quarta-feira, 27 de junho de 2012

Paraguai e o Estado de Exceção

Há poucos dias, o Presidente do Paraguai, Fernando Lugo, foi impeachmado de uma forma pouco usual: acusado pelo parlamento por meio deste Libelo, ele foi removido do cargo em algumas horas, sem direito à defesa ou maiores cerimônias. Contra si, foram feitas acusações vagas de improbidade administrativa - cujas provas seriam de "pública notoriedade" para usar os termos do Libelo - e, até mesmo, de ter atentado contra a soberania do país por conta da assinatura do Protocolo de Ushuaia II - que visa à instituição de um Conselho do Mercosul para dar efetividade à cláusula democrática do bloco, constante no Protocolo de Ushuaia I (1992).

Seu recurso junto à Suprema Corte do país foi negado prontamente. A votação do parlamento  foi velocíssima - e nem podemos dizer que uma questão fundamental central como essa foi decidida em rito sumário, uma vez que Lugo não teve, simplesmente, acesso à defesa. O fato da assinatura do Protocolo de Ushuaia II ter feito parte da acusação, por si só, denuncia a intenção dos parlamentares: trata-se de um movimento claro de reação ao processo de integração do continente, intensificado nos últimos anos pela agenda social e democrática das forças que chegaram ao poder em toda a América do Sul - no Paraguai, inclusive. 

Nada mais falso do que afirmar que isso é um assunto interno do Paraguai. Não é, simplesmente. Os países do Mercosul, assim como Chile e Bolívia, estão submetidos a uma cláusula democrática, que é uma forma de controle externa necessária para proteger cada um dos membros da sanha golpista, comum a todos eles - e que jamais se manifestou de forma isolada, consistindo sempre em um efeito dominó. A democracia na América do Sul, é assunto continental, pois nacionalmente é impossível defendê-la, haja vista que as ameaças contra ela, jamais foram isoladamente nacionais.

Essa cláusula surgiu formalmente com o movimento integrador que foi imediatamente posterior à redemocratização do continente - sobretudo com a aliança Sarney-Alfonsín - e ganhou substância com a ascensão eleitoral de forças de esquerda e centro-esquerda, anti-neoliberais, na América do Sul do século 21º - o que resultou em Ushuaia II. Uma vez que todos dependem da integração comercial e política, qualquer um que viole essa cláusula pode ser sancionado.

Aliás, Lugo é vítima desse processo por suas virtudes e não por seus defeitos: é ele o homem que rompeu com décadas de governo do Partido Colorado, a expressão máxima do parasitismo oligárquico do país, e agora ensejava fazer a reforma agrária no país, cuja situação no campo consegue ser pior do que nos demais países da América do Sul - somado ao fato de que o Paraguai é um Estado praticamente do século 19º, como se vê pela própria arrecadação estatal, que sequer chega a 15% do PIB.

Por mais sutil que pareça o movimento, com sua aura de legitimidade digna de um pastiche, é óbvio que um chefe de Estado não está submetido a um juízo de conveniência do Parlamento em parte alguma. Contra ele, se submete um processo atípico, que é o Impeachment, cuja competência para julgar embora caiba ao Parlamento, deve seguir o rito de um processo judicial ordinário - e constitui-se o Impeachment contemporâneo em um processo híbrido, judicial e político, cujo exercício sempre força o Direito ao seu limiar. Enfim, é sobre um golpe de Estado que estamos falando.

O problema não está simplesmente em uma violação da Lei, mas sim no problema definitivo do Direito, que é a decisão final. A tradição moderna institui, para neutralizar leis e decisões (administrativas e judiciais) incorretas, o controle de constitucionalidade, ainda assim, caberá a alguém decidir o que é constitucional ou não - e, como bem sabemos, um juízo formal pode aceitar rigorosamente tudo, até o pior dos absurdos. A questão central não se trata daquilo que deve ou não ser ratificado pela Autoridade Suprema, mas sim aquilo que ela pode ratificar como constitucional  - não se trata, por óbvio, de um problema de cumprimento ou não da Lei (ou das leis democráticas ou anti-democráticas) como ingenuamente propôs o filósofo uspiano Vladimir Safatle em recente artigo.

Como neutralizar uma decisão inconstitucional chancelada que, na prática, institui, sem sangue ou barulho, um golpe de Estado? A conjuntura sul-americana atual, como descrito, permite que haja um controle superior, por parte dos demais Estados signatários de Ushuaia II, mas só a atuação real dos governos do continente, quase todos apoiados pelos movimentos sociais de seus países,  é que  pode alterar essa situação - tal como a atuação da multidão nas ruas paraguaias e sul-americanas. E não basta apenas garantir a reversão do golpe, é preciso empenho interno e externo pela democratização do Paraguai, o que demanda, por exemplo, o Desbloqueio das Listas eleitorais - algo equivalente às Diretas Já no Brasil.

P.S.: Agradecimentos à minha amiga e militante Giuliana Bonilla pela ajuda inestimável na produção deste post - e, também, pelo envio deste vídeo.

P.S. II.: A postura dos governos de Venezuela e Argentina no episódio é lapidar, mas o governo brasileiro segue titubeante. 


P.S. (d.b.): O Apoio do PSDB ao golpe de Estado paraguaio só demonstra que pior do que está, fica. 




quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sucessão Paulistana: o Impossível não Existe

As movimentações e as reviravoltas da campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, a principal disputa municipal deste ano - tanto menos pelo tamanho e importância da Pauliceia e tanto mais pela nacionalização da corrida - tornaram o post anterior desatualizado rapidamente. Para uma campanha quase paralisada até a semana passada, é algo digno de nota - e que me atropelou em uma semana incrivelmente corrida. Pois bem, vamos aos pontos.

O primeiro, e certamente mais bombástico, é a aliança entre PP e PT, em prol da candidatura Haddad, marcado pelo encontro entre Lula e Maluf na própria residência do último. Certamente, isso entra para a História como algo equivalente à união entre Prestes - o maior líder comunista brasileiro da primeira metade do século 20º - e Vargas - o reformador positivista do Estado Brasileiro em cuja ditadura a companheira de Prestes, Olga Benário, foi deportada grávida para uma campo de concentração nazista. E digo isso seja pelo caráter tão inusitado quanto ofensivo do evento ou pelo seu tamanho.

Se Lula é o grande ícone da esquerda do pós-ditadura, líder do governo mais bem aprovado da história brasileira, Maluf foi o último grande nome da direita brasileira, até ser atropelado pela maré de eventos dos anos 90, que não só o arrasou pessoalmente, quanto fez com os setores mais conservadores passassem a optar por estratégias mais indiretas - mas não menos funcionais - de tentar conquistar o poder. Trata-se, portanto, de um outro fato incrível, e negativamente, chocante e histórico - principalmente se considerarmos que a discrepância aqui é maior do que entre Prestes e Vargas, porque Lula é maior do que o primeiro e Maluf é muito menor do que o segundo.

