domingo, 12 de maio de 2013

Apatia e Ditadura da Segurança em Tempos de Crise

Depois de dias corridos e um involuntário sabático das páginas deste blog, há uma miríade de questões que emergem enquanto evento neste mundo em crise. A dita "crise", cuja existência quase coincide com a existência d'O Descurvo, é menos acidente e mais a realidade do sistema em que vivemos: não é a crise do sistema global, mas a crise como sistema.  

Certamente, os leitores deste blog estejam ansiosos com o quadro atual, à espera de boas novas, embora o que se põe em jogo para tão logo seja quase o mesmo. E que as boas novas virão tão quanto o Godot de BeckettO mestre Giuseppe Cocco, no entanto, publicou um belo artigo no qual sintetiza muito bem o estado da arte e a arte do estado atual. Movimentos surgem, movimentos se apagam, heróis vêm e são as decepções do amanhã. Um belo início de conversa sobre o que interessa.

O debate atual, é quase sempre contra ou a favor das pulsões fascistas resultantes da resignação com um mundo distópico ou, na outra ponta, baseado nas esperanças messiânicas de mudança ou a reação histérica contra as "decepções". Dilma era a presidenta-guerrilheira que iria "avançar" com o projeto plebeu-reformista-revolucionário de Lula e, logo, converteu-se na sua deformação burocrática-positivista. Até que ponto ele foi (ou pôde ter sido) isso ou é tal coisa agora? Poderemos confiar nos Freixos e nas Marinas? Haddad, com todos os bons sinais do seu início de gestão, seria a resposta? O que nos aguarda logo mais?

É possível que a resposta é confiar em nada, mas não como o niilista, mas sim como o pleno de vida. Como aquele que deixa para lá o negativo em vez de submergir nele -- que não é diferente do crente, mas aquele prefere se agarrar a uma nova tábua da salvação imaginária, uma vez perceba-se perdido. As ilusões, confusões e demais acidentes de ótica são um mal inerente àquela área da física. Na política, é mais prudente entrar no movimento em vez de observa-lo, ou pensa-lo pela observação, é preciso preferir a cinética à ótica.

Vivemos em um mundo no qual, depois de mais de um século alentando o sonho da utopia, a segurança tornou-se um ente plasmoso e total: se tudo não pode ser transformado de uma vez, precisamos nos higienizar, nos isolar, nos blindar médica, urbana, social, econômica e sexualmente. 

Tudo se torna objeto de segurança: hiperdosagem de drogas para não adoecermos, sistema de segurança nos lugares que habitamos -- tornando o comum que se pode extrair do público em extensão da Casa --, práticas sociais cínicas e desconfiadas, seguros para nossos bens e para o nosso patrimônio -- e seguros dos seguros --, sexo seguro etc.

O desejo de segurança é menos que um desejo, é quase um instinto, um ruminar aquém do humano em uma época dita pós-human(ist)a Quase como o ímpeto do cão que persegue o próprio rabo, caso o alcance, moderá a própria carne, embora é provável que nem isso consiga. Como ficaremos mais seguros torna-se a pergunta posta nas redes sociais, nas ruas, no almoço de domingo. Sem isso, estamos desesperados e, em face do desespero, o homem é animal.

A resposta das esquerdas é quase sempre a esperança. Uma volta ao tempo que podíamos ter esperança, a esperança que o Partido conquistasse o Estado e, assim, realiza-se a revolução e fizesse a liberação. É uma aposta, convenhamos, ruim porque o mundo pós-moderno é mais ou menos o que resultou do desastre de quando a luta política foi reduzida a modelos ideais, fazendo-se vapor em seguida; o que ocorre quando as causas temporais exteriores à esperança a fazem atual? Via de regra, o desespero daquele que chegou ao Paraíso e não gostou do que viu.

Utopia que se preste é menos NoWhere e mais Now-Here. E se a crise da política moderna está posta, por outro lado, a insustentável leveza dos novos movimentos cai por terra: o que é social, embora intenso, sem ser propriamente político faz-se vapor facilmente, seja pela captura do novo tirano -- que se parece mais com um burocrata de uma seguradora do que um rei -- ou pelas velhas formas de tirania e seu poder disciplinar.

O grande nó que está posto é complexo. Exige, de um lado, é o fim da esperança em qualquer coisa, sem cair no devaneio securitário -- ou contra ele, que é efeito relativo a escassez, e não causa -- para se entregar ao seu antagônico: o movimento em fluxo, veloz e turbilhonar, pois o movimento do rio que sempre flui e nunca é o mesmo é o oposto à ideia da secura (que, não à toa, embasou o conceito do afeto de "segurança"). Pelo outro, uma teoria prática, e uma prática teórica, que dê conta da compreensão da diferença entre o social -- virtualidade de coexistência -- e o político -- atualizador virtual -- e a operação da produção de diferenças na multiplicidade, em larga escala singular..

Espiritualmente, tragamos contra o desespero uma prudência -- logo, uma resposta prática e empírica -- no agir, seja nas instâncias mais simples da vida às mais complexas; enquanto modo de atuação atuação, uma superação do social -- das redes físicas ou virtuais e suas conveniências -- para abraçar uma engenharia de intervenções, povoada de ritmos e formas geométricas.

As transformações necessárias exigem muito esforço, muita atuação. É preciso alegrar-se e constituir uma fortaleza existencial, uma vez que, no fundo, só nós mesmos podemos nos ferir. É preciso sair do choque, é preciso não cair em uma nova teologia-política.

Um comentário:

  1. Questão poucas vezes observada, mas que fica um tanto clara no filme Hoje, da Tata Amaral (com uma interpretação maiuscula, supina, e de assistir de joelhos da Denise Fraga), e talvez também no romance de Fernando Bonassi (sempre implacável), e que ajuda a explicar Dilma:

    - a militância contra a ditadura (noves-fora a Tropicália, o Armorial, e Glauber Rocha com suas consequências - incluindo o udigrudi etc etc) era tão repressora quanto o próprio regime que pretendia derrubar.

    Uma lógicade subserviência total, e voluntária, ao Ideal Revolucionário, do qual o Amor e o Erotismo estavam de saída excluidos (não por foraclusão, como em Mao - o que já era um problemas mas psicoticamente era interessante, e possivel por conta do budismo e taoismo) - por recalque.

    Dilma é o retorno desse recalcado (tanto quanto Lula era um glauberiano, tropicalista e armorial sem se dar conta disso). Dilma, no fritar dos ovos, é vegana (com todas as contradições que isso tem).

    E aí as discussões ficam entre comer ou não comer queijo - e não chegam ao fato central: queijo é de leite cru, vivo!, e isso que se vende no mercado é pausteurizado, borracha morta!

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