sexta-feira, 14 de junho de 2013

Barricadas, o Transporte Público, a Polícia e Tanto Mais


Protestos atravessam o país. O mote central é a crítica ao reajuste das passagens de ônibus e do transporte público em geral, seu centro de gravidade está nas metrópoles, mas há mais do que isso: vivenciamos, sem dúvida, a eclosão revoltosa contra a letargia política dos anos Dilma, na qual o consenso burocrático no plano federal afirmou-se de vez, e o esvaziamento de símbolos, bandeiras e antagonismos tornou-se uma constante -- depois dos anos de otimismo e da sensação de estar-fora-do-mundo-em-crise dos anos Lula.  Também soma-se a isto as práticas conhecidas de políticos tradicionais, na oposição ao governo ou não, como o Governador paulista e ex-candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin -- cujo atual mandato foi marcado por coisas como o massacre do Pinheirinho e a operação "dor e sofrimento" na Cracolândia.

Há um desejo de afirmar a política, mas há, igualmente, um desejo de se fazer perceber -- de repetir os feitos dos occupy pelo mundo -- de uma geração que cresceu sob uma relativa estabilidade. É uma vontade louca de se fazer presente. Por vezes, errática. Por que querer ocupar se não há, ou havia, razões objetivas para tanto (uma crise, por exemplo)? Por que deseja-las no fundo? Porque, em geral, o projeto político Lulista potencializou a sociedade sem ter constituído, necessariamente, um processo político que servisse de carne para o processo social em curso -- embora o enquadramento deste nos anos Dilma tenha agravado, ou apressado, esta satisfação insatisfeita ainda pequena, porém existente.

Mas é menos na abstração do Estado e mais na concretude da metrópole que essas variáveis se constituem, e estouram. No caso, estamos falando do transporte público brasileiro, isto é, o sistema ele mesmo pelo qual circulam os fluxos da cidade. Eis uma fonte de problemas quase infinita no Brasil atual -- logo, uma usina de fatos políticos: com seu modelo de financiamento tarifário, empresas concessionárias fazem fortuna e tornam-se uma das principais forças da política municipal, enquanto opera-se uma fabulosa concentração de renda, uma vez que o ônus econômico da sustentação do modelo recai sobre seus usuários, isto é, pobres, trabalhadores e estudantes. 

Empresas concessionárias de ônibus são poderosas doadoras eleitorais. Esquemas fabulosos, legais ou não, de financiamento da política partidária por meio destas funcionam a todo vapor. Isso influi nas tarifas, não raro majoradas com gosto e vontade pelo grato administrado eleito ou reeleito. O transporte público acaba mercantilizado, enquanto o direito de ir e vir -- que no capitalismo vai até onde seu bolso consegue conseguir ir -- acaba mitigado para a maior parte das pessoas.  É nesse cenário de insatisfação que movimentos como o Movimento Passe Livre (MPL) conseguem mobilizar cada vez mais, ainda mais nas datas de reajustes. Tarifa zero, ele brada, ao passo que conduzem manifestações radicalizadas.

Este ano, os aumentos em muitas capitais, como Goiânia, Porto Alegre ou Natal, deram o tom dos confrontos. Em São Paulo, onde o reajuste dado foi menor do que a inflação acumulada, eclodiram nos últimos dias suas mais especulares e midiáticas ações. Tudo agravado pela resposta da polícia militar, inesperada pela violência, mesmo pela sua marca. É fato que nas primeiras capitais, as mobilizações se deram dentro contra o reajuste, enquanto em São Paulo e no Rio esperou-se dar o aumento para "impulso" ao movimento -- e política é política, o que está por trás dessa manobra (que não pode ser moralmente julgada) é uma série de outras questões, insatisfações e inquietações que estão diante de todos. 

Esse é o texto montado a partir do contexto atual da política brasileira, que tem nesses protestos seu pretexto (novamente, num sentido extra-moral) para os protestos públicos nas ruas. Sim, alguns manifestantes cometeram atos desnecessários e até condenáveis -- como espancar um policial que fazia a guarda do Tribunal de Justiça -- mas evidentemente a polícia não está para responder na mesma moeda, sobretudo porque caso as forças policiais incorram num ato de violência, a quem se poderia recorrer? 