Seja como for, o PT e Lula erraram. Não por qualquer questão moralista - e se você partilha de uma perspectiva moralista de política, pare de ler este post agora, por favor - , mas sim porque  o PP é um partido eleitoralmente inútil, o tempo de Televisão conquistado não vale o custo da vinculação da imagem a Maluf, e politicamente trata-se de uma aliança estúpida - não porque o PP represente programaticamente qualquer perigo, mas sim porque trata-se de um partido que não acrescenta absolutamente nada de positivo. 

Pior ainda, com isso o PT perdeu Luiza Erundina (PSB), sua vice recém-escolhida que desistiu de participar da chapa por conta da aliança com o PPA rigor, Haddad não perde nada nas periferias e talvez com isso atraía um eleitorado que hoje ratifique o nome de Celso Russomano (PRB) - o grande azarão dessas eleições, que entrou para negociar um carguinho de vice na chapa de Chalita, mas está há tempos na segunda colocação e crescendo de popularidade -, mas se a estratégia petista era disputar as camadas médias, foi cometido um engano aí. 

Ironicamente ou não, a aliança entre PP e PSDB só não saiu porque o governador paulista Geraldo Alckmin, que também tem Maluf na sua base de apoio local, não se empenhou em fechar o apoio daquele partido à candidatura Serra - que ficou furioso em tê-lo perdido (?). Mas esse sequer é maior problema de Serra, supondo que seja um problema, já que sua candidatura vive às voltas com duas belas crises: sua intenção de voto parece ter se estagnado e existe uma crise na sua base de apoio, que exige repetir a coligação que valerá para o Executivo na disputa da Câmara, o que tiraria cadeiras propriamente do PSDB graças ao sistema eleitoral que temos.

Gabriel Chalita, do PMDB,  não está em melhor situação. Ele segue estagnado nas pesquisas, muito longe de conseguir emplacar seu nome como a terceira via ao serrismo e ao petismo. Para uma candidatura que surgiu com tanto alarde, até agora pouco se fez. Nomes como Russomano ou Soninha, que sequer pensam em ganhar essa disputa, seguem à frente de Chalita, o que dá a tônica do problema.

É claro que é tudo questão de analisar as próximas pesquisas de opinião. A última do Datafolha, por exemplo, aponta para um crescimento expressivo da candidatura Haddad, o que o coloca na terceira colocação. Determina essa estagnação de Chalita e Serra - que segue sendo o primeiro colocado tanto em intenção de votos quanto em rejeição, o que é curioso. Em resumo, as três grandes candidaturas patinam feio, mas só Haddad teve algum motivo para comemorar os dados. Mas não se sabe o que virá.

Se antes fugíamos do paradigma da opinião  para analisar o processo eleitoral, certamente não cometeremos esse erro. É de doxa, isto é, da opinião, da glória ou da aclamação, que se trata um processo eleitoral, tanto quanto qualquer tirania. É esse jogo de imagens e de alegrias imaginárias em decorrência de certos consensos, e da própria ambição, que se trata o jogo político. A questão que está em pauta, para uma perspectiva libertária, é menos quem vence as eleições e mais como isso faz diferença nas nossas vidas e de como isso incidirá sobre o exercício do controle. Uma esquerda nômade precisa adotar uma estratégia transversal, como a direita já aprendeu a usar há tempos, para enfrentar os problemas da Metrópole.

P.S.: Vale sublinhar que se tanto se fala na conversão da política brasileira em Fla x Flu, tese que sempre refutamos, o mais correto seria falar na sua telenovelização. 


P.S.B.: E a metrópole assiste tudo, ansiosa, em crise.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Sucessão Paulistana: Erundina vice de Haddad

As negociações entre PT e PSB para as eleições paulistanas parecem ter confluído para algo bom: Luiza Erundina possivelmente será a candidata a vice na chapa de Fernando Haddad para a Prefeitura. Erundina é uma figura importantíssima na história política paulistana, pois foi a gestão, para além de todos os problemas que enfrentou, a deixar o legado político mais relevante - antes de mais nada, porque no governo, Erundina não foi governista, ela se desfez do pedestal estatista e procurou, junto à associações de moradores e movimentos sociais, fazer a boa política, focando na questão da moradia (sem dúvida, a questão central da política local) e no diálogo franco com a sociedade.

São Paulo é uma cidade politicamente complexa e profundamente problemática. Todas as gestões, exceto a de Paulo Maluf (1993-96), terminaram com um desgaste altíssimo - e Maluf, mesmo tendo feito sucessor, o falecido Celso Pitta (1997-2000), sofreu um pesado desgaste posterior, seja pela revelação de escândalos seus quando na Prefeitura ou pelos efeitos do desastre da gestão Pitta. Tanto é verdade, que Maluf, depois de ter refeito sua carreira política com certo êxito no pós-ditadura, não só jamais conseguiu vencer uma eleição majoritária novamente, como também viu seu tamanho político severamente diminuído: mesmo eleito com boas votações para a Câmara dos Deputados, sua influência é pequena e sua figura é condenada a uma representação quase tragicômica, mesmo entre os meios conservadores que lhe sustentavam.

Erundina, por motivos outros e na outra ponta do espectro político, não deixaria também de sofrer um processo de fritura, mas ao contrário de Jânio, do já referido Maluf, de Marta ou Kassab, ela deixou linhas gerais de como fazer política na capital, que persistem até hoje. Não só, Erundina saiu pessoalmente incólume dos escândalos e absurdos mil comuns à política local. Hoje, ela persiste sendo reeleita como deputada federal - não mais pelo PT, onde sempre teve problemas com a direção, mas sim pelo PSB - e exerce um mandato bem avaliado, sustentada por um eleitorado cativo, focando sobretudo em questões como a comunicação social e apresentando bom trânsito na política nacional.

Trata-se, sem dúvida, de um bom norte para a candidatura do jovem Fernando Haddad. A reaproximação de Erundina com o PT não deixa de ser um bom sinal, uma vez que o partido da estrela, sem dúvida a mais relevante legenda de esquerda do país e da capital, anda em círculos desde o fim da gestão Marta, que embora tenha implementado boas políticas públicas, fragmentou o partido e o deixou em um permanente tensão interna nos últimos anos. Também faz bem para o PSB de Erundina, pois fortalece a ala não-fisiológica e com a alguma disposição social do partido, minoritária em relação a uma direção estadual alinhada com o governo Alckmin.

