terça-feira, 28 de maio de 2013

O STF e o Significado Político da Indicação de Barroso

O advogado carioca Luis Roberto Barroso foi indicado pela Presidenta Dilma para o cargo de ministro do STF. Sua indicação, aliás, pôs a suprema corte brasileira novamente sob os holofotes. Estaria Dilma agora povoando o STF com juristas "progressistas"? Ou seria ele apenas um perfil que se enquadra bem para substituir Ayres Britto, seu antecessor? É fato que a suprema corte brasileira, cujo poder já não era pequeno originalmente em 1988, só viu sua força aumentar desde então, a ponto de estar, hoje, na ribalta do jogo político nacional com questões como "julgamento do mensalão" e o seu confronto aberto com o Congresso Nacional.   

Barroso, por seu turno, é um constitucionalista aclamado, dono de uma oratória ímpar e um texto rebuscado e fluído, que ganhou notoriedade nos últimos anos ao assumir casos de grande repercussão -- e populares em meio à esquerda -- como as defesas do ativista italiano Cesare Battisti, da União Estável entre casais homoafetivos e da  descriminalização da interrupção clínica da gestação de fetos anencéfalos -- considerada, até aquele momento, como "aborto". Há, no entanto, outros lados pouco lembrados de Barroso, como sua proximidade (intelectual, inclusive) com as reformas privatizantes dos anos 90 e seu papel militante como advogado da Abert, associação das empresas de rádio e TV que, basicamente, ressoa os interesses das Organizações Globo, carro-chefe do oligopólio midiático brasileiro.


O governo petista (2003...) patrocinou reformas constitucionais e legais que ampliaram o poder do STF -- vide Emenda Constitucional n. 45/2004 -- e teve, por força das inúmeras aposentadorias de ministros, o espaço para indicar inúmeras cadeiras. A composição da corte, dez anos depois, não ficou satisfatória, por certo. Barroso junto com (o já aposentado) Eros Grau (e talvez o próprio Ayres Britto) foram os poucos nomes com alguma relevância no pensamento jurídico nacional -- o que por si só já não seria muito. Não é de se espantar, portanto, que a corte tenha embarcado nos últimos anos em uma trajetória narcísico-populista, com o conflito contra o Poder Legislativo ou, também, na briga para saciar o ímpeto moralista-punitivo da nossa sociedade com o caso do Mensalão -- ao arrepio de direitos e garantias individuais.

A corte na qual Barroso, possivelmente, ocupará a cadeira de ministro tornou-se o que é com o golpe de 64, que reformou seus quadros com o afastamento de ministros não-alinhados com a nova ordem (ditatorial) e inaugurou uma ritualística cheia de salamaleques (togas, incluso). O STF, tal como restou desenhado pelos militares, sobreviveu incólume ao processo constituinte de 1988, nos legando uma corte suprema que detém, ao mesmo tempo, as atribuições de tribunal constitucional e de órgão máximo do judiciário -- na Europa e nos demais países que usam o sistema jurídico romano-germânico, normalmente, essa confusão não acontece --, na qual os ministros não possuem mandato e, ainda, são escolhidos por meio de um processo pouco claro de indicação  pelo Presidente da República com nomeação via "sabatina" do Senado. 

O resumo da ópera é que o STF julga desde questões de Estado -- como a constitucionalidade das leis -- até matéria criminal, seus ministros podem ficar 35 anos no cargo pelos critérios atuais e não há um critério não-casuísta para sua escolha. Embora, evidentemente, o buraco seja até mais embaixo. O problema tal como apresentado é só o primeiro capítulo. Além das mazelas propriamente brasileiras, o STF, enquanto corte constitucional, não deixa de reproduzir os problemas gerais ligados ao controle de constitucionalidade em toda parte.

O STF é uma má instituição porque concentra muito poder. Decide, sobretudo, acerca das competências de cada órgão do Estado, inclusive de si mesmo. A concentração da competência de ser, afinal, a cabeça do judiciário e o guardião da constituição torna tudo, inclusive, pior. Encarna, pois, um poder moderador, um retorno do dispositivo de suspensão de direitos à normalidade institucional, o que o torna mais perigoso do que quando empunhado pelas Forças Armadas, por exemplo. E ao fazê-lo, aliás, torna os juristas uma casta super-representada na República, tanto que eles terminam por perder sua própria condição e significado -- como, por exemplo, ocorreu com os militares durante a ditadura, quando acabaram reduzidos a burocratas trajando verde-oliva.  