E não foi de pouca violência que PM paulista utilizou nos últimos dias, há casos salutares como de uma fotógrafa que quase foi cegada, um jornalista foi espancado, a PM simulou um ato de vandalismo contra uma viatura sua e daí por diante -- entenda-se, prisões ilegais aos montes, bordoadas, uso de armas "não-letais" aos borbotões. Isso além do célebre discurso do promotor Zagallo no facebook, no qual ele defende a execução dos manifestantes, motivo pelo qual ele terminou "não tendo o contrato renovado" pela Faculdade de Direito do Mackenzie onde ele lecionava.

Do ponto de vista dos transportes públicos, é preciso enxergar que, de fato, não há almoço grátis, portanto, insistir no inverso disso, é entrar em um medievalismo que só pode levar à derrota para qualquer modelo de financiamento -- inclusive os mais exploradores -- de transporte público. E a experiência da (triunfante) resposta neoliberal ao Maio de 68 está posto e não perdoa. Nem perdoará desta vez.

É menos questão de "tarifa zero" e mais de anulação do sistema tarifário: usar contribuições para financiar o transporte público, uma vez que todos, diretamente ou indiretamente, fruem  do seu bom funcionamento e que fazendo isso, ainda estaríamos desonerando os vulneráveis que, preferencialmente, usam do serviço. Não só, estudar como se concede, para quem se concede e a qualquer custo, sem perder de vista, também, a necessidade de manter um bom serviço e o estímulo a constantes investimentos na frota (o que não ocorre agora, nem ocorria na era das grandes empresas estatais de ônibus, como a extinta e paulistana CMTC). Um equilíbrio difícil, sem dúvida.

No plano estadual, os reajustes foram os mesmos, embora os ferroviários paulistas tenham feito uma breve paralisação e tenham mais problemas do que os motoristas/cobradores de ônibus.  A situação dos metroviários paulistas, conste, vai mal também.

A questão de premissa é, sim, importante: por uma gestão democrática do transporte público. O que também torna tática a eventual confrontação nas ruas, e não imperativo de atuação, muito menos meio de redenção pessoal. Tampouco insista-se na carolice de que o ônibus, mesmo sua melhor disposição organizacional, daria conta por si só da problemática da circulação dos fluxos urbanos, como se políticas de moradia e bicicletas -- nessa ordem -- não tivessem muita importância nisto tudo.

É igualmente verdadeiro que o prefeito paulistano cumpriu promessa de campanha de não reajustar as passagens para além da inflação, aumentou o salário de motoristas de ônibus e cobradores, assim como tem uma prefeitura com problemas orçamentários e outros problemas, estes reproduzidos mesmo na democracia: concentração tributária na União, pouca grana para os municípios. 

Daí que é correto pautar, como ele fez, a municipalização das verbas da CIDE sobre combustíveis para subsidiar o transporte público, mas para tanto, o tempo não só urge como ruge -- e já rugiu como também a falta de articulação com os movimentos para dialogar sobre sua política de transportes ou mesmo o setor de comunicação do seu gabinete. Ainda mais no momento da crise policial como ontem e hoje, em relação à qual não se pode titubear.

A questão, no entanto, como dito, passa pelo transporte público e vai além -- não só por ter se tornado também um ponto para discutir a violência policial militar e a polícia militar como instituição, pelo curso das coisas, mas pelo desejo original que move o movimento. Tanto que o prefeito do Rio,  embora também governista, está poupado de quase tudo, ao contrário do que houve com Haddad. Não é à toa. É este o recado dado e antecipa a pauta política da disputa presidencial de 2014.


2 comentários:

  1. O responsável por isso é Geraldo Alckmin

    O governo demotucano paulista permite que os cossacos espanquem e aterrorizem cidadãos desarmados e pacíficos. As promessas de investigação dos abusos são mentirosas e produzirão as mesmas evasivas que acompanham a longa e assustadora história de absurdos impunes propagados pela Polícia Militar.

    A imprensa local só reagiu quando seus profissionais foram atingidos, e mesmo assim para reverberar as cínicas desculpas dos ogros fardados e de seus chefetes civis. Na verdade, até os próprios manifestantes e seus apoiadores na internet parecem reticentes quanto a nomear o grande culpado por tudo isso. O fato é que Alckmin jamais foi constrangido publicamente a explicar as ações dos subordinados, cujos salários pagamos, para receber um serviço excrementício feito de medo e revolta.

