quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Occupy PUC

Assembleia estudantil de ontem
Nos últimos dois dias, a PUC de São Paulo assistiu ao estouro da sua maior crise desde a invasão da tropa de choque mais recente, em 2007. Foi, pelo menos, o maior e mais intenso tumulto que eu testemunhei nos meus cinco anos na graduação. A causa foi a indicação, por parte do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, da última colocada na votação para reitor ocorrida em agosto, Anna Cintra, pelo óbvio motivo de que ela era a candidata alinhada com o ideário conservador do Vaticano.

Pois bem, é possível que se argumente a história da lista tríplice, esse escremento que existe aqui, ali e, inclusive, na PUC. E Anna Cintra poderia alega-lo, se tivesse mantido o discurso original de que "são as regras do jogo", mas não foi isso que ela fez: basicamente, Anna assinou em público, durante um debate entre candidatos promovido pelos estudantes, um termo de compromisso de que não assumiria caso não ficasse em primeiro lugar. Pois bem, não ficou. Também não ficou em segundo. Ela ficou em último lugar.

Há quem diga coisas do tipo "não há valor jurídico no documento", embora todos saibam que o direito é ficção que produz real, talvez por introjeção de culpa. O documento que ela assinou idem. No fim das contas, o que existe é uma disputa por legitimidade, de acordo com as regras postas ou não, e a legitimidade é assentimento, é desejo de concordar, com este ou aquele movimento político. Anna, portanto, pode ter sido indicada no regime de listra tríplice, o que é aparentemente legal, no entanto, ela frustrou a legitimidade que precisa para gerir um lugar como a PUC.

Se são as regras do jogo, a lista tríplice, por que o termo de compromisso, se o termo, como as regras do jogo? O movimento de Dom Odilo, quem sabe voltado para se afirmar como papável, foi o de usar um proxy dentro da PUC para quem sabe, sob os auspícios do discurso da "boa gestão", conseguir implementar a reforma que gostaria e varrer os resquícios, diretos e indiretos, da Teologia da Libertação na PUC -- a exemplo do que se fez, recentemente, no Peru, na PUC de Lima. Se ela não ficasse em primeiro lugar, sem problemas, mostraria-se "força" e ela seria reitora pela prerrogativa da "escolha da lista tríplice". O problema é que o tiro realmente pode sair, como saiu pela culatra.

Primeiro que a votação na PUC, ao contrário da USP, é direta entre professores, estudantes e funcionários, logo, não escolher o primeiro colocado, é motivo para gerar comoção. Depois, que se você tem eleições, por mais que se diga que há uma prerrogativa metafísica pela qual o escolhido pode não ser o primeiro, existe um contra-senso aí: eleições não existem por alguma benemerência transcendental, elas são fruto da resultante de forças no embate político de algum lugar, segundo a qual manda quem teve mais apoio porque é preciso mais força para ter mando efetivo. 

Segundo, que quem assume não sendo o vencedor de fato, sempre arcará com o peso de ter se valido por uma brecha, não importa que se diga -- ainda mais se assinou um documento dizendo o contrário, o que dá azo a não só não ganhar apoio, como também perder o que se conquistou. Em outras palavras, esperteza demais pode fazer com que você ganhe, mas não leve. A implementação de um programa conservador pode, inclusive, ter um peso pior do que  se imagina e já vir maculado pela descrença. 

E não existe motivo pelo qual os estudantes, mesmo conservadores, venham a simpatizar com uma candidata que fala estultices sobre "liberdade de cátedra" -- e vacila diante da liberdade de um professor falar sobre aborto em sala de aula -- e não cumpre o que diz. Tampouco o argumento da "boa gestão" pode colar, inclusive porque o grupo de Anna já esteve por aí em algum momento da história pelas várias reitorias e, bem, gerir bem a PUC nunca foi algo recorrente por parte das mesmas pessoas que sempre estiveram na reitoria, ou a disputando.

As movimentações dos últimos dois dias, com ocupação simbólica da reitoria -- que foi entregue à atual gestão atual ontem --, a greve de estudantes, as cadeiras nos corredores e as assembleias lotadas foram muito bonitas. Motivo de tristeza, mas de alegria. Rompeu-se a letargia instalada desde a última invasão da tropa de choque, seguida da implantação do atual estatuto, que fez a PUC mudar e as pessoas optarem pela desistência em vez da resistência. E a atual gestão da reitoria, eleita em 2008 e reeleita este ano, poderia ter se usado muito mais do apoio da comunidade para resistir e, talvez, a situação fosse outra.

Seja como for, a PUC virou um campo de batalha pela laicidade, pelo que ainda resta de bom no catolicismo e de resistência ao avanço conservador dentro da própria Igreja, que apesar da sua aura arrogante, se encontra na sinuca de bico da perda de fieis pelo mundo todo -- e com atitudes com essa, não parece que vai atrair muitos seguidores. É uma luta, ingênua e juvenil, mas honesta contra o medo da morte e a resignação, de quem quer ver mais política e menos teologia. 





   

4 comentários:

  1. Hugo, vc é prolixo mas tem uma linha sã de pensar. Aprenda a escrever, seja claro, e dará em um bom jornalista!

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    1. Este não é um blog jornalístico, nem quer pretende sê-lo: aqui estamos entre a crônica e o ensaio.

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  2. e claro faz anti-jornalismo. E como sou Proustiano, vejo na prolixia uma qualidade - jamais um defeito. Padre Vieira era prolixo, mas não ser prolixo qualquer anonimozinho consegue...

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