Há, também, uma questão fundamental por trás dessa "concentração de poder", coisa que mesmo o constitucionalismo moderno e polido de um Barroso também deixa escapar: é a noção de que a Ordem decorre de um processo revolucionário ou reformista que, no entanto, é reduzido a um mito fundador, que deve ser mediado por um dispositivo; por exemplo, a redemocratização constituinte nos fundou, mas não é mais possível se pôr como quem quer ainda constituir direitos politicamente, mas por uma ladainha quadrada e inofensiva, autorizada pelo Estado -- como também não é mais possível ser revolucionário ou nômade, mas a revolução é posta como base da ordem moderna e o nomos, desde Sólon, seja a base das leis e do direito.

O nômade, como ser do que não aceitou a sedentarização da pólis, o revolucionário, aquele que não aceitou a acomodação da nova velha ordem, o constituinte, quem entende que a constituição de direitos é constante como a vida e não um monumento, são posições incômodas, pois afirmam o nomos, a revolução e o movimento constituinte como devir, não como em função atrelada a um período histórico datado, estático e representacional. Nessa concepção, pensando em termos negrianos, o STF é o dispositivo que aparece e sujeita essa potência constituinte, procurando torna-la virtual no discurso para adestra-la: dizer não às demandas ou afirma-las como outorgas, meras benesses do soberano, em sua imensa piedade, aos súditos. 

Quando Dilma põe alguém como Barroso como ministro, há implicações: o problema está longe de resolvido, mas surgem brechas para o político que é, digamos, uma forma de mitigar o problema: enquanto um Eros Grau defendia, por exemplo, o decisionismo e trouxe isso para a jurisprudência da suprema corte de forma científica -- de onde figuras como Joaquim Barbosa arrumam fundamentações para suas chicanas punitivistas --, Barroso, de um jeito liberal-democrático, se abre para um esquema de reconhecimento (representação) de direitos, o que rudimentarmente pode resultar em algum atravessamento com os movimentos constituintes (isto é, produtores). Suas primeiras declarações públicas como indicado, contra um "ativismo político" por parte do STF apontam nessa direção -- que é de evitar que a esfera política seja sufocada pelo aparato judicial.

A presença de Barroso, ao mesmo tempo que diz muito simbolicamente, no entanto, quer dizer pouco. Dilma já nomeou três ministros que disseram pouco, ou muito no mau sentido, como Fux -- envolvido em declarações bisonhas de que teria feito lobby junto a réus do Mensalão para ascender ao STF -- Rosa Weber -- que disse pouco a que veio, apesar da pouco animadora sabatina no Senado -- e Teori Zavascki, além dos membros nomeados em governos anteriores. Ainda assim, o grave atoleiro institucional que nossa República se encontra, e que Lula não conseguiu dar jeito, muito menos sua sucessora, seguirá ainda por mais tempo. Não é questão de um novo recomeço, uma reforma política institucional, uma nova constituinte (isto é, uma representação de processo constituinte por meio de algum drama parlamentar), mas de um processo contra o Estado que leve em conta, ainda, o tamanho do desafio que é conjurar o Leviatã.



Um comentário:

  1. A herança do tribunal
    (publicado no Amálgama)

    Podemos dividir o julgamento da Ação Penal 470, pelo Supremo Tribunal Federal, em três equívocos centrais: I) o falso pressuposto do chamado “mensalão”, II) o viés político dos votos condenatórios e III) a ausência de provas contra os réus.

    I

    “Não era mensalão porque não era mensal. Isso foi a visão que a imprensa consagrou”, declarou o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (1). “Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal”, escreveu Jânio de Freitas. “A mentira central deu origem ao nome – mensalão – que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira.” (2) Paulo Moreira Leite ressalta que “até agora não apareceu um caso concreto de compra de votos no Congresso durante o governo Lula. Não há uma lei que teria sido aprovada com esse tipo de ajuda”. (3)

    O longo caminho da “Construção do mensalão”, foi esmiuçado pela revista Retrato do Brasil. “O fato básico do mensalão, para ser provado no STF, exigiu uma invenção, uma mentira: um grande desvio de dinheiro público do Banco do Brasil, de 73,8 milhões de reais, e um desvio menor, da Câmara dos Deputados. Não existe, repetimos, a mínima prova desses desvios. E mais: há provas, fáceis de obter e abundantes, de que os recursos públicos citados foram gastos efetivamente na promoção de vendas de cartões de bandeira Visa do BB e em campanhas de publicidade da Câmara dos Deputados.” (4)

    (...)

    (texto integral no Amálgama ou no blog do autor)

    ResponderExcluir