Haddad precisa disso em uma campanha na qual, ainda que venha garimpando um espaço razoável na mídia, é desconhecido pelo eleitorado e precisa não só de um impulso eleitoral como, também, de uma ancoragem política que lhe dê mais densidade no nível municipal. Ainda que José Serra seja um líder de pesquisas anômalo, por ser também o candidato com a mais alta rejeição - tanto por questões pessoais como por ser o sucessor de uma gestão fracassada como a de Kassab -, é fato que ele é o candidato a ser batido pelo franco apoio do establishment local. Em termos propriamente políticos, a presença de Erundina na chapa, a norteia na posição em que ela precisa estar para ter razão de ser. Seja como for, trata-se de uma boa notícia.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Manifesto UniNômade + 10 >>> Tatu or not Tatu


Fazendo rizoma. Segue o Manifesto UniNômade + 10, texto coletivo da rede UniNômadeantropofagia, imanência e iconoclastia na Terra do Sol - às portas do Rio + 20 e à luz do horizonte de (mega)eventos atual - em uma das melhores peças sobre o nosso momento.
A palavra revolução voltou a circular. Nas ruas, nas praças, na internet, e até mesmo nas páginas de jornal, que a olha com olhos temerosos. Mas, principalmente, em nossos espíritos e corpos. Da mesma maneira, a palavra capitalismo saiu de sua invisibilidade: já não nos domina como dominava. Assistimos ao final de um ciclo – o ciclo neoliberal implementado a partir dos anos 80, mas cujo ápice se deu com a queda do muro de Berlim e o consenso global em torno da expansão planetária do mercado. Muitos dentre nós (principalmente os jovens) experimentam seu primeiro deslocamento massivo das placas tectônicas da história.
Mas nossa era não é apenas crepuscular. Ao fim de um ciclo abrem-se amplas oportunidades, e cabe a nós transformar a crise da representação e do capitalismo cognitivo em novas formas de democracia absoluta. Para além das esferas formais, dos Estados e nacionalidades. Para além do capitalismo financeiro e flexível. Lá onde brilha nossa singularidade comum: a mulher, o negro, o índio, o amarelo, o pobre, o explorado, o precário, o haitiano, o boliviano, o imigrante, o favelado, o trabalhador intelectual e manual. Não se trata de um recitar de excluídos, mas de uma nova inclusão híbrida. A terra, enfim, nossa. Nós que somos produzidos por esta chuva, esta precipitação de encontros de singularidades em que nos fazemos divinos nesta terra.
É pelo que clama a multidão na Grécia, na Espanha e os occupy espalhados pelos Estados Unidos; é pelo que clamam as radicalidades presentes na primavera árabe, esta multidão situada para além da racionalidade ocidental. É o mesmo arco que une a primavera árabe, as lutas dos estudantes no Chile e as lutas pela radicalização da democracia no Brasil. Nossas diferenças é o que nos torna fortes.
A luta pela mestiçagem racial, simbólica, cultural e financeira passa pela materialidade do cotidiano, pela afirmação de uma longa marcha que junte nossa potência de êxodo e nossa potência constituinte. Acontecimento é o nome que nos anima para o êxodo perpétuo das formas de exploração. Êxodo para dentro da terra. Fidelidade à terra. Tatu or not tatu.
É preciso ouvir em nós aquele desejo que vai para além da vida e da sua conservação: para além do grande terror de uma vida de merda que nos impõe o estado de precariedade e desfiliação extrema. É preciso re-insuflar o grito que nos foi roubado à noite, resistir aos clichês que somos, e que querem fazer de nós: para além de nossas linhas de subjetivação suspensas entre o luxo excedente do 1% ou do lixo supérfluo dos 99%.
É preciso não precisar de mais nada, a não ser nossa coragem, nosso intelecto e nossos corpos, que hoje se espraiam nas redes de conhecimentos comuns apontando para nossa autonomia. Somos maiores do que pensamos e desejamos tudo.  Não estamos sozinhos! É preciso resistir na alegria, algo que o poder dominador da melancolia é incapaz de roubar. Quando o sujeito deixa de ser um mero consumidor-passivo para produzir ecologias. Um corpo de vozes fala através de nós porque a crise não é apenas do capital, mas sim do viver. Uma profunda crise antropológica. Manifesta-se no esvaziamento de corpos constrangidos, envergonhados, refletidos na tela da TV, sem se expandir para ganhar as ruas. Nossos corpos paralisam, sentem medo, paranóia: o outro vira o grande inimigo. Não criam novos modos de vida. Permanecem em um estado de vidaMenosvida: trabalho, casa, trem, ônibus, trabalho, casa. A vida individual é uma abstração. Uma vida sem compartilhamento afetivo, onde a geração do comum se torna impossível. É preciso criar desvios para uma vidaMaisvida: sobrevida, supervida, overvida. Pausa para sentir parte do acontecimento, que é a vida.  Somos singularidades cooperativas. Pertencemos a uma esfera que nos atravessa e nos constrói a todo o momento.
O capitalismo cognitivo e financeiro instaura um perpétuo estado de exceção que busca continuamente reintegrar e modular a normalidade e a diferença: lei e desordem coincidem dentro de uma mesma conservação das desigualdades que produz e reproduz as identidades do poder: o “Precário” sem direitos, o Imigrante “ilegal”, o “Velho” abandonado, o “Operário” obediente, a “Mulher” subjugada, a “Esposa” dócil, o “Negro” criminalizado e, enfim, o “Depressivo” a ser medicalizado. As vidas dos pobres e dos excluídos passam a ser mobilizadas enquanto tais. Ao mesmo tempo em que precisam gerar valor econômico, mantêm-se politicamente impotentes.
O pobre e o louco. O pobre – figura agora híbrida e modulada de inclusão e exclusão da cadeia do capital -  persiste no cru da vida, até usando seu  próprio corpo como moeda. E o louco, essa figura que vive fora da história, “escolhe” a exclusão. Esse sujeito que se recusa a produzir, vive sem lugar. Onde a questão de exclusão e inclusão é diluída no delírio. Ninguém delira sozinho, delira-se o mundo. Esses dois personagens vivem e sobrevivem à margem, mas a margem transbordou e virou centro. O capital passa a procurar valor na subjetividade e nas formas de vida das margens e a potência dos sem-dar-lucro passa a compor o sintoma do capital: a crise da lei do valor, o capitalismo cognitivo como crise do capitalismo.
A crise dos contratos subprimes em 2007, alastrando-se para a crise da dívida soberana europeia, já não deixa dúvidas: a forma atual de governabilidade é a crise perpétua, repassada como sacrifício para os elos fragilizados do arco social. Austeridade, cortes, desmonte do welfare, xenofobia, racismo. Por detrás dos ternos cinza dos tecnocratas pós-ideológicos ressurgem as velhas bandeiras do biopoder: o dinheiro volta a ter rosto, cor, e não lhe faltam ideias sobre como governar: “que o Mercado seja louvado”, “In God we trust”. O discurso neutro da racionalidade econômica é obrigado a mostrar-se em praça pública, convocando o mundo a dobrar-se ao novo consenso, sem mais respeitar sequer a formalidade da democracia parlamentar. Eis o homo œconomicus: sacrifício, nação, trabalho, capital! É contra este estado de sítio que as redes e a ruas se insurgem. Nas mobilizações auto-convocadas em redes, nas praças das acampadas, a exceção aparece como criatividade do comum, o comum das singularidades que cooperam entre si.
