quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

2011

Fuga -- Kandinsky
foi um ano esquisito, ou pelo menos me deixou com a mesma sensação esquisita que eu senti quando vi Terra em Transe, do mestre Gláuber, pela primeira vez - tardiamente, só no final do ano passado. O ano começou com a multidão nas ruas, nas praças e se espalhando, fazendo os idiotas da objetividade - de lado a lado - verem seus dogmas, certezas e caminhos únicos se desfazerem. Foi o ano da Primavera Árabe, dos movimentos occupy, da crise na União Europeia, da continuação da derrocada americana, dos vinte anos sem URSS acontecendo sob o abalo do império putinista, o primeiro ano do pós-Lula (e sua posterior doença) etc. 


Um transe varreu a terra em onda e a virou de ponta cabeça. O centro do mundo virou às avessas de modo a não haver mais novo centro - ou mesmo centro algum. Mas há algo de amargo nisso tudo, que só pode ser superado com algum bom humor - e aqui mora algo importante: a auto-ironia, a capacidade de rir de si mesmo antes de mais nada, é ponto central para se construir uma crítica e uma ética nestes tempos. Sem isso, faz-se um sátira na qual você mesmo acaba sendo protagonista involuntário de uma ópera bufa. Não resta dúvida, essa é a grande lição que eu aprendi neste ano em encerramento, em cima de todo seu legado ambíguo que será, possivelmente, a tendência da década recém-inciada - sim, nisso eu concordo com o Safatle.


Não, eu não gosto do modo como está posto o debate político no Brasil atual. De canto a canto. Tivemos nossas piores eleições presidenciais em 2010 e temos, hoje, o pior debate da nossa história recente. Existe, sem dúvida, uma efeito respiração suspensa como eu já falei por aqui. Isso vai para além do estilo gerencial de Dilma, mas do fato que a esquerda ainda não se tocou que o problema é mais do que isso, mesmo essa coisa do controle político da gestão estatal - que o peronismo pôs em prática antes do PT - é uma falácia. Ainda estamos discutindo como consertar a democracia representativa - e ainda não nos tocamos do lado B do welfare. Mas isso, eu deixo para um balanço do governo Dilma, para o imediato começo de 2012.


A blogosfera, no lugar de inovar, acabou ecoando (de forma histérica, ainda) essa crise e vai mal. Também não sei se eu consegui fazer daqui exatamente o que eu queria, construir um jeito melhor de dialogar, uma formulação de blog mais efetiva - até fiquei satisfeito, em Janeiro, depois, não sei. Ainda assim, os posts que eu mais gostei de escrever foram os que tiveram o melhor retorno, o que indica um caminho. Ainda assim, preciso pensar em algo novo para 2012, de alguma forma. Seja com for, fica um forte e sincero agradecimento aos que vieram aqui trocar ideia, fazer intercâmbios, polemizar e quetais. Vocês não têm ideia do quanto isso é gratificante. Tenhamos todos um grande 2012!


   

3 comentários:

  1. Mestre Hugo,

    Boas festas e entradas a você e aos leitores do Descurvo. Concordo que a blogosfera precisa se renovar. Como disse Zizek numa entrevista recente, o campo está aberto. Esgotamentos aqui e ali, ausência de perspectiva, desarticulação, paulatina colonização das redes numa new-new economy. É preciso mesmo articular-se melhor na fabricação de subjetividades, conceitos, máquinas infernais, para fazer frente ao brasileiro que emana da grande imprensa e do canteiro de obras do Brasil Maior. Eu vejo com alguma autoironia que as redes 2.0 estão propiciando o soviete pós-moderno, contanto que saibamos ousar e reorganizar. Porque eles estão se reorganizando. Talvez o deus ex machina da crise seja mesmo "governing the commons", essa tese-líder da Nobel da Economia de 2009. A exploração financeirizada do comum como nova etapa do capitalismo global, a solução da Europa e do mundo. Isso não significa renunciar aos comuns ou reeditar o capitalismo 1.0. Como pretenderiam os esquerdistas que já eram anti-Lula e agora surfam no exaurimento subjetivo do governo Dilma --- cada vez mais reduzido a uma maquinaria objetivante e quantificadora do desenvolvimento. No ME ouvia muito aquela piada, com fundo de verdade, que o trotskista é o estalinista fora do poder. Quem sabe o esquerdista hoje também seja o dilmista fora do poder, que no fundo quer tomar o poder para fazer a mesma coisa, desenvolvimentismo de soberania nacional, talvez com pitadas maiores de humanismo e sustentabilidade, porém em essência o mesmo. Em vez disso, de renunciar aos comuns, seja caso de assumir o comum como o espaço preferencial das disputas políticas em todos os âmbitos. O que enseja assumir as lutas e programas sob a perspectiva do comum. Menos para um capitalismo 2.0 (esse é inimigo a conjurar), um comunismo 2.0, o dito soviete pós-moderno, cuja forma colaborativa e não-formatada da blogosfera índia oferece um bom exemplo.

    Abraços deste leitor!

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  2. Brunão: sim, convirjo bastante com sua leitura conjuntural. Há problemas óbvios com o governo Dilma - que você abordou muito bem na seu balanço de um ano de governo, e eu pretendo fazer mais algumas considerações aqui, tão logo -, mas a crítica que é feita em cima disso não é tão melhor, ou está dentro de uma esfera de disputa meramente partidária e eleitoral ou escorrega - algo como o Samir Amin dos anos 70, cujas teses anti-imperialistas nos levariam mais para perto da Coreia do Norte e, por tabela, mais para longe da Internet. Nada disso me interessa, é claro. E parabéns novamente pelo QdL, certamente um dos (poucos) blogs que escaparam a isso tudo ao longo do ano. Valeu pelo companheirismo ao longo do ano, a troca de ideias permanente e a inspiração.

    abração!

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  3. De fato, Hugo, tomando o antiimperialismo do Samir Amin, deveríamos estar ao lado organicamente não só da Coréia do Norte, mas também de Putin, Alcaida, Talibã, do partido Baath da Síria e de Bashar al-Assad, além do Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Acho as análises dele com 60 anos de validade, em relação à organização das lutas, na dicotomia ingênua imperialistas de dentro x bárbaros de fora. Interessante como, no Brasil, esse antiimperialismo reverte num nacionalismo vermelho, rebelesca, que invariavelmente culmina numa aliança soberana entre burguesia nacional e burocratas de esquerda. Só ver a questão do código florestal.

    Aqui, último artigo traduzido dele: http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/12/farsa-democratica-e-o-desafio-de.html

    Abraços.

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