    O Ministério Público e a Assembléia Legislativa, apaniguados do regime de exceção que dilapida as finanças do estado há vinte anos, fazem vistas grossas e continuam a administrar as frivolidades de hábito. Seus membros também prometem averiguar. Mas, sabe como é, ninguém arriscaria perder aquela cadeira para o paletó do cunhado na autarquia estadual que titio Geraldo loteou entre os mais fiéis.

    Se fosse um governador petista, já haveria uma campanha aberta por sua renúncia. Ou melhor, ela estaria acontecendo há meses, desde que o primeiro PM chacinou inocentes em qualquer bar da periferia. O espetáculo de selvageria institucionalizada que acabamos de presenciar serviria apenas para selar a deposição.

    Ano que vem, Geraldo Alckmin tentará a reeleição para governador.

    http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2012/11/perdeu-governador.html

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  2. A análise de Hugo Albuquerque sobre os protestos contra a "redução do preço real das tarifas de transportes em São Paulo" (sim, pois o reajuste nominal ficou abaixo da inflação do período) foi a mais lúcida e consistente que li até agora. Fica muito claro, mais uma vez, que aqueles que desejam fazer política com um mínimo de fundamento precisam muito conhecer as quatro operações e regra de três. Caso contrário, a ignorância aritmética, assim como a de história, política, sociologia e da realidade, os converterá em mera massa de manobra.

    Essas pessoas sem consciência apenas serviram para apanhar da polícia, ter seus 15 minutos de glória como heróis do movimento estudantil sem causa e produzir imagens fortes para uma imprensa ávida por preparar o terreno minado da eleição presidencial de 2014. Não há motivo para se preocupar com elas. Apenas torcer para que não se machuquem...

    Contudo, é preciso que nos preocupemos, sim, com os articuladores desses estranho protesto contra a redução do preço do transporte público em São Paulo. Estes sabem fazer conta, conhecem política e não medem consequências para atingir seus objetivos. Sem fazer nenhuma afirmação, ouso utilizar os mais de 30 anos de jornalismo para conjecturar que a extrema esquerda, aliada ao que há de mais retrógrado e lamentável na direita, estaria por trás desse movimento.O objetivo seria desestabilizar os governos do PT, ajudar os conservadores a se apropriarem do poder para facilitar uma retomada gloriosa pela esquerda revolucionária? Não sei em qual proporção alguém acredita nisso? Porém, é uma grande balela.

    Na verdade, consciente ou inconscientemente e independentemente de sua ficção política, esse movimento contra a queda real do preço dos transportes paulistanos está fazendo um jogo muito mais grave: está conspirando contra o proceso de inclusão social dos últimos dez anos; está conspirando contra a ascensão socioeconômica ocorrida no País; está conspirando contra o aumento real do salário mínimo; está conspirando contra o "Bolsa Família"; está conspirando contra o "Minha casa, minha vida"; está conspirando contra as cotas nas universidades públicas; está conspirando contra o ProUni e o Fies; está conspirando contra a justiça social que se pretende para este país.

    O movimento contra a queda do preço real dos transportes públicos paulistanos está fazendo o jogo de uma parte egoísta de nossas elites, inconformada em compartilhar filas dos aeroportos com gente que agora pode comprar passagens e de ver seus filhos dividirem as salas de aula das universidades com intelectuais pobres. Acreditem: ao protestarem contra algo que não existe, vocês fazem o jogo de uma gente que repudia qualquer manifestação pública que atrapalhe o trânsito. Ao mesmo tempo, riem de vocês e agradecem o favor que lhes estão fazendo ao apoiar o movimento reacionário.

    Nesse contexto, entretanto, não se justifica a violência policial. O direito à manifestação, independentemente das causas, é indefectível nas democracias e deve ser defendido de modo intransigente. Assim, é inaceitável a violência com a qual a Polícia MIlitar de São Paulo está empregando contra os manifestantes. O governador Geraldo Alckmin, constitucionalmente responsável pela corporação deve intervir, faezr valer sua autoridade conferida pelo voto legítimo da população e conter a violência dos policiais. É hora de mostrar que, ao contrário de alguns rumores, ainda tem voz de comando sobre a corporação.

    Marco Antônio Eid, jornalista

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