No Brasil são muitos os que ainda se sentem protegidos diante da crise global. O consenso (neo) desenvolvimentista produzido em torno do crescimento econômico e da construção de uma nova classe média consumidora cria barreiras artificiais que distorcem nossa visão da topologia da crise: a crise do capitalismo mundial é, imediatamente, crise do capitalismo brasileiro. Não nos interessa que o Brasil ensine ao mundo, junto à China, uma nova velha forma de capitalismo autoritário baseado no acordo entre Estados e grandes corporações!
O governo Lula, a partir das cotas, do Prouni, da política cultural (cultura viva, pontos de cultura) e da distribuição de renda (programas sociais, bolsa família, valorização do salário mínimo) pôde apontar, em sua polivalência característica, para algo que muitos no mundo, hoje, reivindicam: uma nova esquerda, para além dos partidos e Estados (sem excluí-los). Uma esquerda que se inflame dos movimentos constituintes que nascem do solo das lutas, e reverta o Estado e o mercado em nomes  do comum. Uma esquerda que só pode acontecer “nessa de todos nós latino-amarga américa”. Mais do que simples medidas governamentais, nestas políticas intersticiais, algo de um acontecimento histórico teve um mínimo de vazão: aqueles que viveram e morreram por transformações, os espectros das revoluções passadas e futuras, convergiram na construção incipiente de nossa emancipação educacional, racial, cultural e econômica. Uma nova memória e um novo futuro constituíram-se num presente que resistira ao assassinato simbólico da história perpetrado pelo neoliberalismo. A popularidade dos governos Lula tinha como lastro esses interstícios onde a política se tornava uma poética. Já hoje, nas taxas de aprovação do governo Dilma, podemos facilmente reconhecer também as cores deslavadas de um consenso prosaico. O “país rico” agora pacifica-se no mantra desenvolvimentista, retrocedendo em muitas das políticas que tinham vazado. Voltam as velhas injunções progressistas: crescimento econômico para redistribuir! Estado forte! As nuvens ideológicas trazem as águas carregadas do gerencialismo e do funcionalismo tecnocrático: menos política, mais eficiência! Desta maneira, removem-se e expropriam-se os pobres: seja em nome de um Brasil Maior e se seu interesse “público” (Belo Monte, Jirau, Vila Autódromo), seja em nome de um Mercado cada vez Maior e de seu interesse “privado” (Pinheirinho, TKCSA, Porto do Açu). Juntando-se entusiasticamente às equações do mercado, os tratores do progresso varrem a sujeira na construção de um novo “País Rico (e) sem pobreza”. Os pobres e as florestas, as formas de vida que resistem e persistem, se tornam sujeira. A catástrofe ambiental (das florestas e das metrópoles) e cultural (dos índios e dos pobres) é assim pacificada sob o nome do progresso. Dominação do homem e da natureza conjugam-se num pacto fáustico presidido por nenhum Mefistófeles, por nenhuma crise de consciência: já somos o país do futuro!
Na política de crescer exponencialmente, só se pensa em eletricidade e esqueceu-se a democracia (os Soviets : Conselhos). Assim, governa-se segundo a férrea lógica – única e autoritária – da racionalidade capitalista. Ataca-se enfim a renda vergonhosa dos “banquiplenos”, mas a baixa dos juros vai para engordar os produtores de carros, essas máquinas sagradas de produção de individualismo, em nome da moral do trabalho. Dessa maneira, progredir significa, na realidade, regredir: regressão política como acontece na gestão autoritária das revoltas dos operários das barragens; regressão econômica e biológica, como acontece com uma expansão das fronteiras agrícolas que serra a duração das relações entre cultura e natureza; regressão da vida urbana, com a remoção de milhares de pobres para abrir o caminho dos megaeventos; regressão da política da cultura viva, em favorecimento das velhas oligarquias e das novas indústrias culturais. O progresso que nos interessa não contém nenhuma hierarquia de valor, ele é concreta transformação qualitativa, “culturmorfologia”.
Este é o imaginário moderno em que a dicotomia prevalece: corpo e alma, natureza e cultura, nós e os outros; cada macaco no seu galho! Estes conceitos resultam em uma visão do mundo que distancia o homem da ecologia e de si mesmo. O que está em questão é a maneira de viver no planeta daqui em diante. É preciso encontrar caminhos para reconciliar estes mundos. Perceber outras configurações relacionais mais móveis, ativar sensibilidades. Fazer dessa revolução um grande caldeirão de desejos que crie formas de cooperação e modos de intercâmbio, recombine e componha novas práticas e perspectivas: mundos. Uma mestiçagem generalizada: nossa cultura é nossa economia e nosso ambiente é nossa cultura: três ecologias!
As lutas da primavera Árabe, do 15M Espanhol, do Occupy Wall Street e do #ocupabrasil gritam por transformação, aonde a base comum que somos nos lança para além do estado de exceção econômico: uma dívida infinita que busca manipular nossos corações e manter-nos acorrentados aos medos. Uma dívida infinita que instaura a perpétua transferência de renda dos 99% dos devedores ao 1% dos credores. Não deixemos que tomem por nós a decisão sobre o que queremos!
A rede Universidade Nômade se formou há mais de dez anos, entre as mobilizações de Seattle e Gênova, os Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre e a insurreição Argentina de 2001 contra o neoliberalismo. Foram dois momentos constituintes: o manifesto inicial que chamava pela nomadização das relações de poder/saber, com base nas lutas dos pré-vestibulares comunitários para negros e pobres (em prol da política de cotas raciais e da democratização do acesso ao ensino superior); e o manifesto de 2005 pela radicalização democrática. Hoje, a Universidade Nômade acontece novamente: seu Kairòs (o aqui e agora) é aquele do capitalismo global como crise. Na época da mobilização de toda a vida dentro da acumulação capitalista, o capitalismo se apresenta como crise e a crise como expropriação do comum, destruição do comum da terra. Governa-se a vida: a catástrofe financeira e ambiental é o fato de um controle que precisa separar a vida de si mesma e opõe a barragem aos índios e ribeirinhos de Belo Monte,  as obras aos operários, os megaeventos aos favelados e aos pobres em geral, a dívida aos direitos, a cultura à natureza. Não há nenhum determinismo, nenhuma crise terminal. O capital não tem limites, a não ser aqueles que as lutas sabem e podem construir. A rede Universidade Nômade é um espaço de pesquisa e militância, para pensar as brechas e os interstícios onde se articulam as lutas que determinam esses limites do capital e se abrem ao possível: pelo reconhecimento das dimensões produtivas da vida através da renda universal, pela radicalização democrática através da produção de novas instituições do comum, para além da dialética entre público e privado, pelo ressurgimento da natureza como produção da diferença, como luta e biopolítica de fabricação de corpos pós-econômicos. Corpos atravessados pela antropofagia dos modernistas, pelas cosmologias ameríndias, pelos êxodos quilombolas, pelas lutas dos sem teto, sem terra, precários, índios, negros, mulheres e hackers: por aqueles que esboçam outras formas de viver, mais potentes, mais vivas.

