sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Lula Condenado e uma Direita "Marxista"

Sebastião Salgado -- Trabalhadores
Lula foi condenado, o que não é surpresa alguma, salvo para quem desconhece como funciona o judiciário ou nutre alguma ingenuidade politica sobre o quadro brasileiro atual: Lula teve a condenação confirmada, com muito rigor e poucas provas do que ele alegadamente teria feito -- os desembargadores sulistas blindaram a decisão de Moro e atacaram Lula, seja por um exercício de corporativismo ou por convicção ideológica.

A questão não é essa, mas de como a direita se lançou à luta contra o PT e Lula, no custe o que custar, enquanto os mesmos insistiram na mesma, e já decodificada estratégia: a conciliação e a tentativa de compor, e agir exclusivamente institucionalmente. o Brasil, portanto, vive o paradoxo de ter uma esquerda conciliadora e institucionalista e uma direita que, representando os interesses de uma elite cada vez mais rica, faz enfrentamento direto e sem meias palavras.

Uma vez no governo, e sobretudo no que diz respeito à sua sucessão, Lula caminhou cada vez mais para uma estratégia de conciliação, distanciamento dos movimentos sociais e transformando o PT, cada vez mais, naquilo que chama na ciência política de big tent --  grande barraca ou tenda, vertido ao português no prosaico "partido-ônibus" (uma tradução não literal de outro termo, na verdade, o catch-all party, partido pega-tudo), isto é, um partido mais e mais capaz de aglutinar setores variados ao centro.

O combo era a aliança com o PMDB, para ter anteparo institucional nos termos do jogo tradicional da política nacional, política de conciliação entre empresários "nacionais" e trabalhadores pelo desenvolvimentismo -- política de fomento ao capital via BNDES, grandes fusões gerando empresas nacionais com atuação internacional, compromisso de empregabilidade e aumento salarial, tudo junto e andando junto, mas sem uma análise ou plano de garantia da produtividade.

Isso deu errado logo, sobretudo com a escolha lulista de encabeçar isso com sua figura pessoal e sucessores técnicos designados, todos sem experiência eleitoral e na política propriamente dita. A estrategia falhou, também, pela incapacidade da "burguesia nacional" funcional enquanto tal, ou mesmo como classe, e não ter garantia nenhuma que ela poderia jogar essa aliança pela janela ao menor sinal de perigo, o mesmo valendo para o PMDB -- sem esquecer de que a distância da sociedade civil, seus ativistas e movimentos, alijava o PT daquilo que em poucos anos o transformou num partido grande em um país continental.

Do ponto de vista da corrupção ou da ilegalidade, fatalmente o desenvolvimentismo, enquanto relação sistematizada do capitalismo de Estado brasileiro, não inovou, incrementou ou diminuiu os nossos problemas históricos. Políticos e, acima de tudo, operadores de empresas privadas, lobbistas e doleiros ganharam muito dinheiro, mas os políticos foram rifados por eles enquanto os operadores se salvaram com as delações premiadas. Não há provas de que Lula tenha se beneficiado pessoalmente, mas isso não parece importar para quem o acusa ou apóia a acusação.

Lula é culpado politicamente e merecedor de sua condenação então? Não.  O processo como foi conduzido foi péssimo para a história jurídica do país, sobretudo. Uma medida radical e desarrazoada sem fundamento racional. Mas o que eu estou dizendo é justamente o contrário: isso só aconteceu por uma fantástica soma de erros estratégicos na política, os quais se assentam numa premissa de que todos os agentes no jogo iriam agir racionalmente conforme seus interesses.

É verdade que uma pequena minoria se beneficiou muito do impeachment, mas a grande maioria de quem apoiava a remoção de Dilma a qualquer custo não se beneficiou até agora. O mesmo vale para a condenação de Lula, que avizinha inclusive a possível proscrição do PT enquanto legenda, caso ele seja capaz de sobreviver ao dilúvio.

A questão é que uma pequena oligarquia, em aliança com a oligarquia ocidental, sai ganhando de todo esse processo e, a rigor, é capaz de se blindar dos seus efeitos nocivos, inclusive construindo novos bodes expiatórios e cortinas de fumaça ao longo dos próximos anos. E basta olhar a história recente do Oriente Médio e da África para saber que países podem piorar muito e com uma rapidez incrível.

O Brasil, contudo, sempre termina sendo comparado com a Europa e os Estados Unidos sempre que processos históricos ocorrem aqui, o que este blogueiro tem dito desde 2013 que não é bem assim: talvez tivéssemos nos saído melhor naquela ocasião se estudássemos a revolução iraniana em vez do maio de 68 francês, seja para conseguir fazer as potencialidades de 2013 se realizarem ou para enfrentar os impasses que, romanticamente, parte da esquerda não queria admitir que já estavam presentes ali.

No mais, é preciso entender que a grande aliança das esquerdas com o sindical-populismo brasileiro se esgotou, posto que está esgotada e decodificada, seja porque a oligarquia brasileira, sob a máscara neutral do "mercado", adotou uma estratégia marxista contra o espelho: fazer lutar de classes, disputar a hegemonia cultural (à la Gramsci) e construir intelectuais orgânicos para direcionar, acima de qualquer suspeito, o Estado a partir de seu interior.

Isso pode ser o resultado justamente da falta de combatividade da esquerda, o temor das elites em verem os pobres ascendendo, o medo de perder seus privilégios depois de 2008, ou mesmo pela enorme quantidade de ex-esquerdistas nas fileiras da direita partidária brasileira. Diante da impossibilidade de diálogo, Lula e o PT não sabem como agir. E talvez não saibam ou estejam em rejeição sobre os próprios passos.

Há quem, diante dos erros do PT, responda o bom e velho "não é comigo" diante da condenação de Lula há quem, diante do quadro grave, pense que não é hora para mudar estratégia e pensar em autocrítica. Não, o futuro da luta social, da ansiada melhora dos nossos parcos índices sociais, não passa pela estratégia petista, mas isso não implica em permitir injustiças contra Lula ou o PT, injustiças que podem se reproduzir contra um futuro presidente mais razoável de qualquer partido -- vide que Lula não é o primeiro, e pode nem ser o último líder político popular e eleito pelo voto a ter sua vida desgraçada no Brasil.

Entre o petismo e anti-petismo, inclusive de esquerda, é preciso pensar além, sem deixar de abordar questões sensíveis ao esgotamento do PT -- sem recorrer ao raciocínio do realismo mágico de achar que deixar Lula e o PT à própria sorte é bom ou que essa situação não é fruto de erros estratégicos crassos, e que o PT tem reais dificuldades para implementar um plano b. 

No curto prazo, reverter minimamente o destino da política econômica atual, baseada no divórcio definitivo do "mercado" com a sociedade, e frear e reverter as contrarreformas é uma tarefa essencial. Menos é mais. A estratégia de defesa judicial, colateralmente, sempre dependeu disso, embora talvez o próprio não entendesse isso. O fato é quem optou, e pratica, a luta de classes é a direita e a oligarquia brasileira, ainda capazes de mobilizar as classes médias e usar de mecanismos morais para comandar o país.



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