, pois aí, a finalidade torna-se tirar excedentes monetários (usados livremente pelo capitalista, a despeito das demandas estudantis ao mesmo tempo em que mensalidades são fixadas voltadas para esse fim, o que ainda reproduz desigualdades sociais) e não usar um patrimônio para educar crianças e jovens. Esse é um problema não muito estranho aos nossos ouvidos brasileiros, pois o passivo de universidades mercantis legado pelos anos FHC é o grande nó górdio da educação superior do Governo Dilma - o que não se resolve apenas com a retomada de investimentos nas universidades federais - ao mesmo tempo em que, ainda por cima, vivemos às voltas com a desgraça da Escola Pública. Por outro lado, o êxito das mobilizações estudantis chilenas - que envolveram toda a sociedade - são um tapa na cara do movimento estudantil brasileiro, que há muito tempo está preso em práticas herméticas, tornando-se incapaz de dialogar com os próprios corpos estudantis que representam, imagine só com a sociedade. Se o futuro da esquerda chilena é fundamental para o continente, os rumos do movimento estudantil são a pedra de toque do processo. 



10 comentários:

  1. O pessoal fica meio anestesiado com a Copa, mas mesmo assim não deu para ignorar a pauta dos professores e bombeiros. Mas tudo pode acontecer pela conjuntura mundial que estamos vivendo...

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  2. o reverso disso significa que haverá uma revolução sem procedentes se o governo disser: "Copa cancelada! A Fifa é um bando de capitalistas imbecis!" hahahaha

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  3. Ouvi relatos de que no Chile os professores doutores das universidades públicas orientam mestrandos e doutorandos que ganham quatro a cinco vezes mais nas universidades privadas. E o detalhe é que lá até as públicas cobram mensalidade dos alunos. Dá pra entender que protestem tanto.

    Outra questão que fica difícil de dimensionar aqui no Brasil é que no Chile a proporção de jovens de 18 a 24 anos que estão no Ensino Superior é de 55%. Não sei o dado ao certo, mas no Brasil é muuuuuito menos.

    Quanto ao caso das nossas universidades privadas: eu não me apressaria em criticar as políticas de FHC para a questão. A ampliação de vagas nas federais vem esbarrando nos limites da ampliação do gasto público e na dificuldade de cobrar eficiência de setores tão corporativistas (vide os protestos contra o REUNI). E o Brasil precisa ampliar muito seu ensino superior se quiser deixar de ser um produtor de comodities e se tornar um país de classe média, como parece ser o projeto dos governos recentes.

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  4. Aliás, você podia abrir aqui a possibilidade de comentário com nome/url - esse negócio de perfil do blogger é muito pouco amigável.

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  5. André,

    Sim, existem distorções muito fortes nos sistema chileno e Há ainda quem esteja fazendo fortuna em cima disso tudo a despeito de toda a problemática.E esse sistema serviu sim para expandir bastante o acesso ao ensino superior no Chile, mas agora bateu no seu teto, pois o fez sobre bases pantanosas.

    Assim como no caso da Previdência local, privatizada em contas individuais, a sociedade chilena se depara com os problemas do privatismo que é, justamente, os custos desse verdadeiro cobertor curto no longo prazo: incia-se um círculo vicioso de reprodução de desigualdades, ocorre uma estratificação no próprio acesso e, num cenário de incertezas, não há salvaguardas.

    Sobre as políticas mercantis de FHC para o setor universitário, eu não me apresso em criticar, mas também não me demoro: hoje temos um passivo de inúmeras universidades e centros universitários privadas que servem unicamente aos seus proprietários, na medida que não produzem rigorosamente NADA academicamente nem se voltam para esse fim.

    O retorno do investimento na Universidade Federal, por outro lado, reverteu a curva do sucateamento dos anos 90, basta ver os excelentes resultados delas nos últimos anos nas mais diversas áreas - não apenas em qualidade do ensino, mas também no tamanho e qualidade da pesquisa.

    Na minha área, o Direito, tirando os bons resultados da USP, UNESP e UERJ - públicas estaduais -, as federais ocupam todas as outras posições de destaque, sobretudo a UnB que tem seguramente a melhor Faculdade de Direito do pais na atualidade.

    É claro que falta muito ainda para que se equipare a demanda, mas é fato que o modelo de universidade pública é socialmente sustentável e comporta uma expansão segura, diferentemente do modelo mercantil, onde a qualidade acadêmica é um mero detalhe e a própria capacidade de geração de vagas sempre chega a um limite.

    abraços

    P.S.: O que amigo me recomenda para instalar na caixa de comentários? Estava pensando em algumas opções, mas estou indeciso.

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  6. dessa parte técnica do blog, antes existia a opção nome/Url, eu mesmo no começo postava comentaŕios só com nome (tanto que meu nome aparecia em negrito escuro, mas não virava link para conta no google).

    Pensei que você tinha mudado isso de propósito!

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  7. Célio,

    Pensei que o André se referia a usar aqui um modelo de caixa de comentários mais usual - como as do Wordpress. Mas, de fato, mexi nisso daí - agora, está como antes. Sobre outro modelo de formulário, eu ainda não coloquei porque penso num jeito legal e que não perca os antigos comentários. Ainda estou indeciso.

    abraço

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  8. o bom é que a moça deve saber bem, com Lacoste (o Yves, não o do jacarézinho na inimitável polo shirt): "Geografia - isto serve primeiro para fazer guerra (inclusive quando se ignora isso)".

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  9. Obrigado,

    me sinto bem melhor comentando com nome/URL.

    Sistema diferente de comentários eu acho que não funciona no blogger não. Teria que mudar para wordpress.

    Eu diria que tem privada com péssima qualidade, assim como tinha Federais que eram um escândalo. As Federais melhoraram muito. As privadas também poderiam, se a fiscalização fosse feita com seriedade (e se os sindicatos de professores começarem a funcionar).

    Porque a expansão das Federais não será capaz de ofertar a quantidade necessária de vagas. Os estados terão que aumentar investimento nisso também, apesar de Paraná e São Paulo já fazerem isso além da conta.

    Mas definitivamente, no Brasil o ensino superior anda melhor que em muitos lugares, não é só o Chile que está vivendo dilemas desse tipo não.

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  10. O problema, André, é de fundamento e estruturação dessas universidades privadas - o que está dentro de um projeto politico-econômico, aliás. Não é o fato de ter natureza jurídica privada que tornará uma universidade mercantil - aí sim, uma distorção -, mas é fato também que se, em regra, o sistema universitário de um país é privado, ele tende a mercantilização.

    No caso brasileiro, temos um passivo de não-universidades muito grande. Isso é um problema que vai para além de fiscalização. Existem grandes conglomerados educacionais cujo projeto não converge, de modo algum, com produção de conhecimento. É negócio. Aquilo existe para gerar renda e manter a vida boa dos seus proprietários - e o resto é mera coincidência.

    Dessa maneira, pela experiência histórica recente do Brasil e o caso chileno, eu só acredito que o investimento na universidade pública pode representar um crescimento sustentável da educação superior nacional. E as privadas que existem, em muitos casos, precisam ser mesmo encampadas.

    abraços

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