domingo, 10 de junho de 2012

Olhar de Machuca


Homenagem singela de Isabella Eid a Machuca de Andrés Wood...

Olhar de Machuca

Pedalar de dez mil meninos
Os que pintaram o muro de beleza
Entrelaçaram a sensibilidade entre braços finos
Presenteando sua nebulosidade com clareza

Sentiu suas sardinhas esturricarem ao sol,
Acalanto do berreiro encrustado no coração
Como é bom sentir a roda a esmagar o girassol
Berrante, apagando o colorido do chão

Brotou-se uma rosa
Frágil? Tão forte...
Eterna? Em prosa...
Ignorante: “Que falta de sorte!’’

sábado, 9 de junho de 2012

Violeta Foi para o Céu: o Sublime do Comum

Violeta Foi para o Céu, filme do jovem cineasta chileno Andrés Wood sobre a vida de sua compatriota, a cantora - e também pintora e folclorista - Violeta Parra, é um dos melhores filmes latino-americanos dos últimos anos. Wood, que já nos presenteou com o excepcional Machuca há alguns anos, mostra em Violeta sua boa forma artística, afirmando uma linguagem própria que gira em torno da memória afetiva e de um sublime do comum   - não lhe interessa qualquer grandiloquência ao narrar a história de sua país, ao contrário, tal narrativa está fundada na perspectiva de um sujeito sensível, em seu nexo não-linear de memórias afetivas, e no que há de corriqueiro, sutil e, portanto, potente na vida.  

Violeta não é uma mulher, é uma força da natureza: em um país cujo legado nativo, em toda sua potência, convive com um recalque civilizatório que faz a indianidade, e a simples perspectiva de amálgama cultural, tornar-se o maior fantasma do imaginário coletivo local - a ameaça a um projeto modernizador reprimido e repressor  -, Violeta é a voz que irrompe com a força de um trovão, as cores de uma tempestade nos Andes e a paixão sem limites que deseja para além de si mesma. Sua feminilidade, indomável e por vezes rancorosa, é a própria força incontrolável e fecunda da Mãe Terra. E Wood, sem panfletarismos ou a linearidade rígida e acadêmica não raras às filmobiografias, nos conduz a esse Mundo-Violeta.

As canções, as sutilezas e a descontinuidade são harmônicas no plano de composição em Violeta - como uma arte liberando-se de linhas rígidas, e não meramente liberada,  flutuando e animando a vida que corre. E os Andes terminam como panorama imanente dentro dessa composição, tendo ao fundo o canto de Violeta e seus olhos cortantes de condor.

Se uma leitura apressada das sinopses de Machuca e Violeta apontam para uma suposta dedicação de Wood a um projeto historicista, uma análise mais cuidadosa de sua obra nos abre as portas para uma produção vívida que se volta, a bem da verdade, para um devir-Chile: as memórias, o sensível e o comum de um país que tombou nas mãos de um programa  obliterador  e paranoico, guiado pela crença em uma modernidade combinada com um culto medieval à repressão, uma força voltada a cindir natureza e cultura em um binarismo estanque - cuja violência não poderia ser pequena, dado o grau de união em que se encontravam no legado nativo.

O cinema de Wood é não só de resistência cultural, mas também de uma persistência sensível sem tamanho - como o sorriso singular e contagiante de Francisca Gavilán, magnífica no papel de Violeta, nas reminiscências de uma vida em cortes, recortes e paixões. A caudalosidade histórica de Violeta reside justamente na sua despretensão narrativa. Em um filme como esse, irrompe uma força sem limites de um país ambíguo e belíssimo. Isso tudo põe Wood no mesmo panteão de vozes chilenas que se opuseram à pasteurização cultural e a anestesia pinochetista. 


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Europa: a Crise Explode na Espanha, Eleições em Grécia e França

Fila de Desempregados Espanhóis
Desde que a presente crise arrebentou em meados de 2008 - não sem dar sintomas, diga-se -, o noticiário europeu é uma série de tragédias anunciadas. Agora foi a vez da Espanha, às vésperas de novas eleições na Grécia, depois da dissolução do parlamento recém-eleito graças à não formação de governo, e das eleições legislativas na França, que ocorrem sempre um mês após à eleição presidencial, a cada cinco anos. 

Não é preciso, como insistimos por aqui, ser nenhum expert em macroeconomia para antever os desdobramentos da crise na Zona do Euro, uma vez que os resultados de uma partilha de uma moeda comum - ou de uma paridade em torno de uma moeda forte - são amplamente conhecidos por nós brasileiros (sobretudo entre aqueles que tem memórias vivas dos anos 90 e da paridade dólar-real): a economia mais forte passa a exportar mais e as mais fracas passam a importar mais do que conseguem ou mesmo precisam. 

No caso europeu, os déficits infinitos dos países periféricos eram compensados pelo acesso (supostamente) sem fim ao crédito, uma vez que os Estados ricos e exportadores tinham liquidez para bancar o jogo. Ninguém, no entanto, se deu ao trabalho de pensar até que ponto esse contínuo - e inevitável - endividamento poderia chegar, tampouco o que aconteceria em um cenário de crise no sistema financeiro. 

Pois bem, os Estados mais pobres, a exemplo dos mais ricos, tiveram de resgatar os seus bancos - quebrados pela ingerência da festa do sistema financeiro nas últimas décadas -, cometendo a torpeza política de recapitalizar algo que quebrou por conta própria às custas do erário público, mas ao contrário de seus primos ricos, eles não têm capital para bancar essa aventura e, pior ainda, não tiveram qualquer ajuda de seus vizinhos - que continuam a ter sim liquidez, como insiste o próprio presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi.

Essa brincadeira, nos países periféricos da Zona do Euro, não trouxe qualquer compensação para a sociedade, que no fim das contas pagou duplamente: a primeira via tributos gastos, a segunda via cortes de benefícios sociais para o reequilíbrio das contas públicas por meio dos "programas de austeridade". Esses países, além de não disporem de fundos, sempre tiveram uma situação frágil, uma vez que o Euro os tornava permanentemente deficitários na Balança Comercial, tanto que suas contas correntes esteve sempre comprometida. 

A riqueza social produzida pelos europeus, que marcou toda essa bonança do pós-guerra, foi  aparentemente repartida, mas para os países pobres do continente ela o foi como dívida, enquanto para os ricos isso aparece como liquidez - como se essa liquidez transcendental de países como Holanda ou Alemanha não resultasse do acesso aos mercados periféricos europeus. Esse estouro, junto com pequenos problemas internos de países como Portugal e Grécia, acabou por catalisar a presente crise.

A Espanha, que a exemplo de Portugal e Grécia, viu seu pós-guerra ser dominado, justo nas décadas de ouro do estado de bem-estar social, por um regimes fascista - embora os gregos tenham tido um intermezzo democrático -, azeitou uma democracia parlamentar com seu braço direitista e seu braço esquerdista, separados por muito pouco e unidos no projeto de integrar o país à Europa nesses termos.

Detalhe que os primeiros anos da democracia espanhola (1977-1982) foram dominados, ainda, por setores conservadores - que governaram seus cinco primeiros anos democráticos, de forma controversa e atrapalhada - até o longo governo socialista de 14 anos (1982-1996), encabeçado por Felipe González, cuja duração marcou a inserção definitiva do país no projeto europeu. O governo conservador de José Maria Aznar (1996-2004) apenas trouxe uma guinada na política de relações exteriores do país, tornando-se mais pró-americana, o que só causou maiores problemas quando, às vésperas do pleito de 2004,  o país foi vítima de um atentado terrorista de um grupo extremista islâmico em retaliação à participação espanhola nas incursões americanas no Oriente Médio: a irritação dos eleitores veio à tona e os socialistas voltam ao poder com a promessa de tirar as tropas do país do Iraque.

O governo socialista de Zapatero que foi de 2004 até o ano passado, apenas inseriu mais ainda  a Espanha na economia da dívida do projeto europeu e, diante da crise, deu o dinheiro que não tinha aos seus banqueiros, se endividou e compensou tudo com cortes nos investimentos públicos e sociais - além de manter a velha política de enquadramento e cerco às minorias autonomistas pelo país. Sua derrota ano passado, foi a expressão de uma abstenção massiva dos eleitores (32%), seguindo a tendência dos últimos anos, que resulta do desânimo geral do eleitorado com a situação do país e a semelhança (à direita) entre os grandes partidos - o que impacta sobretudo no eleitorado esquerdista, especialmente aquele ligado aos movimentos sociais do país, que vive o impasse de estar cada vez mais distanciado do sistema partidário-parlamentar sem, no entanto, produzir uma alternativa para tanto.

A direita sequer viu seus votos aumentarem substancialmente nessa vitória - eles aumentaram em apenas 600 mil votos - enquanto os socialistas perderam mais de 4 milhões de votos em um universo que variou de pouco mais de 25,7 para 24,6 milhões de votos. O novo premiê, Mariano Rajoy, que passou os sete anos de governo Zapatero como líder da oposição assumiu um país com a maior taxa de desemprego da Zona do Euro - quase um em cada quatro espanhóis incluídos na população economicamente ativa não tem emprego -, mas continua a repetir a mesmíssima política de cortes de investimentos para adequar o orçamento espanhol ao déficit comercial inerente a participar do Euro, repetindo a política insana de fazer o pé caber em um sapato vários números menores, nem que para isso precise amputar os dedos.

Em suma, o fracasso anunciado do governo Rajoy faz a democracia espanhola rumar para algo parecido com o que houve na Grécia: a falência do consenso partidário tradicional, o que não quer dizer que disso vá se produzir uma saída efetiva. Como tratamos recentemente, a Grécia viu a ascensão de uma série de agremiações menores ascenderem ao seu parlamento nas últimas eleições - sete no total, algo incrível para um país praticamente bipartidário há quase quarenta anos -, o que impediu a formação de governo e resultou na dissolução do parlamento recém-eleito. Depois de meses sob um governo técnico, agora a Grécia está nas mãos de um governo provisório, enquanto a tensão chega a níveis máximos, inclusive com um deputado neonazista, do recém-dissolvido parlamento, agredindo uma colega esquerdista na televisão.

Para as novas eleições marcadas para dia 17 deste mês, o partido da esquerda radical Syriza aparece como um dos favoritos - e sua plataforma gira em torno de uma renegociação do pacto de resgate do país, nem que isso signifique sua saída da Zona do Euro -, disputando ponto a ponto com o centro-direitista Nova Democracia a liderança das pesquisas, mas como é de se supor, em uma nova eleição realizada um mês depois da anterior, nenhum partido obterá maioria absoluta e os rachas no campo da direita e da esquerda inviabilizaram a formação de um novo governo - exceto se houver um amplo e plasmoso acordo, o que pode, inclusive, marcar a exclusão do Syriza, ainda que individualmente vencedor, da futura coalizão governista.

Nos dias 10 e 17*, os franceses irão às urnas para eleger sua Assembleia Nacional, a câmara baixa de seu parlamento, fechando o seu ciclo de eleições que começou ano passado com o Senado, vencido pela esquerda, e passou há um mês pela (apertada) vitória socialista nas eleições presidenciais. A tendência, dentro de um sistema eleitoral confuso como o francês, distrital de dois turnos, é que a esquerda reunida vença, inclusive pelo cansaço do eleitorado com a maratona eleitoral: se em média 35 dos 44 milhões de eleitores franceses votam nas presidenciais, esse número cai em pelo menos 10 milhões um mês depois nas eleições legislativas, uma sobre-abstenção que normalmente corresponde aos eleitores do partido derrotado nas presidenciais.

Se há cinco anos atrás, a boa vitória, ainda que em dois turnos, presidencial de Sarkozy deu ao seu partido (UMP) quase 40% dos votos contra reles 24% dos socialistas, mas agora a tendência é que a votação de ambos se aproxime em torno de 32%-35% dos votos, com a votação da esquerda reunida  - contabilizados aqui o Front de Gauche, de Mélenchon, o Partido Radical de Esquerda e os Verdes - beirando os 45%, somando maioria relativa do parlamento frente a conservadores e centristas. Ao que tudo indica, Hollande, apesar da vitória apertada, terá tranquilidade para governar, a questão é saber como e até onde irá sua disposição para confrontar a Troika e o novo Pacto Fiscal proposto por Merkel - e  em relação ao qual ele se opôs publicamente de antemão.

O quadro atual, portanto, aponta para o que pode ser um segundo momento da crise europeia com o reaparecimento da social-democracia e o gradual isolamento da centro-direita - incluindo aí as recentes derrotas da democracia-cristã alemã em estados importantes de sua federação -, além da ascensão de uma esquerda radical que, embora minoritária, força essa centro-esquerda a questionar os pés de barro do projeto europeu, o que se não é suficiente para um lado, marca uma pequena mudança de nuance na direção.


*na verdade, o segundo turno das eleições para a AN é dia 17, o primeiro turno é amanhã mesmo.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Debate entre Pré-Candidatos à Presidência da OAB-SP [Atualizado]

Amanhã, às nove da manhã irá rolar no Tuca, o teatro da PUC-SP - Rua Monte Alegre n. 984, Perdizes, São Paulo -, o primeiro debate entre pré-candidatos à Presidência da seção paulista da OAB organizado pelo CA 22 de Agosto. Este ano, teremos uma típica eleição de sucessão, com a saída de cena do conservador Luiz Flávio D'Urso, há oito anos no poder e agora consolida seu tour pela política partidária (que começa no DEM e segue no PTB) - mas longe da disputa direta pela Prefeitura, como sonhava originalmente. 

Seu grupo político se espraiou em algumas pré-candidaturas, embora Marcos da Costa surja como seu candidato à sucessão. Entre os nomes também na disputa, estão os lendários criminalistas Alberto Zacarias Toron - apoiado por Márcio Thomaz Bastos - e Roberto Podval - apoiado pelos movimentos sociais - , o candidato democrata-cristão Ricardo Sayeg e a advogada Rosa Chiavassa. Trata-se de uma disputa interessantíssima e pode importar num reposicionamento da OAB do estado, chocando-se em questões atuais como Pinheirinho, Cracolândia etc.

Atualização de 07/06 às 18:40: o nível do debate foi bom, um verdadeiro furo na tentativa de levar essa sucessão da OAB-SP em banho-maria. Podval foi bastante sereno e espirituoso, pontuou bem as questões, enquanto Toron e Rosana foram muitíssimo bem, os três estavam, em termos gerais, bastante alinhados no discurso - reversão da precarização da profissão, seu reposicionamento junto à sociedade civil em questão de direitos humanos - embora pessoalmente tenham suas discordâncias - por que não uma composição entre eles? Sayeg se postou mais à direita do grupo e firmou sua posição numa crítica à Defensoria Pública, que graças à decisão recente do STF se desvinculou da obrigação de se conveniar com a OAB, dando um foco mais corporativista ao trazer como mote de sua campanha o projeto de emenda constitucional que ele ajudou a redigir e que busca fazer as coisas funcionarem como antes.



segunda-feira, 4 de junho de 2012

Os Juros: Crédito e Dívida no Brasil de Dilma

Mantega e Dilma: o esforço por juros menores (reuters)
A política de crédito, sua capilarização e expansão, são pontos centrais no debate econômico contemporâneo. Não à toa, um dos grandes embates do governo Dilma é, precisamente, a quebra de braço entre o governo federal e os bancos privados para que aqueles se esforcem na tarefa de emprestar dinheiro para os reles mortais consumirem - não que isso se constitua em uma atividade pouca rentável, mas ela é, por certo, mais arriscada do que viver dos juros dos títulos da dívida pública, logo, sem nenhuma intervenção política, isso não acontece.

Aumentar o crédito para os consumidores é injetar dinheiro na economia, isso ocorre pelo acréscimo de renda salarial para eles e se torna renda real, ajudando a realizar o valor econômico - didaticamente, um proprietário de um bem de produção, no capitalismo, deseja pagar o menor salário possível para seus empregados ao passo que precisa que os demais façam o contrário para que ele tenha mercado para vender seus produtos; como os salários são menores do que o valor produzido (desconsiderando aqui a questão da taxa de investimento e manutenção do capital), resta um hiato por se realizar.

É justamente essa disfunção inerente ao sistema e esse hiato que são objeto da querela eterna do capitalismo. No pós-guerra, os Estados entraram com vigor para reconstruir as economias capitalistas, aliaram-se aos sindicatos e reverteu-se a histórica curva do medo que tomava os trabalhadores de todo o mundo: de repente, o desespero de não ter um bem de produção e precisar vender a mão-de-obra, deu lugar ao conforto progressivo causado pelas redes de bem-estar construídas pelo Estado e pelas redes de solidariedade estruturadas em torno dos sindicatos, partidos social-democratas e movimentos sociais.

O crescimento da massa salarial dentro de um cenário de propriedade privada dos meios de produção ascendeu outra questão: os proprietários reagiram ao empoderamento operário e, trinta anos de bonança depois, passaram a repassar, na forma de inflação, os custos dos ganhos trabalhistas para, assim, anula-los. 

A ascensão política do dito neoliberalismo, primeiro com Pinochet e depois com Thatcher e Reagan, não é uma jogada simplesmente burra de diminuir salários, pensões e aposentadorias - porque aí só seria possível equilibrar a economia se tornando uma potência exportadora descomunal - e mais uma esperteza danada ao fazer tudo isso junto com a popularização do crédito, tornando a realização do valor cada vez mais dependente das dívidas contraídas pelos trabalhadores . 

Dali por diante, os trabalhadores passariam a trabalhar duro para pagar seus débitos - valor produzido por eles mesmos e depois expropriado pelo capital até parar nos bancos - e, assim, não só realizarem o valor sem pressionarem salarialmente seus patrões como, também, dando origem a um novo mercado - o de empréstimos para o consumo - no sistema financeiro e, ainda por cima, passando a trabalhar de acordo com a coordenação da dívida. A angústia de perder o status social e de não poder arcar com as próprias dívidas torna-se a forja do novo homem.

A dívida deixa de ter um caráter meramente suplementar à renda laboral - e de ser garantida por sua existência - para ganhar uma nova função: ela passa a complementar uma renda salarial insuficiente ou mesmo a obrigar o não-proletarizado a passar a sê-lo - ao conceder crédito mesmo para quem não trabalha, o sistema faz esses setores entrarem na formalidade, para pagar as dívidas contraídas. O medo volta na forma do fantasma de estar fora do consumir ou, antes de mais nada, de não poder mais pagar as dívidas. Acabaram-se as garantias.  

O calcanhar-de-aquiles do sistema reside no fato de que o crescimento da taxa de endividamento é maior do que o crescimento do PIB, pior do que isso, a dinâmica dessa racionalidade leva a uma espiral de inadimplência - ou a mera expectativa de - que põe em xeque a capacidade do sistema coagir os devedores a pagar. A economia da dívida entra em processo entrópico.

No caso brasileiro, o governo Lula é marcado por um esforço welfarista de ampliação dos salários e melhoria da qualidade (e da quantidade) do trabalho empregado - além de uma abertura do crédito como instrumento de acesso ao consumo -, mas as pressões inflacionárias, diante de um cenário de pleno emprego, tem levado a medidas combinadas de financismo - crédito em vez de salários - como forma, no entanto, de manter a trajetória - e o crédito para as camadas não proletarizadas não deixa de ser um meio de trazer mais gente para o mercado de trabalho e, assim, arrefecer quantitativamente as pressões que plena-empregabilidade causa.

O que o dilmismo faz está fora de um contexto thatcheriano por conta de sua inegável vocação estatal e social, mas não deixa de estar exposto à mesma bolha, com o endividamento asfixiando as famílias, o que pode, no médio prazo de tempos que se passam tão rápido, levar ao processo de entropia financeira - até agora, a fronteira ainda não ultrapassada pelo capital. Hoje, uma política multitudinária implica em substituir a financeirização da economia por investimentos nas redes de bem-estar, poupando gastos em serviços privados que poderiam se destinar a outros ramos e na ampliação de salários - mas é preciso potencializar os trabalhadores mais do que no sentido econômico, mas também, e sobretudo, político, para que possam produzir um outro discurso do valor.



domingo, 3 de junho de 2012

A Alemanha como Epicentro do Terremoto Europeu

No início, havia bárbaros decididamente livres, mas se os gregos colonizaram seus dominadores romanos- o que fez tudo aquilo mais parecer um ardil para enfim realizar, por meio de Roma, o projeto inacabado de Alexandre Magno -, os germânicos se dedicaram, dali em diante, em aprender a declinar como nem mesmo todos os romanos faziam - dada a liberdade sem fim dos seus muitos vulgares, dialetos vira-lata do latim que se tornaram nosso jardim de latinidades -; precisava haver O alemão e era necessário que ele fosse tão rigoroso quanto qualquer língua clássica. Os alemães cometeram o erro de se pretenderem mais realistas do que o rei e, dali em diante, uma série de equívocos foram cometidos. 

A Alemanha contemporânea nasce da cultura burocrática, militarista e universalizante da velha Prússia - que, afinal de contas, subsumiu quase todos os Estados germânicos em seu entorno. Pois então, a história da ideologia alemã, e de seu desdita como Estado-nação, é mais do triplo H do que de Kant: Hegel, Heidegger e Habermas - do culto ao Estado como realização do Homem à transcendência comunicativa, que mascara o conflito social escondendo as assimetrias diversas, passando pelo odioso projeto de refundar a filosofia ocidental reterritorializando-a na pretensão de pureza nacional.

Não que a Alemanha não tenha nos dado dois dos maiores pensadores de todos tempos, dois iconoclastas tão opostos que chegam a se aliar no limiar de sua radicalidade, Marx e Nietzsche,  cada um apontando para determinados aspectos das rachaduras do casco do navio que, quisessem ou não, estavam a bordo - embora um tenha sido para sempre um judeu errante e o outro um inconfessavelmente eslavo. O que me interessa na Alemanha, portanto, é o que há de mais apaixonadamente maldito, resistente e alternativo na sua cultura, não alguma coisa de sua tradição (enquanto ramo principal de seu pensamento e ação) - não que a tradição me apaixone, ao contrário, mas eu já não diria o mesmo nem mesmo dos EUA ou da Rússia, muito menos do Reino Unido ou da França.

A Alemanha de hoje é o verdadeiro Estado em crise da Europa; depois de fraturada em duas na esteira da catástrofe da Segunda Guerra, ela se reunificou para ser o motor da Europa universalizada e universalizante na figura da União Europeia: mas sua vida não é fácil, seu capital vive da moeda comum que lhe abre os mercados do continente e está pouco disposto a fugir ao parasitismo disso, sequer assumindo os riscos de financiar seus consumidores em tempos de crise. Quem está em crise, isto é, quem depende de um artificialidade, uma moeda igual para estados desiguais, é a Alemanha, não Portugal, Grécia ou Espanha.

É a forma mansa, solidária e comunicativa do democratismo-cristão erigido nos escombros do pós-guerra - a exemplo de um bem comportada social-democracia - resolver seus problemas. Mesmo tendo a herança de sua antiga banda oriental, que passou quase meio século presa nos dilemas do socialismo real, entre a perversão burocrática e o desejo de democratizar o socialismo, restando-se falida para viabilizar sua absorção pela banda ocidental, em um movimento que teve mais haver com a ponte área Bonn-Moscou do que se supõe - e o leste pobre, apesar de preso ao jogo parlamentar, é a zona ainda mais esquerdista e rebelde do país.

A democracia-cristã governou longamente o país no pós-guerra, até o influxo dos anos 60 que resultou, de 1969 a 1983, no gabinete misto de social-democratas e liberais-democratas, voltou ao poder na reação dos anos 80 até ser substituída pela (torpe) terceira via - verde e social-democrata - durante o governo Schroeder para depois ascender com Merkel em um clima de progressivo desinteresse pela política, esgarçamento social e crescimento de movimentos de extrema-direita - para governar burocrática e cruelmente. Se na Itália havia um velho bordão de que a (falecida) democracia-cristã local invertia o anátema de que se deveria agir "segundo o que o Padre diz, não como ele mesmo age" -  ao agir como ele age e não como ele diz -,  podemos dizer algo parecido de Merkel e os seus.

O que quer Merkel, acossando os países periféricos da Europa por meio da política de austeridade? Até que ponto ela não imagina que isso não vá resvalar na sua Alemanha, seja por meio de um efeito bumerangue econômico ou político? As recentes derrotas políticas que ela sofreu podem ser menos terríveis, para si mesma, do que ela pensa, pior se fossem efeitos econômicos propriamente ditos, o que não está, ao meu pensar, fora de um horizonte de curto ou médio prazo se o arrocho não destruir algum país, por menor e mais pobre do que ele seja. Uma vitória social-democrata em nível nacional seria importante neste momento, apesar de suas torpezas mil, mas a crise alemã é certamente mais profunda e complexa para ser resolvida por uma mera mudança parlamentar.


sexta-feira, 1 de junho de 2012

Gilmar Mendes, Lula e o Estado da Arte da Política Brasileira

Gilmar Mendes -- (Fábio Rodrigues)
O debate político brasileiro saiu da monotonia nos últimos dias com as declarações bombásticas de Gilmar Mendes: primeiro, ele acusou, sem provas e com um testemunho em sentido contrário, o ex-presidente Lula de lhe pressionar para adiar o julgamento do mensalão - sendo que Gilmar não é mais presidente daquele tribunal, não é relator ou revisor do processo e, sequer, foi indicado pelo ex-presidente, o que tornaria mais estranho ainda o fato de Lula se expôr dessa maneira com ele. 

Depois do rechaço vindo sobretudo da mídia digital, agora Gilmar diz que vai entrar com uma ação para que sejam cortadas verbas públicas para blogs que ataquem as "instituições" (ou seja, ele mesmo?). A posição reativa de de Mendes vem na esteira das denúncias que ele mesmo fez uso de aviões graça a ajuda do senador Demóstenes Torres, implicado no escândalo Cachoeira, fato que ele mesmo confirma e faz a conversa respingar em si.

Mendes fez um mau lance político - e foi um lance de política partidária bastante óbvio e frágil, no qual ele (novamente) criou uma crise institucional via STF, e, ainda, o colocou em rota de colisão, palavra contra palavra, com um popularíssimo ex-presidente que acabou de se recuperar de um câncer; Gilmar não tem prova alguma do que diz, pior ainda, tem o testemunho do ex-ministro Jobim, alguém insuspeito de esquerdismos e seu amigo, o que talvez o tenha feito recuar do que disse. 

Se é provável que petistas tenham interesse em adiar o dito julgamento, é fato que a oposição tem interesse em fazê-lo acontecer pouco antes ou durante as eleições municipais para explora-lo politicamente, portanto, não é papel de um ministro do STF acender a fogueira da partidarização que já é inerente ao caso - e que só o torna mais complicado. Quem acusa precisa provar o que diz, porque o dito pelo não dito, é fato que existem interesses para adiar e para antecipar o julgamento, logo, uma fala desavisada pode não ser nada inocente.

Aliás, a mesmíssima oposição que rufa, oportunamente, tambores moralistas neste caso é aquela pouco disposta a fazer uma reforma política e, mais ainda, pouquíssimo disposta em debater o legado e a problemática dos anos 90, quando estava no poder, seja em episódios como o das privatizações ou da emenda da reeleição. Fazer o jogo, indiretamente ou nem tanto, dessas pretensas vestais da moral não é nem de longe colaborar para nada aqui.

Pior ainda, sugerir que verbas públicas que financiam blogs sejam cortadas porque eles "atacam as instituições" como Gilmar sugeriu - isto é, tenham postado algo que lhe desagradou - é profundamente preocupante. Ora essa, se um órgão de mídia recebe dinheiro público é preocupante que ele não critique o Estado, mas não o contrário. Aliás, grande parte da mídia brasileira, seja a tradicional ou virtual, vive sim de dinheiro público. 

Experimentem pensar na possibilidade de corte das verbas de publicidade estatal para a mídia e ver quem sobreviveria. Debater a democratização do financiamento da mídia virtual e, p.ex., uma renda que garanta às pessoas, e não apenas a alguns, meios econômicos para se dedicar à difusão de informação, conhecimento e cultura via Internet é salutar, mas sugerir corte de verbas apenas de quem escreveu algo que você não gostou é puro oportunismo. 

Gilmar torna-se, assim, a voz rouca e cada vez mais isolada da oposição conservadora ao governo petista, algo incompatível com sua posição de ministro do Supremo e ainda acaba pesando contra a liberdade de expressão na rede, o que é profundamente problemático. Se a oposição depende disso para sobreviver, ela tem problemas visivelmente graves. Ainda mais com Lula ressurgindo no debate público unindo ao seu carisma a aprovação tremenda do seu governo e a sua recuperação fenomenal como se viu nos últimos dias.